Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe realmente uma diferença entre os verbos pensar e achar? Em alguns sites tentam separá-los, principalmente para ensino de português como língua estrangeira, mas como nativo a única diferença que vejo é que pensar é usado para situações como provas, redações e maior formalidade e achar para situações corriqueiras, não impedindo que pensar entre no lugar de achar.

Obrigado.

Resposta:

São verbos com significados básicos diferentes, embora possam ter um grau elevado de sinonímia em certos contextos.

Os dois verbos em questão contrastam sobretudo quando se interpretam as expressões nominais que lhe servem de complemento direto:

1. Pensei num novo livro

2. Achei um livro fantástico.

Em (1), «um livro novo» é objeto de pensamento, que pode existir potencialmente, enquanto, em (2), «um livro fantástico» é um objeto que passa de desconhecido a conhecido. Este contraste quase se neutraliza, sobretudo no presente do indicativo, quando os verbos em apreço selecionam uma oração completiva (isto é, uma oração introduzida pela conjunção que e que é complemento direto de um verbo):

3. Pensei que o livro era mau. [= acreditei que o livro era mau, mas posteriormente posso ter mudado de opinião]

4. Achei que o livro era mau. [= a minha opinião era a de que o livro era mau]

5. Penso que o livro é mau.

6. Acho que o livro é mau.

Se em 3 e 4 ainda se nota certo contraste (entre crença e opinião), em (5) e (6) o contraste semântico é mínimo. Contudo, uma diferença subsiste, como bem se observa na pergunta: a forma acho é muitas vezes informal, enquanto penso tem emprego genérico, abrangendo o registo formal.

Pergunta:

Qual a origem da palavra briol, no sentido de «muito frio»?

Resposta:

Não é clara a origem do vocábulo briol, pelo menos quando usado na aceção em causa.

A forma briol tem três significados que, entre si, pouca afinidade conceptual parecem ter (fonte: briol, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa):

«1. [Marinha] Cabo de ferrar as velas.

2. [Portugal, Informal] Temperatura baixa. = FRIO

3. [Portugal, Informal] Vinho ordinário.»

Outros dicionários não se afastam substancialmente destas definições. A aceção 1 é o sentido que a forma tem como termo náutico. Já as aceções 2 e 3 ou relevam de usos da gíria, o que permite ver as aceções 2 e 3 como extensões metafóricas ou metonímicas da aceção 1, ou constituem casos de homonímia, isto é, pode tratar-se de palavras diferentes, com briol 2 e briol 3 eventualmente nada tendo que ver etimologicamente com briol 1.

Entre as fontes consultadas em português, o Dicionário Houaiss oferece mais informação sobre o étimo de briol 1, retomando a proposta que Joan Coromines e José Antonio Pascual registaram no seu Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico:

«francês antigo braiuel (1155) hoje breuil (1643) 'idem', através do espanhol briol (final do século XVI), ligado ao latim brāca, ae 'braga' [...].»

Em espanhol e catalão, os dicionários só registam briol como denotação de um tipo de cabo. Em galego, pode também designar, por um lado, um balde que serve de medida na venda de polvo ou como meio pa...

Pergunta:

Podem esclarecer-me como se pronuncia o plural de escolho? Deve pronunciar "escólhos" ou "escôlhos"?

Obrigado.

Resposta:

O vocábulo escolho tem o aberto no plural, conforme se pode confirmar pelas transcrições ou indicações de pronúncia do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), do dicionário da Porto Editora e do dicionário Priberam.

Significa «rochedo à flor ou à tona da água, considerado perigoso para a navegação» (ACL) e, em sentido figurado, «obstáculo, dificuldade, perigo» (cf. Dicionário Houaiss). Considera-se ter origem no italiano scoglio, «porção de rocha que emerge da água do mar; penha, penhasco, rocha; obstáculo, grave dificuldade», mas é plausível que este vocábulo tenha chegado ao português por via do castelhano escollo (cf. José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa). A forma italiana, ou melhor, toscana, será uma adaptação do genovês schêuggio, resultado dialetal do latim *scŏclu, variante não atestada de scopŭlus, i, «rochedo, penedia; calhau; abrolho; perigo; estorvo» (cf. Dicionário Houaiss e Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, de Joan Coromines e José Antonio Pascual).

Pergunta:

Uma pergunta inusitada mas com pertinência circunstancial: deve dizer-se «Eu telefono-a» ou «Eu telefono-lhe».

O segundo modo é o corrente. Por que motivo?

Obrigado.

Resposta:

No sentido de «comunicar por telefone com alguém», só se aceita a segunda frase, ou seja, a frase em que telefonar é um verbo que seleciona um constituinte com a função de complemento indireto: «telefonei à Teresa» > «telefonei-lhe».

Pode considerar-se que este comportamento sintático é simplesmente idiossincrático, mas a equivalência de telefonar com «ligar a/para alguém» e ou com as perífrases «falar a/com alguém ao/pelo telefone» e «fazer um telefonema a/para alguém» sugerem que o verbo em causa seguiu o modelo sintático de outros verbos de comunicação, ao mesmo tempo que absorveu um complemento direto que está implícito na sua significação («fazer um telefonema», «usar o telefone»).

Pergunta:

No ensino de Português a estrangeiros como justificar o uso do pretérito perfeito numa situação passada que se prolonga no presente, como no seguinte caso: «sempre foste gordo»?

Resposta:

Não existe uma forma única de explicar esse uso do pretérito perfeito do indicativo, porque muito depende também da língua materna dos alunos. Mesmo assim, para falantes de espanhol, inglês, italiano, francês e alemão, que têm um tempo perfeito formado por um auxiliar equivalente a ter (e também a ser no italiano, no francês e no alemão) + particípio passado, pode explicar-se que, em português, o mesmo tempo verbal recobre os valores temporais que, nessas línguas, estão separados entre um tempo simples (pretérito simples, passé simple, past tense) e um tempo composto (pretérito prefeito composto, passé composé, present perfect, etc.).

Assim, a diferença que existe em inglês entre:

(1) I lived in England many years ago.

e

(2) I have always lived in England.

reduz-se em português ao mesmo tempo verbal:

(3) Vivi em Inglaterra há muitos anos.

(4) Vivi sempre em Inglaterra.

É natural que alunos estrangeiros perguntem que valor tem então o pretérito perfeito composto em português. Este tempo tem usos mais restritos que os tempos compostos correspondentes nessas línguas. Diga-se, de uma maneira muito genérica e simplificada, que marca um estado ou uma ação que têm o seu começo no passado e se repetem ou se prolongam até ao presente: «tenho lido muito desde o ano passado» (= «do ano passado até agora, li um livro, depois li outro e li mais outro, etc.»; cf. respostas indicadas nos Textos Relacionados).