Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A propósito do lançamento do último disco do grupo musical Ala dos Namorados, intitulado Vintage, tanto os seus participantes, nas entrevistas que concederam, por exemplo à Antena 1, como a própria promoção do CD nesta emissora de rádio, dizem sempre a palavra em inglês: /vinteidje/. Independentemente de duvidar que essa seja mesmo a pronúncia inglesa*, parece-me que, sendo a palavra de facto um anglicismo, ela já entrou, e há muito, na língua portuguesa – e devidamente dicionarizada com o significado genérico de «boa colheita» –, pelo que deve ser pronunciada como tal. Ou seja, /vĩntɐdʒe/. Estou certo?

* Em inglês, não será, antes, com acentuação na primeira sílaba?

Resposta:

Na verdade, o anglicismo vintage1 pronuncia-se aproximadamente como "víntidje", ou seja, com acento tónico na sílaba inicial e com o sufixo -age a soar como "idje" (transcrição fonética [ˈvɪntɪdʒ]; ouvir também aqui e aqui).2

Trata-se de uma palavra inglesa de origem francesa, como muitas que entraram no inglês na sequência da conquista normanda, a partir de 1066. No Online Etymology Dictionary de Douglas Harper pode ler-se a seguinte informação etimológica (tradução livre3):

 «vintage nome começo do século XV, 'colheita das uvas, colheita de vinho de uma vinha', do anglo-francês vintage (meados do século XIV), do francês antigo vendage, vendenge 'vindima, colheita de uma vinha', do latim vindemia 'junção de uvas, colheita de uvas', de uma combinação de vinum 'vinho' + radical de demere 'tirar, separar' (de de- 'de, 'de junto de' + emere 'tomar. O sentido passou a 'idade ou ano de um vinho particular' (1746), depois a um sentido genérico adjetival de 'pertencente a um tempo antigo (1883). Usado com referênia a automóveis desde 1928.»

Em Portugal, o anglicismo vintage já era conhecido no contexto do vinho, em especial do vinho do Porto, entendendo-se que este é vintage, quando é de qualidade excecional e resulta de uma s...

Pergunta:

Como devo escrever? «Metade dos inquiridos não concordou com a medida», ou «Metade dos inquiridos não concordaram com a medida»? «Um terço desses peritos não sabe do que fala» ou «Um terço desses peritos não sabem do que falam»? «Uma grande percentagem de portugueses fala inglês», ou «Uma grande percentagem de portugueses falam inglês»?

Muito grato.

Resposta:

Como se esclareceu já em várias respostas anteriores (cf. Textos Relacionados, ao lado), expressões como «metade de», «um terço de» ou «uma grande percentagem de» – chamadas expressões partitivas – a concordância pode ser feita no singular ou no plural – neste último caso, se a expressão que completar essas expressões de quantificação estiver no plural:

1. Metade/um terço/uma percentagem dos inquiridos não concorda com a medida.

2. Metade/um terço/uma percentagem dos inquiridos não concordaram com a medida.1

1 Há gramáticos que não consideram (e até contestam) a concordância com a expressão que é especificada e que se encontra no plural (p. ex., «dos inquiridos» em «metade dos inquiridos»), como acontece com José Neves Henriques nesta resposta. No entanto, são muitas as gramáticas que atualmente aceitam este tipo de concordância, feita com a expressão nominal mais próxima do verbo.

Pergunta:

"Hiroshima", ou "Hiroxima"? "Bangladesh", "Bangladeche" ou "Bangladexe"? Seria facultativo, nos casos em que a adaptação ao idioma é pouco usada, podendo dar preferência a forma consagrada ?

Resposta:

As formas portuguesas apresentadas na pergunta – Hiroxima, Bangladeche1 (ou até, Bangladexe) – têm registo em certos dicionários e vocabulários ortográficos, mas não são de emprego obrigatório. Observe-se, mesmo assim, que Hiroxima tem uso mais consolidado do que Bangladeche ou Bangladexe, formas portuguesas legítimas, cuja forma inglesa e internacional, Bangladesh, se tornou não obstante mais frequente.

1 Bangladeche é a grafia adotada pela Código de Redação Interinstitucional para o português usado no âmbito da União Europeia.

Pergunta:

Na comunidade médica é comum ouvir/ler-se o termo "esvazionamento" (no contexto, por exemplo, da exérese[*] de todo um grupo de gânglios linfáticos: «esvazionamento axilar»). Julgo que esteja incorrecto e apenas exista no léxico português o termo "esvaziamento". Correcto?

[*] Exérese: «remoção por cirurgia» (Dicionário Houaiss).

Resposta:

A palavra legítima nos discursos especializado e não especializado é sempre esvaziamento.

É verdade que começam a registar-se ocorrências de uma forma concorrente, "esvazionamento". No entanto, esta forma não é legítima, por pressupor um verbo que não se regista, "esvazionar" – e que, de resto, não se justifica, dada a disponibilidade de esvaziar.

Pergunta:

É lícito criar o topónimo "Burgo de São Pedro" para denominar a cidade russa "Sankt-Peterburg" ?

P.S.: Reconheço haver a forma "São Petersburg".

Resposta:

A forma portuguesa que se propõe na pergunta poderá ser uma tradução literal do nome – embora burgo, como palavra autónoma, não tenha exatamente o mesmo sentido de -burg1) –, mas não se usa nem tem registo nem dicionarístico nem enciclopédico. A forma do nome da cidade russa que se recomenda em português é Sampetersburgo (cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966),  Também existe «São Petersburgo», forma que não se aconselha.

1 Como vocábulo independente, burgo pode significar «pequena cidade, vila». No entanto, como forma presa (dependente) tem sido muito produtiva nas formas portuguesas de cidades e regiões estrangeiras como Estrasburgo (Strasbourg, em francês, e Straßburg, em alemão), Edimburgo (Edinburgh, em inglês) e Meclemburgo (Mecklemburg, em alemão).