Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Devo dizer: «meu amigo apresentou-me-lhe», ou antes «meu amigo apresentou-me a ele»?

Resposta:

Deve dizer/escrever «o meu amigo apresentou-me a ele».

A ocorrência das formas átonas de complemento direto me, te, nos e vos é incompatível com a posposição de outras formas átonas, conforme observam Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 309). É, portanto, necessário usar as formas preposicionadas do complemento indireto depois dos referidos pronomes átonos quando estes têm a função de complemento direto. Não confundir este caso com o uso das mesmas formas, mas com função sintática diferente, a de complemento indireto; neste caso, é possível associá-las com pronomes de complemento direto: «apresentou-me/te/nos/vos a namorada» → «apresentou-ma/ta/no-la/vo-la».

Pergunta:

Os vocábulos bipartidismo e bipartidarismo, que vejo serem usados na imprensa quase indiferentemente, são mesmo sinónimos, ou designam conceitos diferentes?

Resposta:

Os dicionários consultados não chegam a acordo quanto a bipartidarismo e bipartidismo serem sinónimos ou não.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista as duas palavras como sinónimos, atribuindo-lhes um significado comum: «organização da vida política de um Estado em função de dois partidos ou de duas coligações de partidos que alternam no Poder. Definição semelhante oferece o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, que acolhe apenas bipartidarismo: «situação política de um Estado onde só existem ou só têm importância dois partidos políticos» (ver também o Dicionário Houaiss). Contudo, o dicionário da Porto Editora (disponível na Infopédia) faz distinção: bipartidismo é uma «forma de governo caracterizada pela associação de dois partidos»; e bipartidarismo é um «sistema que se caracteriza pela relevância de dois partidos». Ou seja, no dicionário da Porto Editora, parece aplicar-se bipartidismo a um governo de coligação, enquanto bipartidarismo se refere à alternância de dois partidos no governo (quando um está no executivo, não está o outro). Na comunicação social, há oscilações, mas não parece haver clara destrinça entre as palavras, pelo que se pode dizer que são mesmo empregadas como sinónimos (consultar o blogue O Linguagista).

Note-se que as formas sem o sufixo bi- partidarismo e partidismo – estão registadas com a mesma aceção, por exemplo, no Grande Dicionário da L...

Pergunta:

Qual a forma correta para designar o penteado: "rabo-de-cavalo", ou "rabo de cavalo"?

Resposta:

Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, a palavra escreve-se atualmente sem hífenes, se se referir a um penteado («rabo de cavalo»), mas emprega-se rabo-de-cavalo, para designar diferentes espécies botânicas (ver Infopédia). Antes da nova ortografia, deveria escrever-se com hífenes (rabo-de-cavalo), mas é preciso notar que, em Portugal, a palavra não está atestada nos vocabulários ortográficos mais antigos (refiro-me ao de 1940 e ao de Rebelo Gonçalves, publicado em 1966). Um vocabulário ortográfico mais tardio, o de José Pedro Machado, e o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001) acolhem a forma rabo-de-cavalo, como designação quer de um penteado quer de uma planta. Mas trata-se de fontes anteriores à aplicação do novo acordo.

Pergunta:

Após ter consultado vários dicionários (e verificado se haveria alguma resposta à minha questão no Ciberdúvidas), persiste a dúvida. O termo amálgama aparece, em vários dicionários, como tendo dois géneros (já em francês é masculino.) Contudo, em nenhum consegui perceber em que casos se aplica um género ou outro. Confrontei-me com esta dúvida ao ler um artigo de 1939 que refere que «A chamada literatura feminina [...] é no seu conjunto um amálgama de banalidades romantizadas.»

Resposta:

O uso mais antigo da palavra amálgama atribui-lhe o género masculino, o que significa que, de um ponto de vista normativo mais conservador, se pode considerar que o emprego correto é «o amálgama». No entanto, atualmente, aceita-se o emprego da palavra no feminino e pode até dizer-se que esta tendência se expandiu, de tal modo, que hoje amálgama é substantivo que ocorre corretamente quer no género masculino quer no género feminino. Aliás, os dicionários consultados, portugueses e brasileiros, atribuem-lhe os dois géneros, sem indicação de haver contraste semântico entre ambos os usos (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, dicionário da Porto Editora, Dicionário Aurélio, Dicionário Houaiss).

Ainda a propósito de amálgama como substantivo do género masculino, observe-se que é mais frequente este uso em textos do século XIX e da primeira metade do século XX. Com efeito, no Corpus do Português amálgama conta 42 ocorrências com género identificado, ficando o feminino em minoria com 18 ocorrências. Pela análise destes dados, não é possível distinguir contraste semântico entre o uso no masculino e o uso no feminino.

Acrescente-se que, em 1940, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registava a palavra apenas no género feminino. Mas tarde, nos finais dos anos 50 do século passado, um gramático normativista, Vasco Botelho de Amaral, no seu Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, continuava a condenar a atribuição do género feminino a amálgama: «Esta palavra no grego (malagata) é masculina. É erro, pois, escrever ou dizer-se: a amálgama. Correto: o amálgama.

Pergunta:

No Ceará existe uma localidade cuja denominação é Arneiroz. Sei que em Portugal há um lugar chamado Arneirós. Minha dúvida consiste na maneira como se grafa o topônimo aqui no Brasil. Justifica-se o uso do zê em vez do esse?

Muito grato.

Resposta:

Se é verdade que Arneiroz é a transposição do topónimo português Arneirós , então o topónimo brasileiro deveria apresentar a mesma grafia que o topónimo português, porque se trata de nome próprio derivado do latim *ARENARIOLAS (diminutivo de ARENARIA, «areeiro»; o * indica que é forma não atestada), étimo que exibe um s final que a ortografia do português conserva (ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Infopédia e portal da Câmara Municipal de Lamego). No entanto, é sabido que no Brasil se tem adotado um critério – enunciado no antigo Formulário Ortográfico de 1943 – que permite que certas grafias se mantenham quando têm tradição. É o caso de Bahia e muito provavelmente do topónimo em questão, Arneiroz. Trata-se, portanto, de um topónimo cuja grafia parece requerer o parecer das entidades que, no Brasil, intervêm em matéria de normalização linguística.