Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a razão do acento agudo em período. A palavra seria proparoxítona se houvesse um hiato, mas ela é pronunciada com ditongo: "pe-rio-do", e não "pe-rí-o-do".

Obrigado.

Resposta:

O que nos refere é verdade do ponto de vista do uso, mas, dentro da tradição normativa, considera-se que a pronúncia correta é pe.rí.o.do, ou seja, a palavra tem quatro sílabas e um acento tónico que recai na antepenúltima sílaba. Sendo assim, trata-se de uma proparoxítona e, como tal, é necessário acento agudo.

Pergunta:

Gostaria de saber a forma correta da seguinte expressão: «de uma ponta a outra», ou «de uma ponta à outra»?

Obrigado.

Resposta:

É mais comum «de uma ponta à outra». No entanto, é difícil decidir qual é a grafia mais correta, porque, no discurso normal, as duas sequências são homófonas (têm a mesma fonética), ambas soando como «dumapontàôtra». Do ponto de vista semântico, as duas sequências podem afigurar-se legítimas na escrita: «de uma ponta a outra» tem a sem acento, seguindo uma expressão semanticamente equivalente, «de ponta a ponta» (e não «de ponta à ponta»); «de uma ponta à outra» exibe à (contração da preposição a com o artigo definido a – crase, como é vulgar no Brasil), evocando «de uma ponta até à outra», que,-pela intuição que advém da experiência do uso linguístico, não costuma ocorrer na variante «de uma ponta até "a" outra» (embora não pareça impossível «de uma ponta até outra», sem a preposição a). Em suma, as duas grafias são defensáveis. No entanto, a expressão que apresenta à tem o favor do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; noutras fontes, não a encontro atestada, assim como não acho a forma alternativa, com a sem acento. Apesar de tudo, sugiro que «de uma ponta à outra» é a forma mais corrente de escrever a expressão, o que me leva a recomendá-la.

<i>Frente a frente</i>: ortografia, morfologia<br> e um pouco de história recente

Em Portugal, com as eleições legislativas no horizonte (em 4 de outubro de 2015), é manifesta a hesitação dos media na grafia de frente a frente, quando pretendem fazer referência aos debates televisivos a dois da campanha eleitoral. Convém, portanto, referir que, no quadro do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO), a locução escreve-se sem hífen. Mais controverso é o respetivo plural.

Pergunta:

Qual é a origem da expressão «Vá, gira!» – como se explica que tenhamos o verbo ir na forma imperativa formal e o verbo girar na forma imperativa informal?

Desde já, muito obrigada.

Resposta:

A expressão não é dirigida diretamente ao destinatário da frase imperativa apresentada. É antes uma exclamação usada como interjeição para «encorajar ou ameaçar», conforme se descreve no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa converge com esta classificação, quando regista em entrada própria e lhe dá a seguinte descrição: «(forma do verbo ir) interjeição. Exclamação usada para encorajamento ou incentivo (ex.: "vá, vamos embora")». Por outras palavras, é frequentemente a forma imperativa formal de ir, e ocorre efetivamente assim numa frase como «vá para fora cá dentro»; contudo, hoje usa-se muitas vezes como interjeição, perdendo o valor gramatical original.

Acrescente-se que girar, na linguagem familiar de Portugal, pode significar «abandonar rapidamente um dado local», sendo, portanto, sinónimo de verbos como desaparecer e retirar-se (informação do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, que dá também as seguintes abonações: «Ao vê-lo, girou logo dali»; «Gira daqui, já te disse!»).

Cf. Interjeição

Pergunta:

Qual das seguintes formas está correta?

«Após a minha interpelação DOS alunos», ou «após a minha interpelação AOS alunos»?

Obrigado.

Resposta:

A forma correta é «a minha interpelação aos alunos».

Quando se trata do complemento que se refere ao destinatário da interpelação, recomenda-se a preposição a, como se atesta, por exemplo, na obra do escritor português Júlio Dinis, autor clássico do século XIX:

1 – «[...] pelas razões que o leitor já sabe e inda mais depois do malogro da interpelação ao missionário, não olhava com bons olhos para este [...].» (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, 1869, in Corpus do Português).

Também no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa se abona esta regência entre os usos do substantivo interpelação:

2 – «O seu partido vai fazer na Assembleia uma interpelação ao Governo sobre o consumo de droga.»