Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Num documento de 1728, do Mosteiro de Cabeceiras de Basto, referente a obras efectuadas, lê-se o seguinte:

«Venceram-se as dificuldades que se representavam de se achar água em parte conveniente para o claustro e limpeza da cozinha com duas graves fontes, que com custo, trabalho e perigo se abriram, uma em a cerca da recochina em tanta abundância que recolhida a cerca da horta onde fica já encanada, se pode levar para a sacristia deixando alguma para regar as hortas.»

Qual o significado de “recochina”?

Muito obrigado pela vossa atenção!

Resposta:

É difícil reunir elementos que esclareçam cabalmente a origem e o significado de "recochina". Mesmo assim, encontram-se algumas pistas:

– Em Portugal continental, identificam-se alguns topónimos com a forma Recochina, dispersos atualmente entre o Alentejo e o vale do Douro, conforme evidencia uma consulta do visualizador de informação geográfica do Centro de Informação Geoespacial do Exército IgeoE-SIG. Além disso, uma tese de doutoramento – Toponímia moçárabe no antigo condado de Coimbra, datada de 2005 e da autoria de Maria Luísa Azevedo – regista não só a referida forma toponímica, mas também uma variante, Reconchina (p. 437).

– No léxico comum, documenta-se o uso regional de recochino e recochina (pronunciados com e átono aberto: "rècochino/a") num estudo elaborado nos anos 20 do século passado e dedicado ao falar de Ervedosa do Douro (Revista Lusitana, vol. XXVII, p. 128). O significado que nesta fonte se atribui à palavra é «muito porco», sobretudo em referências às crianças. Recochino seria a aglutinação da sequência «reco cochino» (reco, «porco» + cochino, «porco», «sujo«), com perda de uma das sílaba com a forma co (haplologia).

A conclusão a retirar destas informações só pode ser...

Pergunta:

[Nos comentários a um artigo num blogue], estamos a discutir qual a forma correta «leite em pó desnatado», ou «leite desnatado em pó»? «Leite em pó» é um substantivo, e magro, o adjetivo que o classifica? Qual é a forma correta? Ou serão as duas corretas?

Resposta:

Não parece haver uma resposta inequívoca a esta pergunta, porque é difícil:

a) definir uma hierarquia semântica entre os classificadores (o particípio adjetival desnatado e o sintagma preposicional «em pó»);

b) identificar qual é o que está mais fortemente associado ao substantivo, de tal modo, que se possa afirmar que uma das sequências (substantivo + adjetivo – «leite desnatado» – ou adjetivo + sintagma preposicional – «leite em pó») forma uma unidade lexical (há autores que chamam a este tipo associações «combinatórias fixas» – cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, p. XXI –, outros, «unidades multilexicais» – cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1069).

Casos como este, em que não é possível definir qual é o constituinte proeminente, estão descritos na Gramática do Português (p. 1462):

«À falta de proeminência de uma subclasse [de classificadores] em relação a outra, aspetos pragmáticos, como o foco, determinam a ordem: "plantas tropicais de interior", com foco em "de interior", ou "plantas de interior tropicais" (cf. [...] "arquitetura italiana renascentista", com foco no estilo arquitetónico, e "arquitetura renascentista italiana", com foco na especificidade geográfica e cultural).»

Em relação à realidade que se pretende nomear, parece, portanto, estarem disponíveis duas expressões que designam dois tipos de leite disponíveis no mercado:

(1) leite desnatado

(2) leite em pó

Os classificadores podem combinar-se de duas maneiras, porque, do ponto de vista linguístico, não é possível definir entre eles uma relação de proeminência:

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do apelido Ideias.

Resposta:

É bem provável que Ideias, como apelido, tenha origem numa alcunha (no Brasil, apelido). Pode acontecer que uma pessoa seja conhecida numa aldeia ou num bairro por «o/a Ideias», porque, por exemplo, se evidencia por ser criativa ou por ter uma imaginação fértil («está sempre com ideias» = com inventos ou invenções).

Esta parece ser a hipótese de José Pedro Machado, que, no seu Dicionário Onomástico Etimológico (2003), regista Ideias como apelido com origem numa antiga alcunha, acrescentando: «Geralmente a palavra ideias aplica-se a pessoas em sentido depreciativo.» No tratado das Alcunhas Alentejanas, de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva, também se dá entrada a Ideias, forma usada como alcunha no Alentejo, região portuguesa onde este tipo de nomes está particularmente arreigado:

«Ideias [...] Denominação aplicada a um homem que é muito mentiroso (Mértola); alcunha atribuída a um indivíduo que tem muitas ideias (Aljustrel e Sousel); o visado é eletricista e um engenhocas por gosto, mas nunca faz nada como as pessoas lhe explicam. Limita-se a dizer: "Como? Como? tenho um ideia!" (Portalegre); indivíduo que tem ideias consideradas malucas (Estremoz). Existe também em Serpa.»

É, portanto, plausível que, da alcunha, se tenha criado o apelido – e não será de admirar que, em muitos casos, a origem seja alentejana.

Pergunta:

"Re-romanização" ou "rerromanização"?

Resposta:

Deve escrever-se rerromanização.

O prefixo re- liga-se sempre sem hífen à palavra a que se associa. Se a palavra prefixada começar por:

a) r ou s, dobram-se estas consoantes: re + ratificar -> rerratificar; re + surgir -> ressurgir;

b) h, suprime-se esta letra e junta-se o prefixo à vohgal da palavra prefixada: re + hidratar -> reidratar; re + habituar -> reabituar; re + haver -> reaver;

c) e, mantêm-se os dois ee, o do prefixo e o que está no início da palavra prefixada: re + estruturar -> reestruturar; re + estudar -> reestudar; re + erguer -> reerguer.

Estas regras não foram alteradas pelo novo Acordo Ortográfico.

Pergunta:

A palavra GIF (referente ao formato de imagem .gif ) é do género masculino ou feminino?

Obrigado.

Resposta:

Tendo em conta que se trata de formatos de imagem digital, depreende-se que se usa no masculino, porque a palavra formato é desse género: «o GIF», «o JPEG», «o PNG». Note, no entanto, que estas siglas do inglês, embora usadas em português, ainda não têm um uso gramatical estabilizado em português.

Mesmo assim, cabe observar que a lista Abreviaturas e Siglas da Porto Editora (disponível na Infopédia) regista duas das referidas siglas inglesas, sem, no entanto, lhes atribuir género: GIF, «sigla de graphic interchange format; formato para armazenar ficheiros de imagem»1 ; JPEG, «sigla de joint photographic experts group; formato de armazenamento de imagens»2 . Quanto a PNG, refira-se que é a sigla de «portable network images»3 , conforme se explica nesta página (sítio InfoWester).

1 Graphic interchange format = «formato para intercâmbio de gráficos» (tradução proposta em artigo da Wikipédia, consultado em 24/09/2015).

2 Joint photographic experts group = literalmente, «Grupo Conjunto de Especialistas em Fotografia]», de acordo com uma das propostas de tradução registadas no portal