Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Muitas pessoas utilizam as palavras deprimente, depressivo e deprimido de diversas formas, confundindo o significado das mesmas, talvez porque a definição que encontram nos diversos dicionários também não estejam suficientemente claras. Sabemos que uma pessoa deprimente é «aquela que deprime». Também posso dizer que uma pessoa que deprime é "depressiva"? Segundo o [dicionário] Priberam, uma pessoa "depressiva" é aquela «que deprime», mas também é aquela «que sofre de depressão». Mas uma pessoa que sofre de depressão não seria "deprimida"? Confesso que confundo bastante o significado dessas palavras. Poderiam ajudar-me a esclarecê-las?

Obrigado.

Resposta:

Deprimente denota aquilo «que deprime», e deprimido, o «que está abatido ou em estado de depressão» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Por outras palavras, deprimente tem sentido agentivo, pois refere-se a quem ou ao que causa depressão, enquanto deprimido se aplica ao alvo, ao paciente da influência que deprime.

Contudo, quando se analisa a semântica do adjetivo depressivo, depressa se repara na sua ambivalência, pois é interpretável como deprimente e deprimido – e não se pense que, entre os dicionários disponíveis, só o dicionário Priberam define assim o adjetivo em causa*. Mesmo assim, é possível ter a perceção de esses dois significados de depressivo emergirem de maneira diferente, em função dos substantivos associados. Com efeito, um «cenário depressivo» é sempre um «cenário deprimente»; no entanto, um «indivíduo depressivo» é geralmente uma pessoa deprimida (ou um animal deprimido) – o que não impede que a sua presença ou o seu estado de ânimo possam ser deprimentes para quem o cerca.

É, pois, legítimo concluir que, pelo menos, no discurso não especializado, depressivo constitui um sinónimo de deprimente, quando modifica substantivos que denotem entidades não humanas. Mas equivalerá geralmente a deprimido, quando se junta a substantivos aplicáveis a pessoas e eventualmente a animais.

* Esclareça-se que no dicionário Priberam não se diz que depressivo é o mesmo que «pessoa depressiva», nem que este adjetivo se associa apenas a pessoas. O que esta fonte ...

Pergunta:

Como devo interpretar «influências exógenas nas comunidades em estudo»?

Obrigado

Resposta:

Por «influência exógena», deve entender-se «influência externa (a determinado âmbito)».

O adjetivo exógeno – cujo x se pronuncia z – é aplicado a qualquer fator «que tem origem no exterior». É formado com elementos de origem grega: exo- (= «fora») + -geno (= «nascimento») – cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL). A expressão apresentada significa, portanto, «influências externas» ou «influências exteriores».

Recorde-se, a propósito, o adjetivo endógeno, um antónimo, por se aplicar àquilo «que tem origem no interior; que é devido a fatores externos (dicionário da ACL). O elemento endo- tem origem grega e exprime a noção de «dentro» (endo-, idem).

Os substantivos correlatos destes dois adjetivos são exogenia e endogenia (ver Textos Relacionados).

Pergunta:

«Os anos que vivi na aldeia que me viu nascer», ou «os anos em que vivi na aldeia que me viu nascer»?

Resposta:

As duas sequências estão corretas, mas ocorrem em contextos diferentes. A seguir, cada sequência é objeto de um breve comentário:

1. «... os anos que vivi na aldeia que me viu nascer»

No sentido de «passar», o verbo viver seleciona um complemento direto: «Vivi muitos anos na aldeia que me viu nascer.» Trata-se, portanto, de um complemento sem preposição, o que significa que numa estrutura relativa também não ocorre a preposição: «Foram vários os anos que vivi na aldeia que me viu nascer.»

2. «... os anos em que vivi na aldeia que me viu nascer».

Esta sequência é possível, se «anos» se referir a um conjunto de anos como unidades cronológicas, de calendário, e viver ocorrer sem complemento direto. Nesse caso, a construção relativa em 2 pressupõe uma frase simples como «Vivi em 2010 e em 2014 na aldeia que me viu nascer». Esta frase permite a construção de uma frase complexa com uma configuração compatível com o uso da preposição antes do pronome relativo: «Fui feliz nos anos em que vivi na aldeia que me viu nascer».

Porém, deve assinalar-se que, tanto na oralidade como na escrita literária, se documenta a omissão da preposição quando esta precede um pronome relativo cujo antecedente tem valor temporal (ver Textos Relacionados). Vasco Botelho de Amaral (Grande Dicionário de Dificuldades Subtilezas do idioma Português, 1958) registou esse uso, observando:

«Que = em que, em expressões de tempo: "a noite que (em que nasceu..."(I, 16); "desde o dia que (em que) o Arcebispo se viu encarregado..." (I, 75). Cf. Vida de D. Frei Bartolomeu os Mártires, Frei Luís de Sousa. O povo e os melhores autores prat...

Pergunta:

Gostaria de saber se a locução conjuntiva «conquanto que» pode ser usada, além de concessiva, como conjunção condicional, pois já a vi incluída em alguns livros no rol das conjunções condicionais e até em sites especializados de língua portugueses [...] ou se apenas foram lapsos.

Desde já fico muito grato se puderem me esclarecer tal dúvida.

Resposta:

Só pode ser lapso, em lugar da locução «contanto que».

A sequência «conquanto que» não é uma locução legítima, porque a forma que está correta e que se usa efetivamente é apenas conquanto, não com sentido condicional, mas com valor concessivo, conforme se observa no Dicionário Houaiss: «introduz uma oração subordinada que contém a afirmação de um fato contrário ao da afirmação contida na oração principal, mas que não é suficiente para anular este último; embora, se bem que, não obstante. Ex.: não concorreu, conquanto pudesse fazê-lo».

Com valor condicional, o que se regista é a locução conjuntiva «contanto que», como subentrada ao advérbio contanto, o qual, curiosamente não parece ocorrer sozinho, de acordo com o Dicionário Houaiss, que, apesar de lhe atribuir o significado de «sob determinada condição», anota que a palavra só figura como parte da locução em apreço. O mesmo faz praticamente o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, que regista contanto como simples elemento da locução contanto que; esta aparece em subentrada, assim definida e abonada: «indica condição e usa-se com o verbo no modo conjuntivo. ≃ CASO, DESDE QUE. Não me importo de ficar até mais tarde, contanto que depois me leves a casa

Pergunta:

Há muitas dúvidas quanto a aplicação do infinito pessoal e impessoal. Muitas vezes, aplico o impessoal, quando em dúvida.

Na frase «a chama do Espírito Santo impulsiona os jovens a respirar (em) e seguir (em), etc.», creio que o infinito pessoal («respirarem») é o mais aconselhável. Qual a forma mais certa?

Resposta:

Na frase em questão, é correto empregar quer o infinitivo pessoal («respirarem e seguirem»), quer o infinitivo impessoal («respirar e seguir»)1.

O verbo impulsionar é como verbo incentivar, e este como os verbos aconselhar, convidar ou obrigar, isto é, trata-se de verbos2 que podem ser seguidos de uma oração com o verbo no infinitivo1. Geralmente, este infinitivo fica no plural, se o seu sujeito estiver no plural (ver respostas aquiaqui e nos Textos Relacionados):

1. A chama do Espírito Santo impulsiona os jovens a respirarem e seguirem o seu caminho.

No entanto, também se aceita que o verbo ocorra no singular, apesar de o seu sujeito aparecer no plural (cf. resposta sobre o verbo convidar):

2. A chama do Espírito Santo impulsiona os jovens a respirar e seguir o seu caminho.

Este comportamento também se verifica nas orações de infinitivo que complementam os outros verbos mencionados.

Observe-se que o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa atesta o uso de impulsionar com um grupo nominal seguido de grupo preposicional: «a má política económica pode impulsionar um país para o abismo». Contudo, na mesma fonte, apresenta-se um exemplo da possibilidade de o complemento nominal se associar...