Pergunta:
«Apesar disso ainda há gente tonta que imagina que/
Se possa continuar a governar/
Com as artimanhas da velha política/
Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...»
Cito um extracto de uma tradução de um pequeno texto-brincadeira que circula na Internet. Lido do princípio para o fim, tem um sentido; lido do fim para o princípio, revela sentido inverso. Para tal, deve respeitar-se a mudança de linha e escolher estruturas que permitam a brincadeira em português. A dificuldade está aqui: se se respeita a gramática e se escreve "gente tonta que imagina que se pode governar", ou seja, o verbo imaginar seguido, como é correcto, de verbo no indicativo, a leitura do fim para o princípio não é possível. Pensei assinalar aos meus estudantes que, neste caso, se poderia recorrer ao erro que por vezes é cometido na língua corrente. O que vos parece? Demasiado artificial? Obrigada pela vossa resposta.
Resposta:
O verbo imaginar pode seleccionar uma oração completiva finita, cujo verbo pode estar no indicativo ou no conjuntivo (informação e exemplos de Winfried Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almedina, 1994):
1. «Pois, olha, eu imaginava que ainda estavas a viver com os teus pais.»
2. «Imaginava que ainda estivesses em Lisboa – Que surpresa!»
Não há, portanto, desrespeito da gramática aquando se escreve «gente tonta que imagina que se possa governar...», se com a frase se quer reforçar o carácter imaginário do conteúdo da completiva. É este uso que permite a leitura do fim para o princípio da sequência que apresenta.1
1 Devo assinalar o carácter truncado do texto-brincadeira, na leitura do princípio para o fim, porque à sequência «Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...» falta acabar a oração subordinada final introduzida por «para que».