Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A grafia correta é quatrilhão, ou quadrilhão? São sinônimos?

Resposta:

A palavra em questão tem várias formas, todas legítimas e todas registadas, por exemplo, pelo Dicionário Houaiss: quatrilião, quadrilião, quatrilhão, quadrilhão. De todas estas formas, a mais referida por gramáticas e dicionários é quatrilião.

Cf.  Milhões, Mil milhões, Biliões ou Triliões? Esclareça a confusão!

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra coirmandade existe e se se escreve sem o hífen, de acordo com as novas regras ortográficas.

Obrigada.

Resposta:

Aceita-se a palavra coirmandade como o mesmo que geminação, em referência a um acordo de cooperação entre duas cidades. A palavra não apresenta hífen, tal como não tem agora a palavra coirmão, no contexto do novo acordo ortográfico.

Pergunta:

A respeito das perguntas Os ditongos 'ou' e 'oi' e Ouro e oiro,  ser-vos-ia possível aprofundarem (há fontes?) essa «pronúncia particular dos judeus»? Neste contexto, que validade científica têm as palavras do gramático:

«Em quanto á substituição de i por u; v. g. em dois, oiro, por dous, ouro, ou coisa, loiro, por cousa, louro, não ha razão para preferir o u, visto ser o i conforme á pronunciação moderna, e existir no latim a substituição inversa, sendo constante que os antigos Romanos escrevião optumus, maxumus, antes de terem escripto optimus, maximus. Alem do que, muitas das palavras que os nossos antigos escrevião por ou, e que hoje se pronuncião geralmente oi, já estão mui torcidas dos radicaes latinos; v. g. ouro de aurum, louro de laurus, dous de duo.

Cousa não deriva immediatamente do latim. He pois licito escrever cousa ou coisa, dous ou dois, etc. Em muitas palavras oi corresponde melhor ao radical latino; v. g. coiro de corium, por transposição de letras.»

Francisco Solano Constancio (1831), Grammatica analytica da lingua portugueza, pp. 237-238.

Resposta:

A troca de ou por oi – ou, por outra, em transcrição fonética, a troca de [ow] por [oj] – tem sido efetivamente atribuída à influência do falar da antiga comunidade judaica em Portugal. Por exemplo, é um dos traços mais característicos das personagens que representam os Judeus nas peças do dramaturgo português Gil Vicente (c. 1465-c. 1536). Contudo, Paul Teyssier, em A Língua de Gil Vicente (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, págs. 235-268), registando embora essa permuta como traço caracterizador dos Judeus, enquanto personagens do teatro vicentino, considera que não foi este grupo o difusor dessa inovação fonética (mantém-se a grafia da obra consultada):

«O "oi dos Judeus" é [...] a primeira manifestação de uma tendência muito geral que se encontra em seguida em alguns falares regionais e, em menor grau, na própria língua comum. Esta tendência geral é, por seu lado, um caso particular de um fenómeno fonético ainda mais geral que consiste em transformar os ditongos com -u em ditongos com -i, cf. multu- > muito. [...] [O] fenómeno ou > oi de que os Judeus nos fornecem o mais antigo testemunho é mais poderoso e geral. Trata-se de uma verdadeira vaga de fundo que, a pouco e pouco, vai alcançar toda a língua. Sob o ponto de vista fonético, ou > oi [...] é uma diferenciação. No ditongo ou, o elemento vocálico inicial e o elemento vocálico final estão extremamente próximos um do outro e tendem portanto a aproximar-se ainda mais por assimilação e a fundir-se numa vogal única (o fechado). Hoje, é este o ponto de chegada normal de ou, em toda a metade sul de Portugal e no Brasil. A diferenciação ou > oi é um modo de lutar contra esta tendência, um modo de salvar o ditongo. Consiste, de facto, em s...

Pergunta:

Devo dizer: «meu amigo apresentou-me-lhe», ou antes «meu amigo apresentou-me a ele»?

Resposta:

Deve dizer/escrever «o meu amigo apresentou-me a ele».

A ocorrência das formas átonas de complemento direto me, te, nos e vos é incompatível com a posposição de outras formas átonas, conforme observam Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 309). É, portanto, necessário usar as formas preposicionadas do complemento indireto depois dos referidos pronomes átonos quando estes têm a função de complemento direto. Não confundir este caso com o uso das mesmas formas, mas com função sintática diferente, a de complemento indireto; neste caso, é possível associá-las com pronomes de complemento direto: «apresentou-me/te/nos/vos a namorada» → «apresentou-ma/ta/no-la/vo-la».

Pergunta:

Os vocábulos bipartidismo e bipartidarismo, que vejo serem usados na imprensa quase indiferentemente, são mesmo sinónimos, ou designam conceitos diferentes?

Resposta:

Os dicionários consultados não chegam a acordo quanto a bipartidarismo e bipartidismo serem sinónimos ou não.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista as duas palavras como sinónimos, atribuindo-lhes um significado comum: «organização da vida política de um Estado em função de dois partidos ou de duas coligações de partidos que alternam no Poder. Definição semelhante oferece o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, que acolhe apenas bipartidarismo: «situação política de um Estado onde só existem ou só têm importância dois partidos políticos» (ver também o Dicionário Houaiss). Contudo, o dicionário da Porto Editora (disponível na Infopédia) faz distinção: bipartidismo é uma «forma de governo caracterizada pela associação de dois partidos»; e bipartidarismo é um «sistema que se caracteriza pela relevância de dois partidos». Ou seja, no dicionário da Porto Editora, parece aplicar-se bipartidismo a um governo de coligação, enquanto bipartidarismo se refere à alternância de dois partidos no governo (quando um está no executivo, não está o outro). Na comunicação social, há oscilações, mas não parece haver clara destrinça entre as palavras, pelo que se pode dizer que são mesmo empregadas como sinónimos (consultar o blogue O Linguagista).

Note-se que as formas sem o sufixo bi- partidarismo e partidismo – estão registadas com a mesma aceção, por exemplo, no Grande Dicionário da L...