Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

[A minha dúvida] diz respeito às realizações do ditongo [ɛj] como em anéis.

Segundo um manual de recente publicação (Manual de Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa de Fails e Clegg publicado em 2021), na supracitada sequência também pode ocorrer a abertura da vogal, resultando em [ɐˈnɐjʃ].

Esta afirmação não se confirma em nenhuma fonte representável sobre a fonética ou fonologia do português de publicação recente que pude consultar [...].

Não tendo encontrado evidências contundentes a este respeito, pergunto-vos, mais uma vez, se a realização de éis como [ɐjʃ] pode ser considerada normativa no português europeu.

Obrigado.

Resposta:

Atualmente, os ditongos finais [ɐj] e [ɛj] tendem a neutralizar o seu contraste em [ɐj], pelo menos, nas variedades do litoral centro-sul de Portugal. Por outras palavras, o plural anéis pode soar "anéis", com "é" aberto, ou "anâis", com ditongo "âi".

Esta oscilação tem registo recente na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 3292).

Sobre [ɛj] > [ɐj], não encontramos doutrina normativa nem antiga nem recente que a censure. As duas pronúncias estão, portanto, corretas.

Pergunta:

Em Figueira de Castelo Rodrigo existe uma serra denominada Serra da Marofa.

O nome suscitou um certo prurido ao pároco local em meados do século passado, motivo pelo qual, de forma autónoma e sem que para tal ocorresse algum referendo, transitou de "Morofa" para "Marofa". Qual a designação correta e já agora a sua origem toponímica. Consta que deriva do árabe "Maroufah" "aquele que segue", fazendo alusão a um ponto de referência geográfico identificável no horizonte. Obrigada!

Resposta:

Pouco há a acrescentar ao que refere o consulente. O topónimo parece árabe por causa do elemento inicial ma – cf. Mafra –, mas de momento não se pode aqui confirmar tal origem, que é a que se encontra no artigo que na Wikipédia se dedica ao nome desta serra (orónimo).

Há, no entanto, um aspeto surpreendente: o de não haver registo do orónimo, seja "Morofa", seja "Marofa", antes do século XIX, nas fontes a que aqui foi possível ter acesso.

Pergunta:

Gostaria de saber qual é o feminino de frei/freire (monge). Será freira (sóror)? E nesse caso freira será também a forma feminina de padre?

Obrigado.

Resposta:

A forma frei usa-se geralmente como título e tratamento: «Frei Lucas de Santa Catarina».

O vocábulo freire é sinónimo de frade, mas este é mais usado que aquele. De qualquer modo, ambas as palavras ocorrem como apelativos, referencialmente, sem funcionarem como títulos: «O Algarve foi conquistado pelos frades/freires da Ordem de Santiago.»

Quando se trata de uma freira, o título e tratamento é irmã, soror ou sóror (plural é sempre sorores): «Bom dia, Irmã Lúcia», «Nunca li as cartas de Soror/Sóror Mariana Alcoforado».

Nem freira, nem soror (ou sóror) são os nomes femininos homólogos de padre, porque este último termo se aplica a um indivíduo que tem geralmente a seu cargo a vida religiosa de uma comunidade muitas vezes não clerical (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Existem, é certo, os termos madre e madre superiora/madre abadessa, mas estes referem-se a cargos desempenhados por mulheres que lideram comunidades de religiosas, ou seja, de freiras (ibidem).

Pergunta:

Estou a fazer uma pesquisa sobre o meu apelido materno Charneco e vejo que em Portugal, para além de ser um apelido, também é usado como alcunha. Gostaria de saber a etimologia ou origem desta palavra.

Muito obrigado

Resposta:

Charneco é apelido português, muitas vezes com origem no uso como alcunha.

É um derivado ou uma conversão do nome comum charneca, que em português significa «terreno pouco fértil onde cresce vegetação rasteira, de tipo arbustivo». É vocábulo que, na toponímia, ocorre sobretudo a sul do rio Mondego e da Serra da Estrela, o que não quer dizer que tenha origem árabe.

É possível que charneco seja uma maneira de dizer que alguém é oriundo de uma aldeia ou vila chamada Charneca. Contudo, pode haver outras razões, o que significa que quem tem o apelido Charneco pode dever essa forma de apelido a razões que variam de família para família.

A etimologia mais remota de charneco é a de charneca, palavra que parece ter-se desenvolvido no sul de Portugal e na Estremadura espanhola, provavelmente no período moçárabe, isto é, entre falantes de latim que viviam nos territórios controlados pelo poder árabo-muçulmano1. Charneca talvez tenha que ver com um termo de origem ibérica ou basca, de acordo com a proposta dos fiólogos espanhóis Coromines e Pascual2: «podria suponerse que del ibero-vasco sarna, *txarna, ‘arena’, viniera un adjetivo charneca, y que de ahí saliera el sustantivo portugués (< terra charneca) y castellano (< planta charneca)». Esclareça-se que se aceita que o espanhol charneca, sinónimo de "lentisco", encontre origem no português, língua onde a forma charneca se atesta desde finais do século XII.

 

1 Ver charneca em Joan Coromines e José Antonio Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico (ve...

Pergunta:

Obrigado pelo excelente site.

Queria saber se me poderiam esclarecer quanto ao significado e origem da palavra "timpeira", muito em voga aqui no Nordeste de Portugal.

É nome de uma zona de Vila Real e também de várias quintas.

Obrigado, Rodrigo Vaz

Resposta:

Nas fontes aqui consultadas, não se encontra explicação para o topónimo em questão.

O único comentário disponível sobre a sua origem, é o de José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico, e resume-se a considerar que o topónimo é de origem obscura: reconhece-se o sufico -eira, frequente na toponímia (sobretudo com nomes relativos à flora e à fauna), mas, sobre o radical timp-, não há informação.