Pergunta:
«(...) A palavra migratório está indevidamente usada. A maioria das pessoas que está a chegar [à Europa] são pessoas que fogem aos conflitos, à guerra. Estamos, de facto, perante uma crise que é, essencialmente, uma crise de refugiados, e não uma crise migratória. No caso italiano, haverá 50/50 das duas situações: migração económica e perseguição política ou fuga ao conflito. Mas, do lado grego, que é o que agora importa, a esmagadora maioria, mais de 80%, são pessoas a fugirem de situações de conflito absolutamente dramáticas, a tentarem salvar as suas vidas e a tentarem reconstruir o seu futuro» [António Guterres, alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, em entrevista à Rádio Renascença].
Havendo no Ciberdúvidas vários esclarecimento sobre a diferença entre emigrante e imigrante, a verdade é que em nenhum deles se faz a distinção do termo migrante. Pergunto por isso: há razão nesta chamada de atenção de António Guterres? Trata-se de mais uma impropriedade semântica, tão comum na comunicação social portuguesa, como são os casos "perdidos" das tragédias que passaram a ser «humanitárias» e os dias de sol tornados «solarengos», por exemplo?
Os meus agradecimentos.
Resposta:
O que António Guterres diz prende-se com uma distinção conceptual que tem implicações jurídicas e políticas, porque classificar um indivíduo como simples migrante (ou imigrante, do ponto de vista dos países de chegada) não obriga a acionar os mesmos mecanismos legais e políticos que decorrem de considerá-lo como refugiado. Por outras palavras, a quem foge a um conflito, deve aplicar-se o termo refugiado, e não migrante; portanto, o agravamento, sobretudo no verão de 2015, da situação criada na Europa com a chegada maciça de pessoas que fogem da guerra na Síria e no Iraque configura não uma «crise migratória» mas, sim, uma «crise de refugiados». É esta a perspetiva semântica e referencialmente adequada, tanto do ponto de vista da língua corrente como no plano da terminologia usada no direito internacional, conforme se explica em seguida.
Aprofundando um pouco mais as vertentes linguísticas do problema:
1 – O caso apresentado tem semelhanças, mas não é exatamente do tipo em que se incluem os usos impróprios de humanitário e solarengo. Nestes dois casos (que também não são exatamente do mesmo subtipo), verifica-se que os adjetivos se associam indevidamente a substantivos...