Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Poderei usar o termo tripulante, em português europeu, ao referir-me um individuo que conduz um automóvel, ou simplesmente está no automóvel, não estando a conduzir, e em ambos os casos sozinho.

Resposta:

O nome e adjetivo tripulante, tal como o nome tripulação e o verbo tripular, ocorre geralmente em referência a quem dirige ou mantém em viagem uma embarcação, um avião ou, até, uma nave espacial, mas não se aplica ao condutor nem ao simples passageiro dum automóvel.

Observe-se que Maria Helena das Neves Moura, no seu Guia de Uso do Português (São paulo, Editora UNESP, 2003), regista tripulação como um «[...] coletivo para pessoas empregadas em uma embarcação ou uma aeronave. • Era um cargueiro de bandeira liberiana e TRIPULAÇÃO italiana que seguia para os Estados Unidos [...]. • O avião tinha uma escala prevista na Namíbia, mas a TRIPULAÇÃO preferiu pousar no Rio para abastecer [...]». Daqui se infere, portanto, que tripulante denota o indivíduo que trabalha num barco ou num avião.

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001), numa visão um pouco mais alargada, que inclui naves espaciais, define tripulante como quem «tripula», isto é, quem «dirige uma embarcação, um avião ou uma nave espacial» ou quem «faz parte do pessoal de bordo». A mesma fonte também não inclui o automóvel entre os meios de locomoção abrangidos pela atividade que o verbo tripular denota: «[tripular] 1. Prover um meio de transporte marítimo ou aéreo de recursos humanos necessários à sua condução, controle ou manutenção; dotar de tripulação. 2. Dirigir um transporte marítimo ou aéreo. ≃ CONDUZIR, GOVERNAR. 3. Desempenhar, alguém, num navio ou avião tarefas que estão relacionadas com determinada função. Cinco homens tripulavam o navio.»

Acrescente-se, no entanto, que tripulante figura também no discu...

Pergunta:

Após leitura da pergunta aqui já colocada, sobre «Quando usar as palavras câmara ou câmera?», e da vossa resposta [n.º 15129], por Carlos Marinheiro/Carlos Rocha em 21 de abril de 2001, verifiquei que o nosso Instituto Português da Fotografia, em artigo próprio no seu site institucional, aborda esta mesma questão, mas contrariando o sentido da vossa resposta dada em 2001, utilizando argumentação que consideraram a mais correcta para a adopção da terminologia seleccionada neste âmbito, baseando-se «(…) na sua versão do Vocabulário de Termos e Designações para a Fotografia existente na Norma NP 4459:versão 2015, que é a Norma Técnica própria para os profissionais da fotografia. Norma esta que foi criada pela Comissão Técnica para esse efeito, a n.º CT174.

Nesse sentido, evidentemente, dou o benefício da dúvida de que o processo de criação dessa Norma, por essa Comissão, possa ter sido feito sem recurso a profissionais de linguística, desconhecendo se o fizeram ou não. Nesse sentido, venho pedir-vos apoio no contraditório aos argumentos aludidos no respectivo artigo dos mesmos que citei, em termos técnico-linguísticos, para poder validar e, adoptar com todo o rigor qual a diferença dos termos câmara vs. câmera, quando nos pretendemos referir ao caso concreto de equipamentos de fotografia ou de filmagem, por exemplo. Link do artigo: https://www.ipf.pt/site/maquina-camara-ou-camera-fotografica-qual-expressao-correcta/

Muito obrigado.

 

[N. E. – O consulente segue a ortografia anterior à entrada do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990]

Resposta:

Tendo o vocabulário da revisão de 2015 da NP 4459 consagrado a forma câmera como denominação de «máquina fotográfica», o que se deve fazer em primeiro lugar é registar o facto, como se fez numa nota entretanto incluída na resposta n.º 15129, e aceitar que o termo se tornou correto mesmo em Portugal. Contudo, não é daqui forçoso concluir que a decisão conducente a tal registo é indiscutível, para mais, quando essa e outras respostas apresentam bons argumentos para preferir câmara, mesmo com a denotação em causa. De qualquer modo, porque não lhe é reconhecido poder em decisões normativas, não cabe ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa exorbitar as suas funções de esclarecimento, aconselhamento e debate de tópicos respeitantes ao funcionamento da língua portuguesa.

Pergunta:

Sei que a palavra marsupialização é o termo usado para um tipo de procedimento médico-cirúrgico, porém, gostaria de saber a origem desse termo.

Quem inventou a palavra? Ela tem alguma relação com o animal "marsupial"? Se sim, no que isso coincide com o procedimento médico em questão?

Resposta:

A palavra em questão é efetivamente um derivado do marsupializar, verbo, por sua vez, derivado de marsupial, como metáfora da forma da cavidade criada por um certo tipo de intervenção cirúrgica: «Tempo de intervenção cirúrgica em que se suturam aos lábios da incisão os bordos da cavidade que ficou, após uma ressecção incompleta de um quisto (hidático ou ovárico), ficando uma bolsa semelhante às bolsas dos marsupiais» (Dicionário de Termos Médicos da Infopédia). O termo foi, portanto, criado pela semelhança que essa cavidade tem com o marsúpio, isto é, «bolsa abdominal, formada por uma dobra de pele, que recobre as glândulas mamárias das fêmeas de muitos marsupiais e que oferece abrigo aos filhotes recém-nascidos», com origem no grego marsípion, ou, «pequena bolsa», por intermédio do latim marsupĭum, ĭi, «bolso, bolsa» (Dicionário Houaiss).

No entanto, para a elaboração desta resposta, não foi possível saber quem cunhou os termos marsupializar e marsupialização nem como se processou a sua difusão. É de supor que as palavras terão nascido em contexto informal, sem que se lhes possa associar um criador preciso.

Pergunta:

Em primeiro lugar, um enorme agradecimento por este vosso espaço: um verdadeiro "Templo do Saber".

A minha dúvida prende-se com as palavras aritmética e dramaturgo que, no manual de Português com que trabalho atualmente, aparecem classificadas como sendo palavras compostas. Não consigo encontrar, na bibliografia que me costuma servir de apoio (gramáticas, dicionários e afins), qualquer explicação que suporte esta classificação. Estará correta? Se sim, quais os elementos que entram na composição de cada uma destas palavras?

Um grande bem-haja pela vossa disponibilidade e partilha.

Resposta:

É muito discutível considerar que aritmética é palavra composta, porque -ética não é um elemento de composição – na verdade, é de natureza sufixal. Já no caso de dramaturgo é possível argumentar que, na presente sincronia do português, existe um elemento de composição que tem a forma -urgo (cf. demiurgo), pelo que o vocábulo é um composto morfológico.

Mesmo assim, é preciso notar que se trata de palavras compostas não em português, mas, sim, em grego antigo ou na sua modalidade classicista, por intermédio de alguma outra língua europeia: «grego arithmétikê (tékhné) 'ciência dos números', através do latim arithmetĭca, ae 'idem'»; «grego dramatourgós, oû 'autor dramático'; provavelmente por influência do francês dramaturge [...] 'idem'» (Dicionário Houaiss).

Em suma, não são estes os melhores exemplos para uma iniciação ao estudo dos compostos morfológicos.

Pergunta:

Tendo descoberto que embora provêm de «em boa hora», gostaria de saber se por exemplo na frase «Vamos embora daqui para fora» o seu uso é o mesmo de agora ou realmente sair para algum lado. Por outro lado ao dizer «Foi-se embora», seria correcto também dizer-se «Foi-se agora». Em Portugal, pelo menos, parece-me que o embora é utilizado como movimento ou ação e não como informação temporal.

Podiam ajudar-me a entender? Obrigado.

Resposta:

A origem do advérbio/conjunção embora é a que se refere na pergunta.

No entanto, a palavra, associada a ir (ou vir), não transmite informação temporal – o que se entende, considerando um caso como «ontem fui-me/vim-me embora mais cedo», em que embora não pode ser sinónimo de agora –, mas aproxima-se de um sentido espacial, de afastamento. Assinale-se, aliás, que embora traduz algumas vezes o advérbio inglês away: «He finished his coffee, stood up, and walked away.» = «Acabou o café, levantou-se e foi-se embora.» (cf. tradução da frase inglês na plataforma Linguee, consultada em 16/10/2018).