Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de esclarecer de uma vez por todas uma dúvida que tenho na letra de uma canção que escrevi, os versos são os seguintes:

«Quero lhe dizer que isso é apenas um momento

E nada nem o tempo, me (fará ou farão) desistir tão fácil de você

Sou persistente e por sinal

Nessa história boto vírgula e não ponto final...»

Devo utilizar fará, ou farão?

Devo concordar no singular ou no plural?

Muito obrigado.

Resposta:

Como a expressão «nem o tempo» veicula informação adicional à que é pressuposta pela palavra nada, o predicado concorda com este pronome indefinido e deve ficar no singular.

Note-se que a concordância com sujeitos compostos ligados pela conjunção nem verifica oscilações, podendo usar-se o singular se os termos do sujeito complexo se excluírem mutuamente, em alternativa (Celso Cunha e Lindley Cintra 1984: 508): «Nem tormenta nem tormento/nos poderia parar» (Cecília Meireles, Obra Poética, Rio de Janeiro, Aguilar, 1958, pág. 141). Além disso, o pronome indefinido nada, integrando-se num sujeito composto constituído por uma enumeração, desencadeia a concordância no singular, porque resume os termos aos quais se associa (idem: 507): «Letras, ciências, costumes, instituições, nada disso é nacional» (Eça de Queirós, Obras, Porto, Lello & Irmão, 1958, vol. II, pág. 1108).

Relativamente ao verso em causa, visto «nem tu» se comportar como aposto ou um parênteses de nada, importa ter em mente a descrição de M.ª H. M. Mateus et al., na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, p. 587) sobre termos coordenados parentéticos em sujeitos compostos:

«Numa coordenação de sintagmas nominais singulares, com a relação gramatical de sujeito, quando o termo coordenado é parentético, a concordância pode fazer-se apenas com o termo coordenado não parentético, como mostra (14):

(14) (a) Ele, e não ela, foi ao brasil este ano.
      (b) O João, e também a Maria, conhece bem S. Paulo.
      {#c|} A Alemanha, ou a França, lidera o mercado europeu nesse sector desde há alguns anos.
&#...

Pergunta:

Sei que já publicaram muitas respostas sobre deícticos... Já as li e continuo sem perceber ao certo o que são os deícticos, como podem ser usados e identificados num texto.

Podem fazer uma explicação mais detalhada sobre este tema?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

No Ciberdúvidas, há várias explicações detalhadas sobre o tema (ver Textos Relacionados). O mais que eu posso fazer é retomar essas respostas e procurar encontrar uma (outra) forma de explicar o que são deícticos. Penso que um bom ponto de partida é a definição dada no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (que regista a variante díctico):

«Palavra cuja significação referencial só pode ser definida em função da situação, do contexto, do locutor e do receptor do acto de fala.»

Em muitas gramáticas é frequente dar como exemplos de deícticos os determinante e pronomes demonstrativos (este, esse, aquele), palavras que só referem realmente alguma coisa quando são interpretadas em função da situação de comunicação e de quem comunica: na frase «esta resposta não é simples», a expressão «esta resposta» refere-se a uma resposta que aqui se expõe, e não a outra.

Outras palavras também têm a mesma propriedade deíctica:

— Os advérbios de lugar aqui, ali, e os advérbios de tempo agora, hoje, ontem, amanhã são também deícticos, porque, quando ocorrem no discurso, indicam posições no espaço e momentos ou segmentos temporais cuja identificação é feita em função dos interlocutores (quem fala), da situação de comunicação por eles instaurada e respectivo contexto.

— Os pronomes pessoais (eu, tu/<...

Pergunta:

Se traduzirmos «take advantage of» por «tirar partido de», «take full advantage of» poderia ser traduzido por:

1. tirar o máximo partido de...

2. tirar o maior partido de...

3. tirar o melhor partido de...

Ou nenhuma destas opções?

Muito obrigada!

Resposta:

As três opções estão gramaticalmente correctas. Nos três casos, marca-se com intensidade a capacidade de saber usufruir de um benefício. Se usar máximo ou maior, a perspectiva é quantitativa; com melhor, a perspectiva é qualitativa. As duas perspectivas não se opõem e são, portanto, legítimas.

Pergunta:

Pela segunda vez venho colocar a questão se violar pertence à família de palavras de violento.

Resposta:

As palavras partilham o mesmo radical, viol-, logo pertencem à mesma família de palavras. Para confirmar essa relação, cito o Dicionário Houaiss, que regista o radical viol- como antepositivo:

«[A]ntepositivo, do v[erbo] lat[ino] violo, as, āvi, ātum, āre, "tratar com violência, violar" — conexo com vis, "força" [...]; presente em port[uguês] em cultismos do sXV em diante, como violabilidade, violação, violador, violar, violatório, violável, violência, violentado, violentador, violentar, violento

Pergunta:

Tiro minhas dúvidas nesta página. Estou em São Paulo, Brasil. Nasci no interior do estado de São Paulo, portanto, muitas palavras usadas pelo povo de minha região trazem ainda usos arcaicos, que estão paradas no tempo. Acho essa particularidade fundamental para uma língua.

Parabéns pelos trabalhos.

Resposta:

Penso que o consulente se quer referir à importância dos arcaísmos no português do Brasil. Obras descritivas têm atribuído aos dialectos brasileiros certos traços conservadores que abrangem o léxico. Pilar Vázquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, na sua Gramática da Língua Portuguesa (tradução portuguesa, Lisboa, Edições 70, 1980, pág. 123), comentam esse aspecto:

«Como todas as línguas transportadas, o português do Brasil oferece larga percentagem de traços arcaicos. Dentro do campo do vocabulário, o número de palavras esquecidas na antiga metrópole e que se mantêm vivas no Brasil é extraordinário. Citemos apenas algumas: faceiro no sentido de "petimetre" [= "peralta"]; físico com o sentido de "médico"; assistir por "residir", "habitar"; reinar na acepção de "fazer travessuras"; função por "baile"; aéreo no sentido de "perplexo", etc.»

Mais adiante, afirmam as mesmas autoras, quando discorrem sobre a história do português do Brasil (idem, págs. 220-221):

«E são numerosos os vocábulos arcaicos — alguns pertencentes inclusivamente ao léxico fundamental do idioma — que persistem na fala das classes humildes da sociedade brasileira como na da portuguesa; despois por depois, entonce por então, polo, pola por pelo, pela, prumode (< loc. arc. "por amor de") "a fim de", fruita, luita por fruta, luta, esprito por