Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se existe em português uma expressão similar a esta: «Life sucks, then you die.»

Se não existir, qual será a tradução?

Muito obrigado por colocarem este site na Internet. Tem-me ajudado imenso na língua dos meus avós.

Desculpem o meu português.

Resposta:

Lamento, mas não identifico um provérbio ou um dito tradicionais que, em português, sejam equivalentes em versão livre à tradução literal da expressão em causa: «a vida é uma chatice, e depois morre-se.» Há, no entanto, outras, que vincam a brevidade da nossa presença neste mundo, sem propriamente a avaliarem: «a vida são dois dias», «a vida passa a correr».

Parabéns pelo seu português e pela vontade de continuar a usá-lo.

Pergunta:

"Sobre-exploração", "sobreexploração", ou "sobrexploração"?

Obrigada.

Resposta:

Em português europeu, antes da aplicação do novo acordo ortográfico (AO 90), os dicionários apresentavam variação em casos de prefixação com sobre-; exemplos: sobreexposição, em que o prefixo sobre- se aglutinava graficamente com o elemento seguinte1; e sobrexposição, porque o prefixo «[...] pode sofrer, antes de vogal, a elisão da vogal por que termina: antálgico, protóxido, pseudencéfalo, etc.» (Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, Lisboa, Editora Atlântida, 1947, pág. 226). Assim se compreende que, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, na edição publicada em 1991 por José Pedro Machado, se registe sobreexploração e sobreexplorar, muito embora não se acolha a forma alternativa com elisão, sobrexploração.

Com a adopção do AO 90, sobreexploração passa a ter um hífen no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Porto Editora, e no Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC):

Pergunta:

Qual a tradução mais adequada para o termo inglês misconception?

Resposta:

O Dicionário Verbo Oxford Inglês-Português faz corresponder a misconception o vocábulo equívoco e a expressão «ideia errada». No entanto, a escolha da tradução mais adequada dependerá do contexto, como bem mostra o verbete da palavra em questão, no qual a sequência «it is a popular misconception that...» corresponde a uma construção portuguesa que não é tradução literal, palavra a palavra: «acredita-se erradamente que...»

Pergunta:

Gostava de saber o significado do verbo arrefinfar, termo da gíria, muito usado em contexto informal. Obrigado.

Resposta:

Segundo Afonso Praça, Dicionário de Calão (Lisboa, Casa das Letras, 3.ª edição, 2005), o verbo arrefinfar significa «bater com força» e «copular» e usa-se frequentemente na expressão «arrefinfa-lhe!».

Pergunta:

Sou galego, e a minha língua materna é o português na sua variante galega. Na Galiza, às vezes, usamos palavras castelhanas, como por exemplo pijo, o que em inglês seria snob; não consegui encontrar em nenhum dicionário como se diz esta palavra em português da Galiza nem em português de Portugal!

Poderiam ajudar-me?

Muito obrigado.

Resposta:

Penso que o castelhano pijo tem por equivalente beto ou betinho, em português europeu.

No Grande Dicionário da Língua Portuguesa (GDLP), da Porto Editora, regista-se beto como coloquialismo que significa «jovem bem-comportado, geralmente um pouco presumido», o que parece indicar que o termo designa mais um tipo psicológico do que um tipo social. No entanto, Afonso Praça, no seu Novo Dicionário do Calão (Lisboa, Casa das Letras, 3.ª edição, 2005), vai um pouco mais longe e define beto como um tipo social:

«Rapaz muito certinho, pelo menos na aparência, e oriundo de boas famílias. De um modo geral, é conservador, de direita, não falta às aulas, cumpre as suas obrigações escolares, é respeitador, não faz noitadas e gosta de vestir roupas de boas marcas.»

Ocorrências da palavra em corpos textuais confirmam um uso referente a estatuto social, como acontece na seguinte passagem (entrevista a Daniel Sampaio publicada no jornal Público de 22/05/1994), extraída dos corpos textuais disponíveis na Linguateca (ACDC):

«P. – "Betos" é uma designação de comportamento, ou é uma designação de classe?
R. – É as duas coisas. O comportamento dos betos está relacionado com uma classe social. São das classes sociais mais altas e têm determinados comportamentos característicos, preocupam-se com festas, com aparecerem em revistas, com a maneira de vestir...»

Assinale-se que, nesta definição, não se sublinha o bom comportamento assinalado pelo GDLP e por Afonso Praça. De qualquer modo, de acordo com a minha experiência de fala...