Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que quer dizer «ridendo castigat mores» e qual é a intenção de Gil Vicente a utilizar isto no Auto da Barca do Inferno?

Resposta:

A expressão latina «ridendo castigat mores» — que também ocorre como «castigat ridendo mores» — não foi empregada por Gil Vicente, mas costuma ser citada em estudos sobre este autor, porque define a sua intenção de crítica moral de tipos e grupos sociais quando recorre ao cómico. Segundo o Dicionário de Português Michaelis, a frase significa «corrige os costumes sorrindo» e corresponde ao «[p]rincípio em que se fundamenta a comédia, criado por Jean de Santeul» (1630-1697), poeta francês que escreveu em latim (sobre este autor, ler artigo em francês da Wikipédia).

Pergunta:

Existe alguma abreviatura pré-definida para a palavra assinatura, ou, seguindo as regras de translineação, deverá ser "As." ou "Assi."? E "Ass." como normalmente encontramos nos nossos documentos?

Muito obrigada pela vossa atenção.

Resposta:

A abreviatura ass. está descrita como correspondente a assimilação no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras e no VOLP da Porto Editora. Nestas obras, a abreviatura de assinado é a., que o Dicionário Houaiss também regista: «[a.] abrev. de aceite, 1alfa, alteza, 2alto ('contralto'), aprovado/a(s), assinado/a(s), augusto, austral, autor/a(s).1 Mas a verdade é que, na documentação produzida em Portugal, se observa o emprego recorrente de "ass." como abreviatura de assinado. Porque não aceitá-la, mais a mais que, como abreviatura de assimilação, só ocorre em contextos mais especializados (por exemplo, linguística).2

1 Os algarismos permitem homónimos no dicionário em referência; p. ...

Pergunta:

Sobre a frase «Brinca e serás criança», trata-se de uma frase do tipo declarativo, ou imperativo? Penso que se trate de uma frase declarativa, uma vez que a segunda oração expressa algo sobre a realidade, logo, toda a frase expressa algo sobre a realidade, o que é a definição de frase declarativa. A frase dada é até equivalente a: «Se brincares, serás criança.»

Resposta:

Considero que a frase é ambígua, podendo ser vista quer como frase imperativa quer como frase declarativa. A interpretação feita pelo consulente está correcta, mas outra também me parece legítima e apoia a possibilidade de classificar globalmente a frase como imperativa: «Brinca e sê criança.»

Além disso, é também possível associar diferentes tipos de frase simples na mesma frase complexa, como é o caso, o que nos permite dizer que, em primeiro lugar, temos uma frase imperativa («brinca») ligada por uma estrutura de coordenação a outra frase simples, esta de tipo declarativo («serás criança»).

Pergunta:

Numa acta cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos seja, por exemplo, «Apreciação do comportamento e assiduidade da turma», devo fazer parágrafo quando termino de falar sobre o comportamento, ou, por outro lado, devo debruçar-me sobre todo o ponto sem parágrafos?

A acta deve ou não conter parágrafos?

Obrigada.

Resposta:

A definição dos parágrafos numa acta segue os critérios gerais de uso do parágrafo. Um ponto da ordem de trabalhos pode ser tratado no mesmo parágrafo, mas é também aceitável que se faça parágrafo para os diferentes tópicos que constituem esse ponto. O que quer dizer que, sim, uma acta tem parágrafos.

Pergunta:

Gostaria de saber se o apelido Traquina (família com origem em Évora de Alcobaça, Alcobaça) é de origem portuguesa, ou é apelido italiano tal como "reza" na tradição familiar.

 

Obrigado.

Resposta:

Traquina está registado no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, como apelido com origem numa antiga {#alcunha|apelido} que, por sua vez, tem por base o adjectivo traquina, «pessoa buliçosa, inquieta, travessa». A palavra traquina é variante de traquinas, forma mais usada, que também ocorre como alcunha e apelido (cf. idem).

Observe-se, porém, que nada obsta a que, em certas regiões e famílias, a forma Traquina tenha outra proveniência. É até possível que tenha viajado de Itália, sob essa mesma forma ou sob outra que depois foi deturpada em português. Mas trata-se de uma tarefa de investigação genealógica que já ultrapassa o âmbito de competência do Ciberdúvidas.