Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação a acentuação da palavra "versus". Segundo o dicionário, a palavra não possui acento. Contudo por ser uma palavra paroxítona terminada em "us", a ainda não ferir a nenhuma exceção das novas regras de acentuação, "versus" não deveria ter acento como se segue: "vérsus"?

Resposta:

A palavra é latina e, como tal, usa-se em itálico. Por essa razão não tem de seguir a ortografia do português e deve escrever-se versus.

Pergunta:

Gostava de pedir a vossa opinião sobre a omissão do pronome pessoal vós, e daí a segunda pessoa do plural dos verbos, em livros gramaticais da língua portuguesa. Dado que em partes de Portugal esta pessoa do verbo é ainda muito usada, qual será a razão porque alguns autores insistem em excluir parte do povo português, das regras da nossa língua.

Resposta:

As gramáticas de referência  – por exemplo, Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984; Eduadro B. Piava Raposo e outros, Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 897 – incluem quer o pronome vós quer as formas correspondentes da flexão verbal. Não se verifica, portanto, a exclusão de tais formas da descrição linguística nem da exposição das regras gramaticais.

O que parece estar em causa é, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, tais obras anotarem que vós não é usado na norma-padrão do português, subsistindo porém no uso dos falares portugueses sobretudo do interior norte e centro. Este aspeto decorre do facto de a norma-padrão ser baseada nos falares urbanos e cultos  de Lisboa e Coimbra (hoje, cada vez vez mais Lisboa e grande parte do litoral, e talvez menos Coimbra), nos quais não ocorre vós (a não ser em certos registos, como no discurso de caráter religioso: «Pai nosso, que estais no céu...», como se diz na versão portuguesa do Padre-Nosso). Esta é a modalidade linguística da administração; no ensino, no contexto do português como língua estrangeira, é também a forma que costuma ser transmitida, o que não impede que os professores possam trabalhar tal uso com os seus alunos. Em Portugal, tem toda a legitimidade manter-se no ensino tais formas, sobretudo entre alunos que tenham um falar regional em que perdurem  vós e a respetiva flexão.

Pergunta:

Qual a maneira correcta: «praia da Parede», ou «praia de Parede»?

Resposta:

Quem viva na região de Lisboa sabe que o topónimo em apreço ocorre com artigo definido: «mora na Parede». Também assim o atesta uma página do sítio da junta de freguesia desta vila: «A Parede está integrada no concelho de Cascais, no distrito de Lisboa e na província da Estremadura.» Tendo em conta que Parede tem origem num substantivo concreto, parede, compreende-se a presença do artigo definido, e, portanto, recomenda-se a sequência «a praia da Parede».

Contudo, é importante ressalvar que nem sempre os topónimos com origem em substantivos concretos se empregam com artigo definido (cf. «moro na Figueira da Foz» vs. «dormi em Figueira de Castelo Rodrigo»). Além disso, em certas denominações oficiais, acontece que se suprime frequntemente o artigo definido, talvez para dar maior formalidade. É o que acontece exatamente na página da fonte atrás mencionada: «A freguesia de Parede é uma das seis que compõem o concelho de Cascais [...].» Este uso confere um tom afetado à expressão, pelo que dizer «a praia de Parede» acaba por soar pouco natural.

Pergunta:

Ouvi dizer isto num documentário, mas não é a primeira vez que me deparo com casos semelhantes:

«Nessa altura ela (subentende-se que estão a falar de uma igreja) foi construída para homenagear o santo padroeiro.»

Queria saber se aqui é correto usar o pronome pessoal para fazer referência a um objeto e não, como eu esperaria que fosse, esta, isto é, um pronome demonstrativo. Este é um caso que já observei ser de uso comum no Brasil, mas nem tanto em Portugal, e queria saber se poderia ser uma questão de influência e se, como referi, é correto.

Muito obrigada.

Resposta:

Seria necessário ter acesso ao contexto mais alargado da frase, para emitir um juízo com margem de segurança e confirmar que esta seria uma ocorrência mais correta ou estilisticamente mais adequada no português de Portugal.

Muitas vezes, este ou outro pronome demonstrativo pode revelar-se muito vago e gerar dificuldades na coesão textual. Por exemplo:

1 – A Igreja de Nossa Senhora das Neves é um monumento que data provavelmente dos tempos de Afonso III das Astúrias, quando em 872 o seu exército se aventurou pelos confins das Beiras. Nessa altura, ?esta/?aquela/OK ela foi construída para homenagear o santo padroeiro...

Em 1, a expressão «a igreja...» está demasiado afastada de esta, para tornar aceitável a ocorrência deste demonstrativo. Também o emprego de aquela torna a ligação semântica da sequência pouco natural, porque este demonstrativo costuma aparecer em correlação com este (exemplo: «Visitei uma igreja em Soure e uma capela em Tentúgal: esta estava fechada, mas aquela estava aberta ao público»). O pronome ela acaba por ser uma boa opção para retomar anaforicamente «a igreja...».

De qualquer modo, em Portugal, é opinião que o emprego do pronome sujeito de 3.ª pessoa do singular em referência a coisas se deve evitar – embora não seja impossível tal uso, conforme se observa na Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 910):

«Os pronomes pessoais de 3.ª pessoa nominativos (com a função de sujeito), dativos (com a função de complemento indireto), oblíquos (com a função de complemento de uma preposição) e possessivos (com a função de complemento ou modificador de um nome) são usados sobretudo para designar seres hu...

Pergunta:

Depois do acordo ortográfico, "primeira-dama" com hífen? "Sub-império"? "Semiescravo"? "Primeiro-ministro"?

Muito obrigada.

Resposta:

A palavra primeira-dama não sofreu nenhuma alteração com a a aplicação do Acordo Ortográfico, ou seja, escrevia-se e escreve-se com hífen.  O mesmo se diga acerca de primeiro-ministro:: os compostos de numeral ou adjetivo  + substantivo, como é o caso, se tinham hífen, mantêm-no. Quanto aos outros casos: subimpério não se hifeniza, porque o prefixo sub- se liga sem hífen a palavra prefixada que comece por vogal (cf. subimbrical); e semiescravo também se escreve sem hífen (cf. semiespecializado), a não ser que o prefixo seja seguido de palavra começada por i (semi-interno) ou h (semi-humano).

Sobre o uso do hífen em compostos e palavras prefixados, ver os Textos Relacionados (na coluna do lado direito) e, ainda, as Bases XV e XVI do Acordo Ortográfico de 1990 (sobre o hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares e