Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quando alteramos o género, o número ou o grau de uma palavra (aumentativo, diminutivo), estamos a criar uma nova palavra da mesma família? Já li que ao acrescentarmos o sufixo -inho ou -ito, por exemplo, estaríamos a formar uma nova palavra (derivação), mas também já li o contrário... 

Obrigada.

Resposta:

A resposta à pergunta não pode ser taxativa, porque não há consenso sobre estatuto derivacional dos diminutivos.

Quando se fala das formas da flexão de uma palavra – os diminutivos e os aumentativos são muitas vezes mencionados como formas da flexão em grau dos substantivos, a par da flexão em número e género –, não estamos a falar de uma família de palavras. Por exemplo, os plurais gatos ou casas não são palavras, respetivamente, das famílias de gato e casa, mas, sim, formas da flexão (nominal) de plural de, respetivamente, gato e casa, tal como cantamos é uma forma da flexão (verbal) de cantar. À luz do Dicionário Terminológico, destinado ao ensino básico e secundário de Portugal, as categorias de génerograu são também categorias da flexão nominal e são marcadas por variações das palavras. Sendo assim, dir-se-á que gata e casarão são flexões, respetivamente, de gato e casa.

Neste sentido, é preciso notar que existem outras maneiras de conceptualizar a flexão nominal que excluem as categorias de género e grau. Por exemplo, na linguística descritiva, temos o caso da Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pp. 929/931), que exclui a categoria de género do conceito de flexão nominal. Também em relação ao grau de nomes e adjetivos, a linguística portuguesa não tem incluído essa categoria na flexão. Por exemplo, a

Pergunta:

Gostaria de confirmar se a palavra álbum é um nome comum ou um nome comum coletivo. Segundo alguns dicionários, define-se como:

1. Livro em branco para colecionar fotografias, postais, selos, recortes, etc. 2. Livro em branco em que se coleccionam notas, pequenas composições literárias, autógrafos, etc. 3. Livro com muitas ilustrações, geralmente acompanhadas de pequenos textos (ex.: álbum de banda desenhada). 4. Obra musical de longa duração, gravada em suporte físico (CD, vinil, etc.) ou digital.

Entendo que será um nome comum. Está correto?

Obrigada.

Resposta:

Não há uma resposta taxativa para esta pergunta, mas, se se pensar num álbum como um conjunto de composições (musicais, retratos, autógrafos, etc.), a palavra é efetivamente um substantivo comum coletivo (atenção, que a categoria de substantivo comum não é incompatível com a de substantivo coletivo).

Pergunta:

Redil é um nome comum ou um nome comum coletivo. Ex: «Juntou as cabras no redil.»

Resposta:

Trata-se de um nome comum coletivo, quando significa «rebanho de ovelhas» (ou «de caprinos»). Já não é quando significa «abrigo para ovinos e caprinos» (cf. Dicionário Houaiss).

É de lembrar que os nomes ou substantivos comuns podem ser também coletivos – é o caso.

Pergunta:

Na frase «associamos aquela época a um mundo de barbárie», qual é a função sintática de «a um mundo de barbárie»?

Se atentarmos na definição de complemento indireto apresentada na vossa página por Edite Prada:

«[...] o complemento indireto tem, segundo a Moderna Gramática Portuguesa de Bechara, pág. 42, as seguintes características:

a) «É introduzido pela preposição a ou mais raramente para»;

b) a palavra que o expressa «designa um ser animado ou concebido como tal»;

c) «expressa o significado gramatical de ‘beneficiário’ ou destinatário»;

d) «é comutável pelo pronome pessoal objetivo lhe/lhes» (= a ele/a eles).

Pela descrição de Bechara, podemos concluir que o complemento indireto é um nome antecedido de uma preposição que pode ser a ou para.»

Se procedermos à substituição de «a um mundo de barbárie» por lhe, obtemos a frase: «Associamos-lhe aquela época.». Esta frase suscita-me duas questões. Por um lado parece-me que a sua aceitabilidade é discutível, por outro acho que não preenche a característica enunciada em c). Em síntese, «a um mundo de barbárie» é ou não um complemento indireto?

Agradeço o vosso trabalho.

Resposta:

O caso apresentado situa-se, como bem observa a consulente, nos limites do que pode ser construído como complemento indireto. Mas a sequência «associamos-lhe aquela época» está correta.

O grupo preposicional «a um mundo de barbárie» é corretamente substituível pelo pronome átono lhe (também chamada, em estudos mais especializados, forma de dativo do pronome átono) e desempenha a função de complemento indireto, mas, do ponto de vista semântico, não tem os valores típicos dos constituintes com essa função [ver as alíneas a) a d) da citação feita na pergunta]. Ora, na definição de uma categoria, não se julgue que as entidades e os comportamentos que estas evidenciam têm de satisfazer todos os critérios de tal definição; pelo contrário, muitas vezes detetam-se exceções, e um critério ou dois podem não ter correspondência na forma linguística examinada. No caso vertente, o grupo preposicional pode ser substituído por lhe, não porque marque destinatário ou beneficiário, mas mais por marcar um valor próximo do chamado dativo de interesse ou ético ou até de posse («associar a» como equivalente a «ser sócio de»).

Pergunta:

Como escrever corretamente o vocábulo que antes do Acordo Ortográfico de 1990 se grafava mão-de-obra? Uma consulta às fontes que tenho à disposição revela divergência. O Dicionário Priberam e o Ciberdúvidas acolhem apenas mão-de-obra. O dicionário Aulete, o Vocabulário Ortográfico Português e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa acolhem apenas «mão de obra». Como proceder?

Resposta:

Trata-se de uma interpretação quer do artigo em causa* quer do Dicionário Priberam que é aceitável. No entanto, se usar a forma sem hífen não incorre em erro – pelo contrário, emprega até o que se recomenda, porque os vocabulários ortográficos existentes fixam a forma «mão de obra», sem hífen.

*Trata-se do artigo intitulado "O uso do hífen segundo o Acordo Ortográfico" de Roberto Sarmento Lima, no qual este autor mantém o hífen em formas como pé-de-moleque, pão-de-ló, mão-de-obra., as quais podem ser grafadas assim, mesmo no contexto do Acordo Ortográfico de 1990 (AO), se se considerar que são «exceções já consagradas pelo uso» (n.º 6, Base XV). Mas, sobre os compostos que contenham elementos de ligação (isto é, preposições), refira-se que os vocabulários ortográficos existentes registam pé de moleque, pão de ló e mão de obra sem hífen, generalizando o preceito aplicado a cão de guarda, fim de semana e sala de jantar, também conforme o mesmo n.º 6 da  Base XV do AO. Consulte-se o Vocabulário Ortográfico do Português do Portal da Língua, o vocabulário ortográfico da Porto Editora, o