Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Eu leio há muito tempo em textos técnicos de Matemática construções do tipo «Se um conjunto é finito, então qualquer subconjunto deste também é». Ou, quando muito, «Se um conjunto for finito, então qualquer subconjunto deste também é.» Essas parecem-me erradas (um erro aparentemente oriundo de um anglicismo). A que me parece correta é a seguinte: «Se um conjunto for finito, então qualquer subconjunto deste também será.»

Assim, tenho esta dúvida: em uma frase condicional do tipo «Se (...), então (...)», o verbo na oração subordinada deve necessariamente estar conjugado no modo conjuntivo? Ademais, pode-se estabelecer alguma relação a priori entre os tempos nos quais os verbos das orações principal e subordinada são conjugados?

Agradeço desde já.

Resposta:

Em português, usa-se o presente do indicativo em enunciados genéricos, como são os da matemática ou de outra disciplina científica.

O presente do indicativo figura como tempo característico das frases genéricas, como observa a Gramática do Português (GP), da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pág.. 516)

«O presente do indicativo é também usado em frases genéricas, que representam características típicas ou essenciais de espécies ou outros tipo de entidades [...] como se ilustra em (8):

(8) a. Os tigres são animais ferozes.

b. O embondeiro está em vias de extinção. [...]»

Este valor genérico pode também estar associado a orações condicionais que têm o verbo no indicativo e são interpretadas factualmente, também como se assinala na GP (pág. 2021):

«[...] [A]s construções condicionais podem ser classificadas consoante a proposição expressa pelo antecedente (ou seja, a oração introduzida pelo conector condicional) tenha tido lugar, possa vir a ter lugar ou não tenha tido efetivamente lugar. Assim, o primeiro do seguintes exemplos tem uma interpretação factual ou real; o segundo tem uma interpretação hipotética – o João pode vir a estar doente ou não; e o terceiro tem um interpretação contrafactual ou irreal, ou seja, depreende-se que o Rui não esteve doente:

(147) a. Se o Rui estava doente, a mãe telefonava-lhe todos os dias.

         b. Se o Rui estiver doente, a mãe telefonar-lhe-á todos os dias.

  ...

Pergunta:

Qual o plural de «instituição mãe»? Li o vosso artigo sobre o plural de nomes compostos mas não fiquei esclarecida quanto à regra a usar. Nem sei se deve ter hífen ou não e se o hífen muda alguma coisa.

Grata pela atenção.

Resposta:

Aconselha-se o uso de hífen: instituição-mãe, cujo plural poderá ser instituições-mães e instituições-mãe.

A palavra em questão não está dicionarizada, nem talvez venha a estar, porque mãe pode funcionar como um elemento de composição a que certas fontes chamam «determinante específico», quando ocorre posposto a outro substantivo «e significa 'fonte', 'origem' (navio-mãe, ideia-mãe, célula-mãe), 'geratriz' (rainha-mãe), 'principal', 'mais importante' (agulha-mãe, nave-mãe)» (Dicionário Houaiss, s. v. mãe) [1]. Existe, portanto, um grande número potencial de substantivos assim compostos que podem ser atualizados pontualmente em discurso, sem necessidade de terem registo em dicionário.

Geralmente, são hifenizados os compostos formados por dois substantivos, como é o caso. Já o plural pode sofrer oscilações, mas, considerando que mãe se usa metaforicamente como sinónimo de importante, afigura-se mais simples aceitar o plural instituições-mães, se cada uma for isoladamente uma instituição e origem de outra instituição. Se várias instituições forem, no seu conjunto, origem de outras, aceita-se instituições-mãe.

 

[1 N.E. – O Dicionário Houaiss define o critério segundo o qual mãe tem hífen associado, quando é determinante espcíico, com o sentido de «fonte, origem»;  nesta perspetiva, deve escrever-se instituição-mãe. No entanto, não é este um procedimento consensual: por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista como subentrada a mãe as formas não hifen...

Pergunta:

Surgiu uma controvérsia em torno da expressão «tá-se bem», a que, por curiosidade, fui dar num site de conjugação de verbos onde me surgiu o verbo "estar-se". Está todo conjugado e parece-me correcto, embora tenha dúvidas se tal pode ser chamado de verbo. Apesar da dúvida, penso que se trata de assuntos diferentes.

Portanto, no primeiro caso a dúvida é se o correcto é "tá-se", ou "tasse". No segundo caso, se existe este verbo e se o se é um pronome pessoal reflexo que depois nas diferentes conjugações se ajusta ao sujeito.

Desde já agradeço a ajuda que possa receber.

Resposta:

A forma mais adequada não é "tasse", mas, sim, tá-se que, no registo informal, é o mesmo que está-se. A forma estar-se não é um verbo, mas antes uma possibilidade do uso do verbo estar, ao qual se – que é um pronome pessoal, o que significa que o verbo é conjugado pronominalmente – só se associa em certas condições.

Tradicionalmente, está-se e sua variante tá-se (esta só pode ocorrer informalmente) não costumavam ocorrer isoladamente, constituindo por si sós uma frase. No entanto, em associação com um advérbio, faziam e fazem todo o sentido; p. ex.:

1. Aqui está-se/tá-se bem.

Em 1, o se é equivalente a alguém ou até a nós e «a gente», em sentido genérico. Este uso parece estar na origem de dois modismos que têm hoje grande difusão no português de Portugal, sobretudo entre a população mais jovem: «tá-se bem», ou mais simplesmente «tá-se». Nestas duas expressões, figura a forma popular de estar, tar (não se encontra em dicionários gerais1), na 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo , isto é, a forma verbal correspondente a ele ou ela. A variante tar surgiu por queda da sequência es- de estar, isto é, por aférese de es-2.

Convém ainda dizer que certas páginas eletrónicas dedicadas à conjugação verbal devem ser consultadas e apreciadas com algum cuidado, justamente porque podem não tratar a informação gramatical de forma mais adequada, como é o caso "estar-se", que como verbo não tem existência autónoma. O que existe...

Pergunta:

Durante a releitura de Capitães da Areia, do escritor brasileiro Jorge Amado, deparei-me com a palavra treita no seguinte contexto:

«– Tu vai longe, menino. Tu pode enricar com essas treitas» (Capitães da Areia, 2008, p. 45).

Fiquei com a dúvida quanto à acepção da palavra treita no contexto acima e a consulta ao dicionário me levou à palavra treta ou, insistindo na busca do significado, «à treita». No contexto dado, treita, assim ditongada, será alteração fonética de treta com sentido de «ação que se vale de astúcia; ardil, estratagema, manha» (Houaiss, 2009)?

Resposta:

Classificado como brasileirismo, treita pode constituir uma variante de treta, mas não se exclui que seja palavra portuguesa patrimonial de origem latina, com um percurso divergente.

Considerando que em muitos dialetos brasileiros o ditongo ei tende a monotongar-se como e, pode registar-se a tendência contrária, ao interpretar como ditongo uma vogal que nunca o foi. Por outras palavras, numa região onde se diz "manêra", em vez de "maneira", é possível que, por analogia com vocábulos como direita ou maleita, os falantes comecem a interpretar a vogal fechada como supostos ditongos; seria este o caso de treta, que não incluindo historicamente o ditongo ei passou a tê-lo por restituição etimologicamente injustificada1.

Contudo, há que prestar igual atenção à etimologia de treta, «destreza no jogo da esgrima» e, por extensão de sentido, «ação que se vale de astúcia; ardil, estratagema, manha».  Segundo o Dicionário Houaiss, este vocábulo tem origem no castelhano treta, por sua vez adaptação do francês traite,  do feminino substantivado do particípio passado de tractus, a, um, de trahĕre, «tirar, puxar, arrastar, mover, rolar, levar de rojo, atrair, etc.»

Refira-se, porém, que este brasileirismo tem um homónimo relacionado com a atividade agrícola. Com efeito, o Dicionário Houaiss regista treita – do latim tracta, com a mesma etimologia que a referida forma traite, do francês –, nas seguintes aceções: «pegada ou marca deixada por homem ou animal nos caminhos por onde passa; rastro, pista», «nesga de terra; belga» (regionalismo português da Bairrada); «cada uma das faixas de...

Pergunta:

Como se pronuncia balaústre e balaustrada?

Resposta:

O substantivo balaústre, que significa «pequena coluna, geralmente mais grossa no meio do fuste, que se alinha com outros para sustentar um corrimão, uma travessa ou um peitoril» – cf. o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) –, pronuncia-se "bâ-lâ-us-tre" – transcrição fonética  [bɐlɐˈuʃtɾɨ] (Vocabulário Ortográfico do Português – VOP). Separa-se, portanto o u do a precedente, ou seja, ficam estas vogais em hiato, não formando ditongo.

Quanto a balaustrada, que designa uma fila ou barreira de balaústres («parapeito que consiste numa fila de balaústres usado como remate de uma construção ou anteparo de um vão de uma varanda, de uma janela ou de um terraço», segundo o dicionário da ACL), mantendo-se o hiato da base donde deriva, articula-se esta palavras como  "ba-la-us-tra-da" – transcrição fonética [bɐlɐuʃˈtɾadɐ ] (cf. VOP). No entanto, está muito difundida a pronúncia  "ba-laus-tra-da" – em transcrição fonética [bɐlɐwʃˈtɾadɐ] –, em que sequência au é se pronuncia com o mesmo ditongo que se ouve em autor.

Nota-se, portanto, que balaustrada, apesar de derivar de balaústre, oscila entre duas pronúncias e os dicionários dividem-se: se o VOP e o Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira, de 2001) indicam hiato ("a-u"), o dicionário da Porto Editora e o da ACL transcrevem foneticamente a palavra com o ditongo [aw]. Importa també...