Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a forma correta: «Como poderiam chover flores?», ou «Como poderia chover flores?»? São ambas corretas? Posso considerar como sujeito, no primeiro caso, «flores», e, no segundo, um sujeito oracional?

Resposta:

Normalmente, o verbo chover é defectivo e intransitivo, isto é, usa-se só na 3.ª pessoa do singular, sem sujeito nem qualquer complemento. No entanto, as duas frases estão certas, porque o verbo chover pode eventualmente ser usado com sujeito, sendo intransitivo («choveram flores», à semelhança de «nasceram flores»), ou com complemento directo, sem sujeito («chove flores», à semelhança de «há flores»).

Pergunta:

Eu gostaria de saber qual a origem da palavra tendência.

Obrigado.

Resposta:

A palavra tendência formou-se como derivado do adjectivo tendente, criado segundo o modelo de um particípio presente latino (tendens, tendentis, o que pressupõe o verbo tendĕre). É vocábulo atestado desde o século XVII, ocorrendo nos sermões do padre António Vieira.

Fontes: Dicionário Houaiss; José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1987).

Pergunta:

O pai chega para a filha e diz: «Que bom que você está a salvo.»

Não seria: «Que bom que você está a salva»?

Desde já agradeço!

Resposta:

Não, porque «a salvo» é uma expressão adverbial fixa que não tem de concordar com o sujeito da oração. Diga, portanto: «Que bom que você está a salvo.» A expressão «a salvo» é semelhante a outras como «a nado» ou «a limpo»: «Ela atravessou a nado» (não se diz *«Ela atravessou a nada); «A carta foi passada a limpo» (e nunca *«foi passada a limpa»).

Pergunta:

«Mesmo que a função ECON HOLD esteja seleccionada, para arrancar em modo ECON, o último modo de condução seleccionado terá de ter sido ECON.»

Isto soa-vos correcto? A expressão «terá de ter sido»?

Não me soa bem, mas acho que é o correcto. Opiniões. Obrigado.

Resposta:

O que escreveu está correcto, embora «terá tido de ser» não seja impossível. O exemplo em análise é muito curioso, porque mostra oscilações no uso da conjugação de ter quando é usado como auxiliar modal (ter de), exprimindo obrigação. Em princípio, o auxiliar ter de possibilitaria o seu emprego em tempos do sistema do passado, simples ou compostos, como se mostra nos seguintes exemplos:

1 – «O último modo de condução seleccionado teve de ser ECON.»

2 – «O último modo de condução seleccionado tinha tido de de ser ECON.»

O mesmo acontece no futuro composto, quer se reporte a um cenário futuro mas exprima uma situação anterior a outra («quando chegares, já terá tido de se fazer a intervenção»), quer marque um conteúdo (proposicional) cuja verdade não pode ser garantida pelo enunciador («A sogra está furiosa: ele terá tido de a ofender gravemente»), como sucede em 3:

3 – «O último modo de condução seleccionado terá tido de ser ECON.»

No entanto, uma frase como em 3 pode também apresentar-se assim:

4 – «O último modo de condução seleccionado terá de ter sido ECON.»

Este comportamento é semelhante ao de outro auxiliar modal, dever, que mostra mesmo mais restrições (o * indica agramaticalidade):1

5 – (a) «O último modo de condução seleccionado deverá ter sido ECON.»

     (b) *«O último modo de condução seleccionado terá devido ser ECON.»

6 – (a) «O último modo de condução seleccionado deve ter sido ECON.»

     (b) *«O último ...

Pergunta:

Estou a fazer a revisão de um artigo para uma revista científica e tenho uma dúvida em relação ao uso da contracção de + um, dum. Consultei o Ciberdúvidas e, apesar de ter confirmado a aceitação da contracção referida, parece-me que a mesma deve ser evitada em linguagem formal. Não encontrei nada que sustente esta minha opinião, por isso, pergunto: é aceitável esta contracção na escrita académica formal? Eis alguns exemplos retirados do artigo:

«(...) numa fase pré-universitária, e num contexto de capitalismo hedonista, vêem e utilizam o seu tempo livre como evasão, predominando uma dimensão de diversão, em detrimento duma mais relacionada com a procura de informação.»

«Possibilitadoras duma infinita acessibilidade, as tecnologias fazem com que os seus utilizadores se transformem através do seu uso.»

«O facto de a construção de sentidos se realizar a partir duma linguagem múltipla, desde sons a gráficos visuais, significa que o navegante do ciberespaço tem de contar com uma série de conhecimentos (...).»

Resposta:

Pode usar a contracção, mesmo em linguagem formal, incluindo textos académicos. Deve é ser coerente ao longo do mesmo texto, ou seja, não misturar de um com dum.