Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Todos os jornais escrevem «equipa de futebol feminino», mas o correto não será «equipa feminina de futebol»?

Obrigado.

Resposta:

As duas expressões estão corretas tanto do ponto de vista sintático como na perspetiva semântica.

A locução «futebol feminino» tem uso como designação de uma modalidade de futebol, como se pode confirmar pelas páginas eletrónicas de diferentes clubes portugueses –  Benfica, Futebol Clube do Porto, Sporting, Sporting Clube de Braga.

Mas com igual correção pode também empregar-se «de futebol» como determinativo de «equipa feminina», daqui resultando a expressão «equipa feminina de futebol» ou «seleção feminina de futebol», que também ocorre nos conteúdos em linha dos clubes portugueses. Do mesmo modo, a comunicação social emprega as duas construções, às vezes no mesmo texto, como no exemplo a seguir:

«Pela primeira vez, Portugal está no Europeu de Futebol Feminino

[...] A seleção portuguesa feminina de futebol qualificou-se pela primeira vez na sua história para o Campeonato da Europa, ao empatar 1-1 na Roménia, após prolongamento [...].» (TSF – Rádio Notícias, 25/10/2016)

Pergunta:

Qual é a diferença de sentido entre as palavras coerência e congruência?

Resposta:

Atualmente, é mínima a diferença entre coerência e congruência.

Embora sejam palavras que têm origens diferentes no latim, acontece que os seus significados têm vindo a convergir em português. O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) dá aos dois vocábulos as seguintes aceções (selecionaram-se as de caráter mais genérico):

– coerência (do latim cohaerentia): «ligação entre os elementos de um todo; qualidade ou estado do que é coerente», «Ligação, harmonia, lógica, nexo entre os diversos elementos de um conjunto de factos, ideias, situações...»;

– congruência (do latim congruentia): «relação direta de um objeto ou facto com o fim a que se destina; acordo, harmonia entre duas  ou mais coisas ou entre as partes de um todo», «adequação, conveniência».

Observe-se que o dicionário ACL deixa explícito que congruência tem por sinónimo coerência.

Registe-se, no entanto, a destrinça que faziam J. Inácio Roquete e José da Fonseca no seu Dicionário dos Sinónimos – Poético e de Epítetos da Língua Portuguesa, de 1848 (transcreve-se aqui o artigo de uma reedição mais recente, já de finais do século XX, da Lello e Irmãos Editores, Porto):

«A congruência é harmonia existente entre o dito e o facto ou o objecto, e o fim ou a coisa a que são destinados. A congruência visa ao que é ulterior. – A coerência é a harmonia ex...

Pergunta:

Assim como temos herbal, herbáceo, herbolário, herbi-, herbicida, é correcto utilizar "herba" em vez de erva?

Resposta:

Não se usa "herba", apenas se emprega erva.

Quando se trata de palavras cultas ou eruditas relacionadas com a raiz de erva, recorre-se geralmente à forma que tal raiz tinha em latim clássico – daí herb- –, embora também seja possível empregar palavras com a forma radical portuguesa, que é erv-. Esta situação explica a existência de formas duplas em variação como herbário e ervário («coleção de plantas dessecadas»), ou herbanário e ervanário («loja onde se vendem plantas medicinais»). Contudo, quando se trata de designar a planta, usa-se apenas o nome tradicional erva, que evoluiu do latim vulgar herba (cf. Dicionário Houaiss), isto é, que se fixou em português por via popular.

Relembre-se que a expressão «via popular» (cf. Nomenclatura Gramatical Portugal, 1967) se refere ao processo geralmente lento de transmissão e evolução das palavras do latim vulgar ao português, do fim da Antiguidade à Idade Média, de acordo com um conjunto de mudanças regulares: por exemplo, o latim PLANU- deu chão, sobretudo pela passagem de PL- a ch- (palatalização) e por queda do -N- intervocálico. O termo «via erudita» (cf. idem) aplica-se ao aportuguesamento de palavras do latim clássico (às vezes, também do latim eclesiástico), as quais foram introduzidas em número elevado sobretudo nos séculos XVI a XVIII por ação de eruditos e escritores; este foi o tipo de transmissão que levou de PLANUS, -A, -UM a plano e plan...

Pergunta:

Há pessoas que utilizam erradamente a expressão «que deslocaram-se», em vez de «que se deslocaram». Por que motivo não se deve usar a primeira expressão?

Resposta:

A sequência correta no português de Portugal é efetivamente «que se deslocaram mais cedo», e não «que deslocaram-se».

Considera-se que a palavra que – a qual pode ser um pronome relativo ou uma conjunção subordinativa –, a par de outras classes e subclasses de palavras em posição pré-verbal, atrai sempre os pronomes átonos, pondo-os a preceder os tempos simples dos verbos (diz-se que estão em próclise)*:

1. «Há pessoas que se deslocaram mais cedo.»

A sequência «que se deslocaram mais cedo», em 1, é uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva que modifica «pessoa», que é seu antecedente**. Que é um pronome relativo.

2. «Declararam que se deslocaram mais tarde.»

Em 2, a sequência «que se deslocaram mais tarde» é uma oração subordinada substantiva completiva, sendo o complemento direto da forma verbal «disseram»**. Que é uma conjunção subordinativa completiva.

3. «O tempo estava tão bom, que todos os habitantes se deslocaram de automóvel até à praia.»

A sequência «que todos os habitantes se deslocaram de automóvel até à praia» no exemplo 3 constitui uma

Pergunta:

"Vídeo-árbitro", "vídeoárbitro", ou "vídeo árbitro"?

Resposta:

Escreve-se videoárbitro, sem hífen, porque, apesar de video- acabar em vogal e a palavra prefixada (árbitro) começar também por vogal, sucede que esta é uma vogal diferente.

Os prefixos e falsos prefixos terminados em vogal aglutinam-se sem hífen a palavras começadas por vogal diferente, conforme o disposto na Base XVI do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

«2 [...] b) Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente, prática esta em geral já adotada também para os termos técnicos e científicos. Assim: antiaéreo, coeducaçao, extraescolar, aeroespacial, autoestrada, autoaprendizagem, agroindustrial, hidroelétrico, plurianual1

Por outras palavras, produzindo-se o encontro de vogais diferentes, não ocorre hífen na palavra, tal como se ao prefixo se seguisse um elemento começado por consoante (cf. videoconferência, videotransmissão).2

1 Antes da aplicação do Acordo Ortográfico vigente, já se aplicava esta regra na escrita de video- como elemento prefixal (cf. videoalarme na 1.ª edição do Dicionário Houaiss, de 2001).

2 Depois de prefixo terminado em vogal,  dobram-se as consoantes r e s. Por exemplo: