Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Diz-se «jogar à bola», mas «jogar futebol», «jogar às cartas», mas «jogar no computador», «jogar à bisca» e «jogar póquer».

Existe alguma regra que determine quando se deve usar «jogar» e «jogar a»?

E, a propósito, qual a função sintáctica dos elementos que se seguem a «jogar» e «jogar a»?

Obrigado pela vossa ajuda.

Resposta:

Não há propriamente uma regra. O que existe é um conjunto de expressões fixas que incluem jogar, havendo até certa variação regional, pelo menos, atendendo ao que dizia Vasco Botelho de Amaral, no seu Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958), a respeito desse verbo:

«Em nosso idioma é mais frequente, sobretudo no Norte, o uso transitivo de jogar. E assim preferem alguns puristas. No Sul, em Lisboa, principalmente, fala-se: jogar à bola, jogar às cartas, às escondidas, etc. Não nos parece errónea esta construção. Aliás, em latim, ludere [«jogar»] pedia ablativo: ludere nucibus, ludere pila, etc. Camilo [Castelo Branco] usa, segundo apontámos, jogar transitivamente: jogava o quino [...], jogava-se o monte [...] jogar a bisca. Reflete-se [...] o emprego do Norte. Já Herculano escreve: Jogam à cabra-cega? [...], a agiotagem joga ao jogo dos trinta por cento [...].»

 

N. E. (29/10/2021) – No Brasil, é corrente o uso transitivo direto do verbo jogar seguido de bola sem artigo definido: «jogar bola» (cf. Dicionário Informal).

Pergunta:

Nas frases abaixo, qual é a função sintática das expressões que se seguem à forma verbal?

«O casaco custou cerca de 20 euros», «O casaco custou 20 euros», «O casaco custou muito dinheiro».

Obrigada.

Resposta:

Os complementos de verbos como custar, medir, pesar e durar, os quais envolvem uma avaliação ou uma medição, têm um comportamento especial: considera-se que são complementos diretos, mas não substituíveis pelo pronome -o (cf. Textos Relacionados). Noutra perspetiva, a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pág. 368/369) classifica esses complementos como oblíquos não preposicionados.

N. E. (2/06/2016) – Recebemos de João de Brito (Vila Real) o seguinte comentário crítico:

«O conteúdo desta resposta é um bom exemplo da leviandade com que o funcionamento da língua é oficialmente tratado. Recorre-se a truques, a muletas, em vez de se ir ao âmago semântico da comunicação. E o resultado é sempre o mesmo: as exceções são mais que muitas e justificam-se a si mesmas ou por si mesmas. É o caso de “…mas não substituíveis pelo pronome –o.” Quanto à figura do complemento oblíquo, já disse o que tinha a dizer em "Sobre os complementos oblíquos e as preposições" (Correio) Refletindo: É notório que os verbos listados na resposta, e haverá outros, não têm a natureza transitiva daqueles que selecionam um complemento direto. Aqui, como por exemplo na matemática, há que desdobrar unidades de sentido. Assim, o verbo custar equivale a «ter o custo de». Ou seja, custar, nas frases em apreço, já incorpora o comple...

Pergunta:

A palavra bunker é de origem inglesa, ou alemã? Sempre ouvi dizer "bunker" (do alemão Bunker).

Na RTP ouvi "banker" (transcrição fonética do inglês) (?).

Resposta:

A palavra bunker – que os dicionários já aportuguesaram como búnquer (dicionário da Academia das Ciências de LisboaDicionário Priberamdicionário da Porto Editora) – tem uma curiosa história circular, entre o inglês e o alemão.

A palavra não é alemã nas suas origens, mas, sim, anglo-saxónica, mais precisamente, segundo uma página do Online Etymology, escocesa – do chamado scots, que faz parte do sistema dialetal anglo-saxónico –, assim explicando em parte porque no golfe, que é criação da Escócia, se chama bunker a um «buraco de areia que defende o green [= área de relva cortada no campo de golfe]»1.

O Dicionário Houaiss propõe a seguinte etimologia:

«inglês bunker (c1758) "banco, banco utilizado como cofre", acepção (1838) "paiol de carvão dum navio"; o termo de golfe (1824) é de origem desconhecida; acepção ["estrutura ou reduto fortificado, parcial ou totalmente subterrâneo, construído para resistir aos projéteis de guerra"], empréstimo do século XIX ao alemão Bunker "armazém de carvão duma usina, paiol de carvão dum navio"; no decurso da primeira guerra mundial, passou também a designar "abrigo blindado".»

A palavra foi, então, importada do inglês (que...

Pergunta:

Gostava de saber qual é a forma correta do verbo enxaguar na 3.ª pessoa singular do Imperativo: enxague, ou enxagúe. Eu pronuncio "enxagúe", não sei se erroneamente, e o dicionário Priberam dá-me a razão, mas é o único, porque tanto o da Porto Editora (Infopédia) como o livro de verbos que tenho por aqui como o Lince me dizem que se escreve "enxague", de modo que tenho de assumir que esta é a forma correta. A minha dúvida agora é relativamente à pronúncia: "en'xague"?

Nota: Para o corretor do Word, tanto lhe dá uma forma como a outra...

Resposta:

No quadro do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), deve escrever enxague (lido "enxagúe"), conforme se estipula na Base X, 7:

«Os verbos arguir e redarguir prescindem do acento agudo na vogal tónica/tônica grafada u nas formas rizotónicas/rizotônicas [*]: arguo, arguis, argui, arguem; argua, arguas, argua, arguam. Os verbos do tipo de aguar, apaniguar, apaziguar, apropinquar, averiguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir e afins, por oferecerem dois paradigmas, ou têm as formas rizotónicas/rizotônicas igualmente acentuadas no u mas sem marca gráfica (a exemplo de averiguo, averiguas, averigua, averiguam; averigue, averigues, averigue, averiguem; enxaguo, enxaguas, enxagua, enxaguam; enxague, enxagues, enxague, enxaguem, etc.; delinquo, delinquis, delinqui, delinquem; mas delinquimos, delinquís) ou têm as formas rizotónicas/rizotônicas acentuadas fónica/fônica e graficamente nas vogais a ou i radicais (a exemplo de averíguo, averíguas, averígua, averíguam; averígue, averígues, averígue, averíguem; enxáguo, enxáguas, enxágua, enxáguam; enxágue, enxágues, enxágue, enxáguem; delínquo, delínques, delínque, delínquem; delínqua, delínquas, delínqua, delínquam). »

Note, portanto, que se escreve enxague em Portugal e enxágue no Brasil (neste país, já se escrevia enxágue antes do AO 90).

Em Portugal, na época em que vigorou a anterior norma (o chamado Acordo de 19...

Pergunta:

Gostaria que me indicasse e justificasse o processo de formação da palavra esbracejar.

Obrigada.

Resposta:

Considera-se que é uma palavra derivada por parassíntese (ver Graça Rio Torto et al., Gramática Derivacional do Português, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, págs. 300-301), visto que es- e -ejar são simultaneamente afixados à base de derivação, o radical braç- (de braço). O facto de existir bracejar (cf. Dicionário Houaiss) não significa que esbracejar, «agitar muito o braços»,* seja seu derivado prefixal. Trata-se antes de uma variante que exibe apenas o sufixo, sem que, relativamente a esbracejar, se possa falar de diferença semântica.

* O Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira de 2001) observa que esbracejar é pouco usado, mas não se poderá dizer o mesmo quanto à ocorrência desta forma verbal no português de Portugal.