Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Massoterapia é uma palavra portuguesa ou brasileira?

Resposta:

É uma palavra da língua portuguesa.

Em Portugal, parece ter uso recente, mas no Brasil tem registo há mais de duas décadas. Por exemplo, figura no Dicionário Houaiss, com a seguinte definição e análise:

«Substantivo feminino. tratamento terapêutico à base de massagens. Etimologia: masso- + -terapia

A forma masso- baseia-se numa truncação de massagem (mass-) e funciona como radical. De acordo com o referido dicionário, masso- é «antepositivo, da terminologia científica internacional (VCI) por massagem (ver massag-); ocorre nos vocábulos massoterapeuta, massoterapia, massoterápico».

Pergunta:

Qual é a pronúncia correta das palavras encontradas em preces católicas: rogos, gozos, dileto.

Eu digo que é: "rógos", "gózos" e "diléto", mas as pessoas sempre falam "rôgos", "gôzos" e "dilêto".

Será que estou errada?

Muito obrigada.

Resposta:

São palavras cuja pronúncia varia muito regionalmente e até socialmente.

Em todo o caso, pode dizer-se o seguinte:

– O plural de rogo, cujo singular tem o fechado, tem o aberto, o que significa que rogos soa como "rógos". No entanto, muita gente diz o plural com o fechado, o que se aceita.

– O singular de gozo é com o fechado, e o plural de gozos tem também o o fechado e soa como "gôzos".

– O e de dileto é aberto, e, sendo assim, a palavra soa como "diléto", a rimar com direto.

Pergunta:

Não consigo entender o que são a vogal temática e o índice temático.

Já li os powerpoints do meu professor, fiz pesquisas na Internet e consultei o dicionário terminológico.

Peço que alguém me explique da forma mais simples possível, como se estivesse a explicar o conceito a uma criança de cinco anos.

Muito obrigada.

Resposta:

Funcionalmente são afixos muito semelhantes, mas é preciso saber distinguir verbos de nomes (com adjetivos) e ter a noção de que:

– quando falamos de verbos, falamos de vogal temática, e, assim, dizemos que nos verbos cantar, comer e partir, as vogais temáticas são, respetivamente, a (que é a dos verbos terminados em -ar), e (a dos verbos terminados em -er) e i (a dos verbos terminados em -ir);

– quando falamos da maior parte dos nomes e adjetivos, falamos de índice temático, e, assim, dizemos que nas palavras casa, mundo e ponte os índices temáticos são, respetivamente, os afixos -a, -o e -e.

Pergunta:

Um padre informou que pontífice significava que Deus pode ter um pé na Terra e outro no espaço, como uma ponte.

Resposta:

A explicação que lhe foi dada é uma metáfora e faz sentido no contexto de uma prédica. Contudo a verdade histórica não é essa.

Na realidade, a palavra pontífice vem do latim pontifex, que significava «pontífice, sacerdote», e que, mesmo na antiga Roma, se considerava como palavra formada por pons («ponte») e facere (que deu fazer), sugerindo assim que o termo significava aproximadamente o mesmo que «fazedor de pontes». Esta explicação é muito duvidosa.

Com efeito, embora Roma seja vista como a «cidade da Ponte», porque, sendo atravessada pelo rio Tibre, era ponto de ligação entre a Itália do norte e a Itália do sul, a verdade é que os estudiosos da Antiguidade assinalam que a palavra pontifex «designou sempre um membro do principal colégio dos sacerdotes romanos a quem incumbia a fiscalização do culto oficial e público, cujo chefe era o pontìfex maxìmus e em cujas funções não há nada que indique uma relação com pons».

Fonte de informação: Dicionário Houaiss.

Pergunta:

Levar no Brasil pode ter a aceção de «arrastar», no sentido eleitoral, por exemplo, «Washington Luís venceu as eleições, mas não levou».

Há este sentido em Portugal? É legítimo esse uso?

Resposta:

É uso que se atesta raramente ou nunca em Portugal, o que não significa que não seja legítimo. Aliás, nem mesmo mencionar arrastar como sinónimo de levar em alusão a eleições se afigura comum em Portugal.

Levar, na aceção de «ser declarado oficialmente vencedor/vencedora num ato eleitorial», parece ter difusão no português do Brasil, como a seguir se ilustra:

(1) «[...] Hillary Clinton obteve mais votos que Trump [...] [N]o que se refere ao voto popular, Clintou ganhou. Ganhou, mas não levou.» ("Como funcionam as eleições presidenciais nos EUA?", UOL, 03/11/2020)

(2) «Em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre, disse que Aécio Neves teria derrotado Dilma Rousseff em 2014, mas não levou porque a eleição foi fraudada.» ("Nem Aécio acredita que ganhou de Dilma em 2014", Exame, 08/07/2021)

A consulta de páginas da Internet permite até pensar que no discurso jornalístico se fixou a expressão «ganhou mas não levou». Levando a pesquisa mais longe, o Corpus do Português, de Mark Davies, permite considerar que «ganhou mas não levou» é, na prática, uma expressão idiomática do português do Brasil, como se depreende de ocorrências de textos identificados como provenientes do Brasil, em que já se cita a sequência como uma expressão que tem um sentido particular:

(3) «É bem na linha do "ganhou mas não levou", perdeu-se o volante da Mega.»

Contudo, ainda na mesma fonte, deteta-se um exemplo de um texto atribuído a Portugal:

(4) «É o famoso "ganhou mas não levou" de todo ano...