Ainda lendo notícias e comentários sobre a vitória do Sporting Clube de Portugal no campeonato português da Primeira Liga, os olhos passam rápida e distraidamente pela sequência «... Sporting reitera que irá continuar a lutar e a enveredar os seus esforços para...» O leitor até ia desprevenido, mas uma súbita sensação de desarmonia leva-o a voltar atrás, e a releitura não tarda a revelar que o incómodo está numa associação lexical insólita, a do verbo enveredar a esforços.
Na verdade, o verbo enveredar é, sobretudo, um verbo transitivo indireto, isto é, um verbo que seleciona um complemento introduzido por preposição: «envereda-se por bons e maus caminhos», «envereda-se pela vida artística», «envereda-se pelo tema das finanças», «envereda-se para norte» etc., sempre com o verbo acompanhado das preposições por ou para seguidas de expressão nominal que denote ou sugira um percurso, como um dicionário geral pode confirmar (p. ex. o da Academia das Ciências de Lisboa). Enveredar evoca, portanto, trajetos mas não fala do esforço que eles exigem, de acordo, aliás, com a sua formação: é um derivado de vereda, «caminho», palavra bastante antiga na língua, com as variantes vereia e breia, ao que parece com origem em verēda, palavra do latim mais tardio que significa «via, caminho» (cf. Dicionário Houaiss).
Se enveredar ocorre claramente por engano no texto em causa, que verbo se conjuga bem com «esforços»? A resposta é envidar, que tem uma relação muito especial com «esforços», a ponto de «envidar esforços», ou seja, «empenhar-se, concentrar força para atingir um objetivo», funcionar como uma unidade lexical, evidenciando um tipo de solidariedade entre palavras a que se dá o nome de colocação. Acrescente-se que envidar se casa bem com «esforços», pois é um verbo transitivo direto e, portanto, dispensa preposições, e, quanto à sua etimologia, representa o resultado do latim invito, «convidar, fazer vir».
O que se pretendia escrever na notícia era, por conseguinte, «envidar os seus esforços», e não «enveredar os seus esforços». A semelhança dos segmentos iniciais e finais de envidar e enveredar, se não levaram o redator à certa, podem bem ter dado azo a algum tipo de intervenção impensada. E, a vocábulos como estes, que o uso confunde por partilharem sons e sílabas, dá a descrição linguística o nome de parónimos.
Fica assim registado mais um caso de paronímia, que não será dos mais frequentes. Na verdade, consultando listas de parónimos – por exemplo, Mais Pares Dificeis da Língua Portuguesa (2017), de Sandra Duarte Tavares e Sara Almeida Leite –, só envidar se elenca, a fazer par com endividar. Mas no Ciberdúvidas, é erro que tem sido assinalado (ver aqui e aqui).