Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a regência do nome compulsão?

Compulsão a/para algo ou em algo?

Segundo o [Dicionário Prático de Regência Nominal de Celso Pedro] Luft , quando o nome pedir complemento, teremos apenas o a ou para. Em muitos dicionários, não achei o em.

Porém... recentemente, observei a seguinte frase: «A compulsão EM procurar não deve se sobrepor [...].»

Desde já, agradeço a enorme atenção.

Resposta:

A palavra compulsão constrói regência com um leque variado de preposições.

As regências recomendadas no dicionário de Celso Pedro Luft são efetivamente as construídas com as preposições a e para, que podem ser seguidas tanto por expressões nominais como por infinitivos.

Contudo, consultando os textos literários que fazem parte do Corpus do Português, de Mark Davies, observa-se que a palavra pode também selecionar a preposição de antes de infinitivo:

(1) «Essa compulsão de falar também tem o seu lado de doação.» (Otto Lara Resende, O Braço Direito, 1963, incluído em )

Outras regências atestadas pelo uso são «compulsão por»  e «compulsão em»:

(2) «compulsão por jogos/compras»

(2) «essa compulsão em fazer figuras tristes» (jornal desportivo Record).

Em conclusão, a opção indiscutivelmente correta é a regista por Celso Pedro Luft. No entanto, a regência com de está longe de incorreta – pelo menos, não está quando se trata de ligar infinitivos. As regências com por e em parecem ter tido menos atenção normativa, mas são, no mínimo, aceitáveis.

Pergunta:

Ao escrever a palavra aventureiro no diminutivo, fi-lo da forma que me parecia mais natural, qual seja, aventureirinho, assim como ocorre com brasileiro → brasileirinho.

No entanto, o corretor ortográfico marcou a palavra como errada, e, diante da dúvida, fiz uma pesquisa na Internet e acabei com ainda mais dúvidas. O site Infopedia.pt indica que o diminutivo correto do termo é aventureirozinho, e o site meudicionario.org indica que é aventureirozito (forma diminutiva mais própria do espanhol).

Então gostaria de saber: qual a forma diminutiva correta da palavra aventureiro? É possível usar "aventureirinho"?

Desde já, muito grato.

Resposta:

Não há qualquer incorreção na forma aventureirinho, tal como não há erro em formas como ferreirinho (← ferreiro) ou dinheirinho (← dinheiro).

Empregam-se como diminutivos todas as formas indicadas na pergunta, podendo os diminutivos formar-se quer com -inho, quer com -zinho. Estes são os sufixos predominantes no Brasil, mas, em Portugal, as formas com -ito e -zito são igualmente correntes. Deste modo, aventureirozito não tem necessariamente de configurar uma forma própria do espanhol.

Note-se que a forma aventureirinho é aceite pela Infopédia, que também regista aventureirito e aventureirozito. O mesmo se verifica no meudicionario.org.

Pergunta:

Gostaria de saber se o nome do famoso personagem do conto infantil, o Barba Azul, se escreve com hífen ou sem hífen.

Uma pesquisa pela net mostra que não parece haver uma regra clara...

Muito obrigado desde já.

Resposta:

No caso do nome próprio, não há de facto ortografia clara.

Há quem escreva com hífen, e há registos sem este sinal. O mesmo acontece, com Barba-Roxa/Barba Roxa, ou, ainda, Barba-Ruiva/Barba Ruiva1.

Quanto ao nome comum composto, não há dúvida, pois escreve-se com hífen: barba-azul2.

Por outras palavras, Barba-Azul é forma correta, atendendo até à forma do nome comum3. No entanto, também se aceita Barba Azul.

 

1 No Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, escreve-se Barba Roxa, sem hífen, mas no Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa (1999), da Academia Brasileira de Letras, hifeniza-se Barba-Roxa e Barba-Ruiva; infere-se, portanto, que Rebelo Gonçalves teria escrito Barba Ruiva sem hífen, se tive registado este nome próprio. Observe-se que os vocabulários ortográficos atualizados não contêm a grafia de nomes próprios, e, sendo assim, convém consultar fontes anteriores à aplicação do Acordo Ortográfico de 1990.

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Pergunta:

Como é que se pronuncia drone?

Resposta:

Em português, a palavra drone não tem uma pronúncia fixa que se considere como mais correta1;

Assim, este empréstimo proveniente do inglês:

– pode pronunciar "droune", aproximando-se da pronúncia inglesa (a qual soa mais ou menos como "drâune");

– pode também ler-se como se escreve, isto, como "drone", a rimar com cone.

O vocábulo drone denomina «uma aeronave não tripulada, com controlo remoto, usada em missões e operações militares» ou «qualquer veículo não tripulado e controlado remotamente, geralmente provido de aparelho para registo e/ou transmissão de imagens» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa).

1 Cf. a duas transcrições fonéticas apresentadas pelo Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa (Porto Editora).

Pergunta:

Estará correto, na despedida de um e-mail, utilizar a frase «espero ouvir de todos em breve» (em português de Portugal)?

Resposta:

Em português de Portugal, pelo menos, é estranho dizer ou escrever «espero ouvir de todos em breve». Uma alternativa correta é «espero notícias de todos», empregando a expressão «ter notícias».

A forma «espero ouvir de todos», que não se aceita, configura um decalque de fórmulas em língua inglesa como «I hope to hear from you soon» ou «I look forward to hearing from you soon». Nestas fórmulas emprega-se o verbo composto1 hear from, que, no contexto da troca de correspondência, se traduz por «ter notícias de (alguém)» em português

Em português, diz-se e escreve-se, portanto, de outra maneira. Por exemplo: «espero ter notícias (suas/tuas) em breve», «aguardo notícias dentro em breve», ou, ainda, «fico a aguardar notícias».

1 No inglês, são frequentes os verbos compostos, ou phrasal verbs, formados por verbo + preposição – é o caso de hear from, que significa «ter notícias de», «ouvir a opinião de (alguém)» e «ter de ouvir alguém (como reprimenda)» – ou de verbo + advérbio – por exemplo, break down, «deitar abaixo», «ultrapassar», «decompor, dividir», «demolir». Estes verbos compostos têm geralmente significados próprios que não se deduzem da simples soma dos significados literais dos seus constituintes; daí que hear from não seja simplesmente «ouvir de», mas «ter notícias», e break down não seja simplesmente «quebrar deitando abaixo» e se use também como o mesmo que «dividir» (mesmo em situações mais abstratas como na divisão de um livro ou relatório em secções). Ver as definições de hear from e break down no Dicionário Infopédia Inglês-Português.