Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem do topónimo Chouso: «Rua do Chouso»?

Obrigado.

Resposta:

Como item do léxico comum, chouso é um arcaísmo que se relaciona com outra palavra também de sabor arcaico – chousa, «pequena quinta ou tapada; curral rústico móvel onde o gado passa o verão no campo; terreno cercado; cerrado» (Dicionário Houaiss). Como topónimo, Chouso terá aparecido, portanto, como conversão do nome comum chouso, empregado como identificação de um terreno cercado. Considera-se que chousa é a evolução do latim vulgar clausa, neutro de clausum, nome do género neutro que significava «lugar fechado, cercado» (idem). Sendo assim, é plausível que chouso proceda diretamente de clausum, substantivo relacionado com o verbo latino claudo, is, clausi, clausum, ere, «fechar, cerrar, encerrar».

Pergunta:

Diz-se «os boxers», ou «as boxers», quando nos referimos à peça de roupa interior masculina?... E, já agora, o termo já foi aportuguesado?

Obrigado mais uma vez!

Resposta:

Não há consenso quanto ao género a atribuir a boxers, mas, em Portugal, parece favorecer-se o género masculino («os boxers»).

No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a palavra boxers – um anglicismo – figura já aportuguesada (bóxeres) e pode ser usada quer no masculino quer no feminino: «bó·xe·res (inglês boxers) substantivo feminino ou masculino plural [Vestuário] Peça de roupa interior masculina constituída por uns calções de tecido leve.» Porém, o dicionário da Porto Editora regista apenas boxers, à inglesa (embora, nesta língua, também sejam conhecidos como boxer shorts), dando-lhe o significado de «cuecas de homem com o formato de calção» e atribuindo-lhe apenas o género masculino.

O que é melhor: «os boxers», ou «as boxers»? A opção não é evidente, porque a palavra, se, por um lado, subentende um tipo de cuecas, justificando a atribuição do género feminino («as bóxeres»), por outro, é possível associar-lhe a noção de calções, vocábulo que, tendo o género masculino, legitima o uso de «os "boxers"». Querendo identificar tendências de uso, uma pesquisa na Internet por meio do Google, restringindo os resultados a .pt (em princípio, páginas portuguesas), sugere que se prefere atribuir o género masculino à palavra (ver «comprei uns boxers» aqui).

Quanto ao aportuguesamento proposto (pelo menos) pelo dicionário Priberam, observe-se que está bem formado e aproveita um outro já existente para denominar uma raça d...

Pergunta:

Está correto o uso da expressão «Para mais» no início de uma frase, com o sentido de «Adicionalmente», «Além do mais» ou «Além disso»? Tenho tendência a utilizar esta expressão de vez em quando, mesmo com um certo grau de dúvida sobre se estará correta, pois não encontro grandes referências a não ser o seu uso pontual em alguns sítios da Internet... mas soa-me bem. Estarei errada?

Resposta:

O sentido associado a «para mais» contribui geralmente para uma perspetiva negativa sobre um tópico discursivo. Com efeito, como conector, a locução tem a função de articular com o restante discurso uma informação adicional encarada como agravante de uma situação. Sendo assim, o uso de «para mais» só se afigura adequado quando ocorre não só como sinónimo de «além disso», mas sobretudo como equivalente de «ainda por cima». É o que sugere, por exemplo, o registo de «para mais» no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, o qual regista esta locução como subentrada de mais (desenvolveram-se as abreviaturas): «para mais, locução adverbial, o mesmo que "de mais a mais". "Não veio porque era tarde e, para mais, não tinha transporte".» Na abonação dada pela fonte consultada, «para mais» marca a ocorrência de informação adicional que reforça o caráter negativo do estado de coisas referido discursivamente.

Pergunta:

"Sobreendividamento", ou "sobre-endividamento"? Qual é a grafia correta?

Obrigado.

Resposta:

Atendendo ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), deve escrever-se sobre-endividar e sobre-endividamento com hífen, visto a vogal final do prefixo (sobre) ser a mesma que começa a palavra prefixada (endividar, endividamento). O hífen ocorre noutros casos semelhantes (infra-assinado, semi-interno, micro-ondas), conforme o disposto no apartado 1 b) da Base XVI do AO 90: «[Emprega-se hífen] [n]as formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina na mesma vogal com que se inicia o segundo elemento: anti-ibérico, contra-almirante, infra-axilar, supra-auricular; arqui-irmandade, auto-observação, eletro-ótica, micro-onda, semi-interno.» Esta norma não abrange o prefico co-: «Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.»

Pergunta:

Há tradução para offshore?

Obrigado.

Resposta:

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa inclui, entre as várias aceções do anglicismo offshore, a expressão «zona franca fiscal», que se afigura como tradução adequada da palavra inglesa, se atendermos que as zonas assim chamadas permitem evitar o pagamento de impostos. Todavia, a referida expressão não reflete a imagem subjacente ao termo inglês, que é a de uma região ou ponto geográficos ao largo da costa de um país. Note-se que «paraíso fiscal» é outra expressão usada em português, com o seu quê de irónico.

Sobre o uso deste anglicismo já como substantivo, no singular e no plural, ver a resposta relacionada A grafia offshore