Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Desejo saber como se pronuncia «tempus edax rerum».

Resposta:

Segundo o Moderno Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, a expressão latina «tempus edax rerum» significa «tempo devorador das coisas» e é da autoria do poeta Ovídio (Metamorfoses, XV, 234). 

Três pronúncias são possíveis:

a) tradicional: pronuncia-se como se se tratasse de uma sequência escrita em português, mas com o "x" a valer [ks];

b) eclesiástica: o s de tempus soa sibilante ("tempuss"), o x, [ks], e o -m de rerum é articulado como consoante ("rérume"), não sendo marca de nasalidade (não se diz "rerũ");

c) restaurada: no caso desta expressão, soa praticamente como a pronúncia descrita em b).

Nas três formas de pronunciar, o acento tónico de cada palavra recai sempre na penúltima sílaba: «têmpus édax rérũ» (pronúncia tradicional) ou «témpus édax rêrum» (pronúncias eclesiástica e restaurada).

Pergunta:

«Apesar disso ainda há gente tonta que imagina que/

Se possa continuar a governar/

Com as artimanhas da velha política/

Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...»

Cito um extracto de uma tradução de um pequeno texto-brincadeira que circula na Internet. Lido do princípio para o fim, tem um sentido; lido do fim para o princípio, revela sentido inverso. Para tal, deve respeitar-se a mudança de linha e escolher estruturas que permitam a brincadeira em português. A dificuldade está aqui: se se respeita a gramática e se escreve "gente tonta que imagina que se pode governar", ou seja, o verbo imaginar seguido, como é correcto, de verbo no indicativo, a leitura do fim para o princípio não é possível. Pensei assinalar aos meus estudantes que, neste caso, se poderia recorrer ao erro que por vezes é cometido na língua corrente. O que vos parece? Demasiado artificial? Obrigada pela vossa resposta.

Resposta:

O verbo imaginar pode seleccionar uma oração completiva finita, cujo verbo pode estar no indicativo ou no conjuntivo (informação e exemplos de Winfried Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almedina, 1994):

1. «Pois, olha, eu imaginava que ainda estavas a viver com os teus pais.»

2. «Imaginava que ainda estivesses em Lisboa – Que surpresa!»

Não há, portanto, desrespeito da gramática aquando se escreve «gente tonta que imagina que se possa governar...», se com a frase se quer reforçar o carácter imaginário do conteúdo da completiva. É este uso que permite a leitura do fim para o princípio da sequência que apresenta.1

1 Devo assinalar o carácter truncado do texto-brincadeira, na leitura do princípio para o fim, porque à sequência «Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...» falta acabar a oração subordinada final introduzida por «para que».

Pergunta:

Nos termos cefalorraquidiano e cerebrorraquidiano, a primeira sílaba é tónica, isto é, os seus elementos iniciais pronunciam-se tal e qual como nas palavras céfalo e cérebro?

Muito agradecido às excelentes Ciberdúvidas por mais este esclarecimento.

Resposta:

As transcrições fonéticas de palavras que incluam os radicais cefalo- e cerebro-, disponíveis no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, apresentam:

cefalorraquidiano com e mudo (o que ocorre na preposição de) na sílaba ce-;

cerebrospinal (não existe a entrada cerebrorraquidiano): com e aberto na sílaba ce-, pelo que é de admitir que cerebrorraquidiano também se pronuncia com essa vogal na primeira sílaba.

Note que, ainda em relação a cefalorraquidiano, o mesmo dicionário regista cefalotórax com e aberto na sílaba ce, o que sugere que o radical cefalo- pode também ter e aberto mesmo quando não recebe o acento principal dos compostos eruditos (morfológicos) em que intervém.

Pergunta:

Peço-vos uma definição única para as palavras Nação, Pátria, País e Estado. Também agradeço a sua contextualização.

Obrigado pelo inestimável serviço que nos prestam.

Resposta:

Se por definição única se entende definição comum a vários vocábulos, verifica-se que as palavras acabam muitas vezes por ser usadas como sinónimos, sobretudo Nação, Pátria e País, que remetem muitas vezes para uma comunidade identificada por uma cultura e um território próprios.  Contudo, depressa se verifica que tais palavras não se definem da mesma maneira, sobretudo em contextos mais especializados. Com base no Dicionário Houaiss é possível dizer que:1

Nação é próximo de País, mas sublinha os valores culturais comuns a uma população — «comunidade de indivíduos que, dispersos em áreas geográficas e políticas diversas, estão unidos por identidade de origem, costumes, religião Ex.: a n. católica, a n. maometana, a n. judaica».

Pátria salienta um país ou território enquanto realidade afectiva a que grupos e indivíduos estão ligados — «país em que se nasce e ao qual se pertence como cidadão; terra, torrão natal; terra natal»; ex.: «a minha pátria é Portugal».

País refere-se normalmente a um território com organização política própria — «território geograficamente delimitado e habitado por uma coletividade com história própria; ex.: os p. do Mercosul aceitaram o Chile e a Bolívia como membros associados».

Estado é a entidade responsável pela organização de um território e da vida da população ou do conjunto de populações que aí habitam — «país soberano, com estrutura própria e politicamente organizado» e «o conjunto das i...

Pergunta:

Surgiu-me, num exercício sobre adjectivos, uma dúvida acerca dos adjectivos relativos a «estátua de alguém deitado», «estátua de alguém a cavalo» e «rapaz que ainda não tem barba». Seria possível indicar-me quais os adjectivos correspondentes às expressões? Além disso, podia confirmar-me qual o adjectivo correspondente ao nome monge?

Obrigado.

Resposta:

Os adjectivos são os seguintes:

«que está deitado»: jacente («estátua jacente»);

«a cavalo»: equestre («estátua equestre»);

«sem barba»: imberbe («rapaz imberbe»);

«relativo a monge»: monacal («vida monacal») ou monástico.