Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me pudessem ajudar sugerindo um tema para um trabalho que tenho de fazer acerca dos falares da ilha da Madeira (linguística madeirense). Pensei trabalhar na parte da semântica, mas não sei o que fazer dado que também não disponho de muito tempo para pesquisas muito profundas.

Agradeço a sua ajuda.

Resposta:

Lamento, mas não me foi possível reunir muitas referências sobre a descrição dos falares madeirenses. Sobre semântica, as referências são mesmo nulas, a não ser que enverede pela semântica lexical, que lhe permite abordar os chamados regionalismos. De qualquer modo, deixo as seguintes sugestões:

Bento, António e M.ª da Conceição Figueira de Sousa. "Continuidade e perenidade do falar madeirense", in Chris Chrystello (ed.), III Encontro Açoriano da Lusofonia, 2008.

Mateus, M.ª Helena Mira Mateus, A mudança da língua no tempo e no espaço

Segura, Luísa, Variação dialetal no território português: conexões com o português do Brasil.

Gonçalves, Miguel, "Para um estudo da palatalizaçao do L e da ditongação do I no dialecto madeirense", in Actas do XIX Congreso Internacional de Lingüística e Filoloxía Románicas, coord. por Ramón Lorenzo Vázquez, Vol. 6, 1994.

Pergunta:

Não encontrei em nenhum dicionário o nome de quem toca triângulo. Na Internet ocorrem as formas "trianglista" e "triangulista" (esta aparentemente mais adequada). Qual a forma correta?

Resposta:

Se designamos o instrumento como triângulo, não vejo porque não se há-de manter o radical da base (triangul-), sem sincopar vogais, na formação do substantivo que nomeia quem toca esse instrumento. Use-se, portanto, triangulista, tal como quem toca violino é violinista, e não "violnista".

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a questão colocada de seguida.

No livro Laws of the Game, edição 2009/2010, da FIFA (Federação Internacional de Futebol), na página 32, aparece a expressão: «A direct free kick is awarded to the opposing team if a player commits any of the following seven offences in a manner considered by the referee to be careless, reckless or using excessive force:

(...)

tackles an opponent.»

Mais à frente, na página 109 do mesmo livro, são esclarecidos os conceitos de careless e reckless do seguinte modo:

«Careless means that the player has shown a lack of attention or consideration when making a challenge or that he acted without precausion. No further disciplinary sanction is needed if a foul is judged to be careless.

«Reckless means that the player has acted with complete disregard to the danger to, or consequences for, his opponent. A player who plays in a reckless manner must be cautioned (nota: advertido com cartão amarelo).»

Assim, considerando que a acção careless não tem qualquer punição disciplinar e reckless» tem a punição disciplinar de advertência (em futebol significa a exibição por parte do árbitro do cartão amarelo), pergunta-se: qual deverá ser a tradução para português das palavras careless e reckless tendo em conta também a graduação da gravidade das sanções?

Antecipado agradecimento pelos esclarecimentos à questão suscitada.Resposta:

Uma tradução em português europeu (As Regras do Jogo 2008/2009 da Federação Portuguesa de Futebol) das regras da FIFA apresenta a primeira das passagens em causa assim (não tem havido alterações nessa parte do texto nas últimas edições):

«Um pontapé-livre directo será concedido à equipa adversária do jogador que no entender do árbitro cometa, por negligência, por imprudência ou com força excessiva, uma das sete faltas seguintes: [...]»

Donde se infere que, em Portugal, os adjectivos careless e reckless se traduzem por negligente e imprudente.

Já na tradução brasileira (Regras do Jogo de Futebol 2009/2010 da Confederação Brasileira de Futebol) lemos o seguinte:

«Será concedido um tiro livre direto para a equipe adversária se um jogador cometer uma das seguintes sete infrações, de maneira que o árbitro considere imprudente, temerária ou com uso de uma força excessiva: [...]»

Em português brasileiro, é, portanto, legítimo referir a maneira como se comete uma falta ou uma incorrecção num jogo futebol como imprudente (careless) e temerária (reckeless), também se usando os substantivos respectivos, imprudência e temeridade.

Pergunta:

No Norte e no Centro de Portugal encontra-se uma espécie de árvore, de nome científico Quercus pyrenaica, cujos nomes vernáculos portugueses mais usados costumam ser carvalho-negral ou carvalho-pardo-das-beiras; menos habitualmente há quem o chame de carvalha. Na Galiza essa mesma espécie é conhecida pelo vernáculo galego cerqueiro ou cerqueira, palavra decerto etimologicamente derivada do latim Quercus.

Os dicionários portugueses generalistas que compulsei não apresentam a entrada "cerqueiro". Os dicionários corográficos dão-nos mais de uma dúzia de topónimos iguais ou afins em território português: Cerqueiro, Cerqueira, Cerqueiras, Cerqueiral, etc. Os dicionários onomásticos dão-nos a existência do apelido português Cerqueira — aliás, bem difundido.

Perante este panorama, questiono-me se algum dia a palavra cerqueiro terá sido algum dia usada no idioma português para designar o Quercus pyrenaica. Em caso afirmativo, seria legítimo reinstituir o seu uso no português contemporâneo, designadamente em guias botânicos?

Agradeço penhoradamente a vossa ajuda.

Resposta:

Se o termo cerqueiro, tal como em galego (ver cerqueiro no Dicionário E-Estraviz), é usado nalgum dialecto português, como designação da árvore Quercus pyrenaica, parece-me legítimo empregá-lo. Contudo, sucede que não o encontro registado nem em dicionários generalistas nem em dicionários especializados (incluindo os etimológicos), apesar de a toponímia realmente sugerir um uso que terá sido frequente (ver topónimos mencionados pelo consulente no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). Parece-me, portanto, arriscado usar cerqueiro (Quercus pyrenaica) num guia botânico dirigido ao público português.

Sendo assim, só posso retomar a definição de cerqueiro, no Diccionario da Antiga Linguágem Portugueza, de H. Brunswick (Lisboa, Empresa Lusitana Editora, 1910): «aquelle que cuidava da cêrca do convento».

Relembro que, com o mesmo radical, cerc-, existe cerquinho, «variedade de carvalho (Valpradinhos-Macedo de Cavaleiros [...])», conforme anota Vítor Fernando de Barros, no Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro (Lisboa, Âncora Editora e Edições Colibri, 2006). No Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, a palavra também ocorre com informação etimológica:

«cerquinho [səɾˈkiɲu] s. m. 1 Botânica variedade de carvalho (carvalho-cerqinho) espon...

Pergunta:

Do ponto de vista da etimologia e derivação, qual será a grafia mais correcta: "cocolitoforídeo", ou "cocolitóforo"? Alguma razão linguística para preferir uma grafia à outra? [veja também http://www.geopor.pt/GPdiv/cocos.html].

Resposta:

As duas formas estão linguisticamente correctas, encontrando-se atestadas no artigo respeitante à entrada coc(o)- do Dicionário Houaiss. É de assinalar que não significam o mesmo, como indica a própria fonte mencionada pelo consulente: a diferença morfológica (e não ortográfica) decorre de cocolitoforídeo significar «que ou aquilo que tem a forma de cocolitóforo».

Sobre a terminação -ídeo, o Dicionário Houaiss afirma o seguinte:

«[terminação] composta do suf[ixo] -eo (fem. -ea) [...] de adjetivos (subst[antivados] ou não), antecedido de um el[emento] final de rad[ical] em -ide (com i longo, paroxítono) do gr[ego] eîdos "forma" ou -ide (-ida, -ido, proparoxítono), o que ocorre em pal[avras] como amarilídeo, australopitecídeo (de australopitécida), hamamelídeo, irídeo, psitacídeo (de psitácida) etc., em vocábulos de form[a] moderna (sXVIII) do lat[im] cien[tífico] para uso na taxonomia botânica e zoológica como adj[etivo] de subst[antivos] botânicos e zoológicos em -ídea, ademais de, em port[uguês], ter-se desenvolvido principalmente para evitar a dúvida acentual em pal[avras] como (acima exemplificadas) psitacida/psitácida (psitacídeo só cerebrinamente poderia ser lido psitacideu), australopitecida/australopitécida (australopitecídeo) [...].»

Quanto à formação etimológica de cocolitóforo, cabe dizer que a palavra é um composto científico cujos constituintes, de origem grega, são, a saber (idem):

a) cocólito, por sua vez, formado por: