Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

 [Atualmente chamada Frente Fatah al-Sham], [escreve-se] «Frente "al-Nusra"» ou «Frente "al-Nosra"»?

Os anglo-saxónicos usam com u, os francófonos com o.

Resposta:

Recomenda-se Frente al-Nusra.

Em relação ao nome desta milícia islâmica que opera na Síria1 ou a qualquer outro nome ou palavra árabes, muito depende do sistema de transcrição. Dado que o árabe tem apenas três timbres vocálicos – /a/, /i/ e /u/, os quais podem corresponder a segmentos longos ou breves e ter cambiantes fonéticas em função dos contextos –, a transcrição usada2 em textos em inglês acaba por estar mais de acordo com alguns sistemas de transliteração/transcrição usados em português, como o apresentado por José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1987, pág. 9), ou o adotado por Adalberto Alves, no Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013). Nestes sistemas apenas se consideram as letras a, i e u, para representação das vogais árabes3. A forma al-Nusra afigura-se, portanto, preferível.

1 Depois de julho de 2016, passou a ser denominada Frente al-Sham ou al-Cham, conforme informação da Wikipédia. Ainda segundo esta fonte, é também conhecida como Alcaida do Levante, entendendo-se por Levante a costa asiática compreendida entre a Turquia e a península do Sinai, no Egito.

...

Pergunta:

Tenho algumas dúvidas sobre a natureza e as funções sintáticas associadas a uma frase passiva de se. Por exemplo, na frase «vendem-se casas», que é equivalente a «casas são vendidas (por alguém)», gostaria que me confirmassem que se trata efetivamente de uma frase passiva. Além disso, qual a função sintática do constituinte «casa»" – é que na frase equivalente é o sujeito, certo? Nesse caso, tem a mesma função?

Obrigado e um grande bem-haja pelo vosso precioso trabalho.

Resposta:

«Vendem-se casas» é uma frase passiva que, em certas gramáticas, é designada como construção passiva sintética, equivalente à construção passiva convencional («casas são vendidas»). Neste tipo de construção, um verbo transitivo – vender, como é o caso – ocorre na conjugação pronominal reflexa e tem por sujeito a expressão que marca o paciente da ação: no caso de «vendem-se casas», o sujeito é, portanto, «casas». O se é chamado pronome apassivante ou partícula apassivante.

Com verbos transitivos, isto é, verbos como vender, que selecionam um complemento direto («vender/construir/imaginar alguma coisa»), também se aceita que o pronome se marque um sujeito indeterminado, com o mesmo valor que alguém. Nesta situação, o verbo concorda no singular e a expressão nominal que lhe apareça associado é um complemento direto: «vende-se casas». Como já se tem dito muitas vezes no Ciberdúvidas (ver Textos relacionados), os gramáticos mais conservadores não aprovam esta construção. Não obstante, o se indeterminado é totalmente aceite quando se trata de verbos intransitivos: «Por aqui chega-se mais depressa»; «aqui nada-se sem perigo».

Pergunta:

Diz-se numa resposta anterior: «O uso de p maiúsculo em Península Ibérica não é recente. Já em 1947, Rebelo Gonçalves no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (pág. 338/339), assinalava algumas combinações vocabulares que "apesar de baseadas em palavras designativas de acidentes geográficos, formam no seu conjunto locuções toponímicas e, consequentemente, não dispensam a maiúscula inicial naqueles elementos: Grandes Lagos, Península Ibérica, etc.»". Pergunta: a maiúscula em Península aplica-se apenas a «Península Ibérica» (é um caso excecional) ou este acidente geográfico deve sempre ser grafado com caixa alta?

Obrigado.

Resposta:

O geónimo Península Ibérica reduz-se muitas vezes a Península, também com maiúscula inicial.

Na grafia deste geónimo, têm-se mantido desde os anos 40 do século passado os critérios aplicados aos nomes designativos de acidentes geográficos, conforme foram formulados por Rebelo Gonçalves no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 337-339), a saber:

– emprega-se minúscula inicial «nos substantivos que significam acidentes geográficos, tais como arquipélago, baía, cabo, ilha, lago, mar, monte, península, rio, serra, vale e tantos outros, quando seguidos de designações que os especificam toponimicamente: [...] península de Malaca [...]» (p. 338);

– contudo, «há combinações vocabulares que não se integram no preceito anterior, porque, apesar de baseadas em palavras designativas de acidentes geográficos, formam no seu conjunto locuções toponímicas e, consequentemente, não dispensam a maiúscula inicial aqueles elementos: Grandes Lagos, Península Ibérica, etc. [...]» (idem, pp. 338/339).

Na mesma fonte, indica-se em nota que a redução de Península Ibérica é Península, com inicial maiúscula (idem, ibidem). Anos mais tarde, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), Rebelo Gonçalves consigna igualmente Península com maiúscula inicial, forma que descreve como «redução de Península Hispânica ou Península Ib...

Pergunta:

"Borrada" (de borra) e "burrada" (de burro) podem considerar-se sinónimos, no sentido de «asneira, tolice»?

Resposta:

Os substantivos borradaburrada são quase sinónimos com a particularidade de também serem homófonos, pelo menos em Portugal, onde se pronunciam da mesma maneira: [buR′adɐ].

Por borrada, entende-se «ato ou efeito de borrar», e borrar é «sujar, manchar» (cf. Dicionário Houaiss). Mas a palavra borrada é bastante usada atualmente no sentido genérico de «porcaria», o que permite incluir aceções como «coisa mal feita; grande asneira» e, até, «ação indecorosa» (cf. dicionário de Português da Porto Editora, disponível na Infopédia). Tudo isto explica que já se registe uma expressão que, pelo menos, em Portugal, ocorre com frequência no registo coloquial: «sair uma (grande) borrada», que é o mesmo que «dar mau resultado», «dar asneira» (cf. idem, ibidem).

Sucede que burrada, que inicialmente era um derivado e coletivo de burro, é hoje também empregado como sinónimo de asneira, assim convergindo com borrada, como se viu, também interpretável com esse significado.

Refira-se ainda que asneira, «disparate, tolice», é um derivado de asno, no sentido figurado de «palerma, estúpido, ignorante», que vem a ser, afinal, a significação de burro quando proferido com a intenção de insultar.

Em suma, borrada ...

Pergunta:

Devemos escrever Canaã, Caná, Qana ou como?

Muito obrigado pelo vosso excelente trabalho!

Resposta:

Os nomes em questão relacionam-se com a faixa costeira que vai da Síria ao Egito, abrangendo, portanto, os territórios do Líbano e de Israel. A forma Canaã é empregada: a) como antigo nome da Palestina; b) como nome de um dos filhos de Cam, amaldiçoado por Noé (Génesis 9).

Quanto a Caná, trata-se do nome de uma cidade da Galileia que é o cenário do conhecido episódio bíblico das Bodas de Caná e que costuma identificar-se com a atual cidade de Qana no sul do Líbano. No entanto, também se opina que Caná terá hoje localização incerta, podendo corresponder a uma de quatro localidades no atual território israelita.

Apesar da sua semelhança, não parece que Canaã e Caná tenham relação etimológica.