Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvi recentemente alguém chamar "pombeiro" a um pombal. Mas alguns dicionários que consultei apresentam estas palavras como tendo significados muito diferentes. Surgiu-me, portanto, a seguinte dúvida: pode-se, em algum caso, atribuir a designação "pombeiro" a um pombal?

Resposta:

Nos dicionários gerais e especializados a que temos acesso, não se regista pombeiro como sinónimo de pombal. No entanto, em galego, regista-se pombeiro como uma variante de pombal (que tem o mesmo sentido que a palavra portuguesa correspondente) ou como designação de um subtipo de pombal. Note ainda que, na toponímia, se acha a forma Pombeiro, tanto em Portugal como na Galiza, a qual é plausivelmente o mesmo que «lugar onde existem pombos». Seja como for, não sendo de excluir que pombeiro, na aceção de «pombal», ocorra dialetalmente em Portugal, a verdade é que não se atesta tal uso nas fontes que consultámos.

Diga-se que a forma pombeiro, em português, se encontra dicionarizada com outros significados, conforme define, por exemplo, Dicionário Houaiss: «substantivo masculino 1 Regionalismo: Brasil.vendedor ambulante de pombos, aves de capoeira etc. 2 Rubrica: angiospermas. m.q. baga-de-tucano (Citharexylum myrianthum) n adjetivo e substantivo masculino (1899) Rubrica: agricultura. 3 diz-se de ou variedade de milho branco.»

Também pode ser um homónimo do vocábulo a que se faz referência, nada tendo que ver historicamente com a palavra pombo, segundo a mesma fonte: «substantivo masculino Rubrica: história. Regionalismo: Brasil. 1 comerciante ou preposto seu que se embrenhava pelo interior da África a fim de trazer informações para os traficantes ou para negociar pessoalmente escravos 2 [...] vendedor ambulante que comerciava pelo sertão do Brasil com os indígenas 3 indivíduo que se embrenhava pelo interior do Brasil na pista de criminosos, trabalhando como informante da força pública; 3.1 olheiro da polícia. [...] Etimologia: orig[em] c...

Pergunta:

"É-mo" e "Foi-mo" são corretos, se o o em mo representar um adjetivo? Eu sei que são corretos se o o representar um substantivo, mas tenho dúvida se pode de igual modo representar um adjetivo. Exemplos: «A aula é difícil para ti? – É-mo, sim!» (= «É-me difícil, sim!»); «A aula foi difícil para ti? – Foi-mo, e de que maneira!» (= «Foi-me difícil, e de que maneira!»).

Resposta:

Teoricamente pode prever-se a ocorrência das contrações de pronomes mo e to no contexto em questão. Além disso, não parece existir doutrina normativa que as condene quando o pronome o que elas encerram retoma um predicativo do sujeito. Contudo, não se pode dizer que, nessa situação, se usem ou até que estejam corretas.

É preciso observar que o nesse tipo de contexto se comporta como um demonstrativo equivalente a isso e remete para elementos do enunciado – como o complemento direto  – que pode ser uma oração, como em 1 –  ou o predicativo do sujeito, à semelhança de 2:

1. «O João afirma que há extraterrestres, e o Gustavo também o diz.»

2. «O João é um extraterrestre, e o Gustavo também o é.»

No entanto, quando se trata de retomar um predicativo do sujeito, como acontece em 2, e associar os pronomes pessoais de complemento indireto (me, te, lhe, nos, vos, lhes) ao pronome em apreço, a verdade é que, intuitivamente, achamos que tal contração tem alguma dificuldade em ser aceite, sobretudo se envolver o pronome de 2.ª pessoa do singular:

3. – Achas que me foi difícil partir?

– Acho que sim, ?foi-to.

Observa-se, assim, que "foi-to" é um uso muito pouco habitual, se não mesmo estranho. As referidas contrações com o demonstrativo são, portanto, problemáticas quando este pronome é um predicativo do sujeito, e afiguram-se arredadas do uso, sendo, p...

Pergunta:

Desejava saber a tradução em português do termo «sea spray» fenómeno natural em que gotículas se desprendem das ondas do mar e são transportadas pela acção do vento? A Wikipedia remete-nos para os termos maresia, ressalga e/ou «rocio do mar» essas definições parecem-me pouco rigorosas...

Agradeço desde já o vosso parecer e esclarecimento.

Resposta:

Não conhecemos palavras ou expressões que sejam exatamente equivalentes à expressão mencionada. Literalmente, «sea spray» é «água do mar pulverizada» ou «água do mar vaporizada». No entanto, o Oxford Portuguese Dictionary, traduz spray por salpico e borrifo, em referência à água em geral; quando se trata do mar, a mesma fonte regista «borrifo de espuma» (depreende-se «do mar»). Sendo assim, parece-nos que uma solução possível é empregar salpicos ou borrifos, depreendendo-se contextualmente «de água do mar», tendo as palavras por referente essas gotas ou esse efeito de pulverização ou de vaporização da água do mar. Outra possibilidade, é o uso de espuma, embora esta palavra remeta para um efeito produzido em meio líquido e não evoque a dispersão no ar associada a spray. Há quem proponha maresia, mas este termo refere-se apenas ao cheiro que se desprende quando a maré está baixa.

Pergunta:

Como traduzir o termo dedifferentiation («the loss of specialization in form or function»)*?

Obrigada.

* A perda da especialização formal ou funcional.

Resposta:

Apesar de não se encontrar nos dicionários gerais, estão de acordo com os modelos de boa formação de palavras os vocábulos derivados desdiferenciar e desdiferenciação, que, aliás, já ocorrem em artigos especializados, como atestam as seguintes ocorrências num artigo do especialista em biotecnologia Pedro Fevereiro (Reprogramação: o 'Eldorado' da medicina regenerativa?), publicado no portal da Ordem dos Biólogos:

«(i) Encontram-se em estudo três possíveis vias para a indução da reprogramação nuclear: [...] 3) a aplicação de extractos de ovócitos, células estaminais ou outras para desdiferenciar as células somáticas.»

«(ii) Em alguns vertebrados, como as salamandras, células estaminais novas são criadas através de um processo de desdiferenciação, no qual as células já diferenciadas podem reverter o seu desenvolvimento e tornarem-se de novo pluripotentes.»

Pergunta:

Pontos nos "is", como sempre vejo escrito nos jornais (caso do Público de 18/08/2015, referindo-se a um post de António Costa no seu Facebook assim mesmo intitulado, a seguir ao debate com Pedro Passos Coelho na rádio), ou pontos nos  "ii", como apanhei num texto do Ciberdúvidas, mas sem qualquer esclarecimento deste tipo de plurais? E porquê, e onde posso documentar-me? Agradeço o esclarecimento (já agora extensível a plurais similares, que envolvam letras).

Resposta:

O nome da letra i é i, cujo plural se grafa is ou ii (de uma maneira ou de outra, a pronúncia é sempre "is"); portanto, deve escrever-se «pôr os pontos nos is» ou «pôr os pontos nos ii» (nunca "iis" – cf. artigo no blogue Linguagista).

Sobre a grafia do plural dos nomes das letras, cumpre fazer dois comentários :

1– A expressão idiomática em questão poderá ter como formas «pôr os pontos nos is» e «ter os pontos nos ii» (no sentido de «esclarecer bem as coisas». Porém, parece que na escrita se generalizou a forma com ii – «pontos nos ii» –, como confirma a consulta de diferentes dicionários, em que o respetivo registo é sempre feito com a forma de plural ii, conforme se apresenta adiante:

– Nos dicionários gerais, como subentrada de ponto: Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (na Infopédia, consultada em 19/09/2015): «pôr os pontos nos ii 1. falar ou expor sem subterfúgios; 2. pôr tudo em pratos limpos»; Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (consultado em 19/09/2015): «pôr os pontos nos ii • Dizer as coisas claramente, sem reticências. = CLARIFICAR, ESCLARECER».

– Nos dicionários de expressões idiomáticas, com entrada própria: Énio Ramalho,