Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na elaboração da capa de trabalho acadêmico "Projeto de pesquisa", informei o tema "Curatela: inovações do instituto no atual Código Civil". Para minha surpresa, a professora apontou erro no tema e me descontou pontos, alegando que o Código Civil contém diversos outros institutos jurídicos como adoção, guarda compartilhada, tutela etc, que apresentaram, igualmente, inovações, e que, portanto, a omissão da palavra curatela após o termo instituto constituiria óbice ao entendimento da delimitação do tema proposto. Discordo totalmente desse raciocínio, já que a combinação da preposição com o artigo (de + o = do) define, claramente, a referência ao vocábulo curatela, ao qual remete, e cuja repetição entendo desnecessária e deselegante, até. Assim, não vejo aí omissão ou falta de clareza. Cito, ainda, outros exemplos de construções similares que reputo, igualmente, perfeitamente claras, dispensando a repetição de termos subentendidos. Exemplos:

– Faculdade Pe. Arnaldo: dez anos de história da instituição;

– Adoção: modificações do instituto no Código Civil de 2002;

– Advocacia: o exercício da profissão nas empresas públicas;

– Orientação à Monografia Jurídica I: plano de ensino da matéria;

– Analfabetismo: a solução do problema transcende o aspecto econômico-cultural

– Brasil: o que a população espera do novo governo

Aguardo, com expectativa, resposta à indagação. Desde já, obrigado pela atenção.

Resposta:

Os títulos apresentados estão correctos, nesse e noutro tipo de unidade ou sequência textuais, decorrendo das relações semânticas e conceptuais entre dois termos. Nos casos em questão temos duas situações:

a) um termo de significado específico (hipónimo) é retomado por outro (anafórico), de significação mais ampla (hiperónimo); exemplos:

Faculdade Pe. Arnaldo: dez anos de história da instituição (porque uma faculdade é uma instituição)

Advocacia: o exercício da profissão nas empresas públicas (porque a advocacia é uma profissão)

Analfabetismo: a solução do problema transcende o aspecto econômico-cultural (porque o analfabetismo é um problema)

Havendo dúvida, pode-se muitas vezes recorrer a determinantes demonstrativos: «... esta instituição...», «... esta profissão...», «... este problema...»

b) um termo é parte ou anda associado a um termo antecedente, deixando-se subentendida essa relação (elipse); exemplos:

Adoção: modificações do instituto no Código Civil de 2002 (o processo de adopção tem um instituto, isto é, «conjunto de regras e princípios jurídicos que regem determinadas entidades ou determinadas situações de direito», Dicionário Houaiss)

Orientação à Monografia Jurídica I: plano de ensino da matéria (se Orientação à Monografia Jurídica é uma disciplina académica, então terá um conteúdo a que se chama matéria)

Brasil: o que a população espera do novo governo (Brasil é o nome de um país, e todos os países têm população, logo o Brasil tem uma população)

É possível fazer anteceder o ...

Pergunta:

Há tempos encaminhei uma questão relativa à regência da palavra relator. Nesta oportunidade, desejo retomá-la, em forma diversa. Vejam-se as seguinte frases: «O presidente designou o deputado Carlos Feitosa relator do Projeto de Lei n.º 489.» «O presidente considerou o deputado Carlos Feitosa especialista na matéria.»

Não cabe discutir que, assim como a palavra especialista rege em, a palavra relator rege de. Por isso, volto a questionar a correção da frase:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»

Se for substituída a palavra relator pela palavra especialista, com as devidas modificações na estrutura da frase, ter-se-ia:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para (?) a qual considerou especialista o deputado Carlos Feitosa.»

A meu ver, na frase correta deverá constar «na qual», pois a regência assim o exige. O mesmo se poderia dizer da frase com a palavra relator, pois esta rege de, e não para.

Gostaria de uma opinião, que desde já agradeço.

Resposta:

Não discordo de que a observância das regências associadas às palavras relator e especialista é um comportamento linguístico correcto. Mas também não concordo com a rejeição da construção relativa introduzida por para, porque a questão não reside só na regência desses substantivos; relaciona-se também com a sintaxe de verbos que apresentam comportamentos sintáctivos diferentes.

Observem-se mais uma vez as frases em questão:

(1) «O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»

(2) «O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para a qual considerou especialista o Deputado Carlos Feitosa.»

As frases que o consulente usa em analogia para legitimar a sua análise não têm exactamente a  mesma estrutura sintáctico-semântica, porque designar não se comporta como considerar.

Em 1, a palavra relator é complemento do verbo designar, que, à semelhança, de nomear, admite complemento opcional referente à finalidade do acto de designação ou nomeação. É o que nos mostram exemplos retirados do Dicionário Houaiss:1

(3) «Nomeou o primeiro colocado no concurso para o cargo.»

(4) «Designe o local e a hora para o encontro.»2

Ora, não é bem isto que acontece com considerar, pelo menos, quando significa «achar», «ver como»

(5) ?«Considerou o deputado Carlos Feitosa (como) especialista para a proposição.»

Pergunta:

Qual seria o gentílico da Posnânia, região da Polônia conquistada pelos prussianos?

Muito obrigado.

Resposta:

O Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, regista, posnano, como adjectivo, e Posnano, como substantivo, formas gentílicas correspondentes ao topónimo Posnânia, incluído na mesma fonte.

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação à palavra que expressa caso vocativo ó. Qual é o seu uso correcto?

Pode-se usar além numa situação coloquial também numa situação formal?

Tem de se usar só quando se vai chamar alguma pessoa, ou também posso usá-lo para animais e coisas (por exemplo, em poesia)?

Em que países lusófonos se utiliza aquela palavra? Se eu dissesse ó num país onde não se costuma empregá-lo, a gente me entenderia?

Qual é a origem dessa palavra e como se usava? E existiu alguma modificação no seu significado até hoje?

Muito obrigado por tudo.

Resposta:

Na actualidade, a interjeição ó usa-se em situações informais ou em registos literários. Mas, por exemplo, não ocorre nunca em contexto formal, pelo que é desadequado dizer «Ó Sr. Presidente da República» ou «ó Majestade» numa cerimónia oficial.

Acrescente-se que a interjeição pode ser usada com pessoas e outros seres vivos, bem como com abstracções. Quanto à sua distribuição geográfica, não tenho dados, mas penso que se pode afirmar que a interjeição ó é conhecida em todas as variedades de português.

A respeito da etimologia, lê-se o seguinte no Dicionário Houaiss: «lat[im] ō, às vezes ŏ antes de uma vogal breve, interj[eição]. empregada para chamar, para invocar; exprime t[am]b[ém] desejo, admiração, perturbação, dor etc. [...].» Sobre o uso no passado, não conheço estudos sobre a sua distribuição na documentação escrita disponível, que abrange textos literários e não literários escritos. Em Os Lusíadas, os títulos ou nomes de figuras de alto estatuto ocorrem em vocativos introduzidos por ó:

«E não cuides, ó Rei, que não saísse/O nosso Capitão esclarecido/A ver-te, ou a servir-te [...]»

Acontece que este tipo de contexto, de intenção literária, pouco nos diz sobre o emprego formal da interjeição, porque a ocorrência desta na poesia clássica do século XVI pode muito bem dever-se à imitação da retórica latina. Quanto a contextos não literários, o que se pode verificar em documentos notariais é que a interjeição não ocorre (ver Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira).

Pergunta:

Normalmente, quando uma sigla é citada pela primeira vez, ela vem com seu significado, com as letras iniciais em maiúsculo. Por exemplo:

«A END — Estrutura Nominal do Discurso — é criada com a finalidade...»

Assim, ao longo do texto eu posso referenciar à sigla "END" diretamente. Por outro lado, há situações em que é preferível escrevê-la por extenso («Estrutura Nominal do Discurso»). Minha dúvida é: quando eu referencio uma sigla por extenso (que já foi definida anteriormente, como no exemplo acima), devo fazê-lo com as letras iniciais em maiúsculo ou em minúsculo? Na primeira vez em que ela é citada, obviamente deve ser em maiúsculo, mas nas demais?

Um exemplo de continuação da frase acima seria:

«Sabe-se que a estrutura nominal do discurso é muito útil para...» — minúsculo ou maiúsculo?

Obrigada.

Resposta:

As letras da sigla ficam sempre em maiúsculas. Para referir a designação por extenso, mantém as iniciais maiúsculas, se se tratar de um termo com estatuto especial numa dada teoria. No entanto, se tal não for o caso, isto é, se falar de «estrutura nominal do discurso» como termo genérico ou corrente numa dada área de investigação, sem a vincular a um quadro teórico específico, recomendam-se as minúsculas iniciais.

Finalmente, uma observação: quando se emprega um termo complexo pela primeira vez, num artigo, numa tese ou numa monografia, é preferível apresentar a expressão por extenso e só depois a sigla, entre parênteses ou entre travessões; ou seja: «A Estrutura Nominal do Discurso (END) é criada com a finalidade...»