Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na Abertura de 16/11/2018, diz-se aí que a palavra mandonismo é um brasileirismo. Será mesmo?

Resposta:

Mandonismo, «abuso, mania do mandão; prepotência» (Dicionário de Caldas Aulete), constitui uma palavra bem formada em português, mas o seu uso mais significativo e a sua fixação em dicionário parecem ter relação especial com o português do Brasil.

Do ponto de vista da sua morfologia, mandonismo deriva de mandão, cujo radical toma a forma mandon- na derivação sufixal: mandon- + -ismo. Esta passagem da terminação -ão a -on não é surpreendente: encontra-se em platonismo, derivado de Platão, e em unionismo, que deriva de união. Quer isto dizer que, mesmo que não tivesse entrada nos dicionários, o vocábulo estaria latente e disponível para ocorrer em discurso, em qualquer variedade da língua portuguesa.

Na perspetiva histórica, porém, nota-se que ao registo de mandonismo.se associa, até época relativamente recente, a classificação de brasileirismo, como se verifica, por exemplo, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) e no Aurélio XXI, ambos enquadráveis na lexicografia brasileira. Os dicionários elaborados em Portugal, disponíveis em suporte impresso, muito raramente acolhem a palavra: embora José Pedro Machado a registe como brasileirismo no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Lisboa, Sociedade da Língua Portuguesa/Publicações Alfa, 1991), o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001) não a consigna. Observe-se, mesmo assim, que os dicionários eletrónicos mantidos e atualizados em Portugal já apresentam mandonismo – cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e dicionário da Porto Editor...

Pergunta:

É certo e sabido, a partir das vossas respostas, que se escreve «Península Ibérica», com maiúsculas iniciais. E «Península Itálica», também? É que seria estranhíssimo lermos num mesmo parágrafo, como acabo de ler, «Península Ibérica» e «península itálica»...

Obrigado, desde já.

Resposta:

Nos normativos da ortografia do português, parece não haver um tratamento claro e satisfatório da grafia dos geónimos formados por península ou outros nomes de denotação toponímica em associação a um adjetivo relacional, derivado de nome geográfico (exemplo, ibérico < Ibéria, itálico < Itália).

Contudo, o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947) de Rebelo Gonçalves recomendava que os apelativos geográficos se escrevessem com minúscula inicial, embora aceitasse exceções como Península Ibérica (ver também aqui). Nota-se depois alguma evolução no número de exceções a esse preceito, porque, em 1966, no Vocabulário da Língua Portuguesa, Rebelo Gonçalves grafava Península Itálica no artigo correspondente à entrada península. Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, continua a indefinição quanto a casos como estes.

Assinale-se, a propósito que, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pp. 1002 e 1020), se propõem dois critérios para o uso de maiúscula inicial em apelativos geográficos, também chamados substantivos descritivos:

Pergunta:

Estudando espanhol, deparo-me com a construção normativa «me lavé las manos», e ainda, lendo Machado de Assis, deparo-me com a construção «Escobar apertou-me as mãos». Interessante que, no dia a dia, fala-se «apertou (as) minhas mãos» ou «beijou (o) meu rosto», mas então, por causa da construção típica da língua espanhola (sendo ela a norma padrão) e do uso dessa construção na literatura portuguesa, comecei a perceber que também se fala «apertou-me as mãos» ou «beijou-me o rosto» no dia a dia.

Por isso, indago sobre essa construção na língua portuguesa e seus aspectos normativos: é possível? É padrão? Ou ainda, qual é a diferença entre «apertou (a) minha mão» e «apertou-me a mão»?

Agradeço antecipadamente a resposta.

Resposta:

O uso espanhol que a pergunta começa por apresentar não existe em português:

(1) «Me lavé las manos.»

(2) «Lavei as mãos.»

Em (2), a frase portuguesa não apresenta o pronome me, ficando subentendida a ideia de posse pelo sujeito do enunciado (posse inalienável).

Contudo, é totalmente correta a construção em que ocorre o pronome me como um objeto indireto:

(3) «Apertou-me as mãos. (= apertou as minhas mãos)»

Esta possibilidade observa-se sempre que o sujeito do enunciado e o pronome oblíquo se referem a pessoas diferentes:

(4) «Apertei-te as mãos. (= apertei a ruas mãos)»

(5) «Apertei-lhe as mãos. (=apertei as suas mãos – dele ou dela)»

 

Cf.  A pronominalização com função de dativo em espanhol e em português e Dativo ético e de posse em português

 

Pergunta:

[...] [D]eíticos, ou dêiticos? Se no termo gramatical português dêixis é reconhecido o ditongo -ei- (e bem!, uma vez que etimologicamente isso se verifica nos vocábulos gregos deiknumi e deixis, de onde procede dêixis), por que motivo na palavra derivada por sufixação (deíticos) esse ditongo se transformou no hiato "-e-í-"?

Grato pela vossa atenção.

Resposta:

A forma mais adequada do adjetivo em questão – entendido como «palavra cuja significação referencial só pode ser definida em função da situação, do contexto, do locutor e do recetor do ato de fala» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) – será dítico ou díctico1. Dêitico (ou dêictico) é também aceitável, enquanto deítico (ou deíctico) menos favor histórico (filológico) tem, embora seja a forma mais usada nos estudos linguísticos, pelo menos em Portugal. O substantivo correspondente tem as variantes díxis (considerada a mais correta), dêixis, deíxis e deixis (esta a menos aceitável).

Começando por dítico, encontra-se o seu registo no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de F. Rebelo Gonçalves, definido como sinónimo de demonstrativo e acompanhado da seguinte observação: «Inexacta a forma deíctico (decalque do francês déictique).» Esta apreciação pressupõe que o acento da grafia francesa não representa um acento de intensidade, mas é antes um diacrítico de timbre vocálico (é uma vogal igual ou semelhante ao e de cedo); a sequência éi pronuncia-se, portanto, "ê-i", articulando as duas vogais separadamente (hiato). O termo francês, que teve voga na investigação linguística portugues...

Pergunta:

Significado da palavra paradocente?

Resposta:

A palavra paradocente ocorre em textos elaborados em Portugal. Figura, por exemplo, como adjetivo na legislação: n

(1) «5 - A formação contínua pode também contribuir para viabilizar a transição dos docentes entre os diversos níveis a graus de ensino e grupos de docência ou para o exercício de actividades especializadas de natureza paradocente.» (Decreto-Lei Decreto 344/89, Diário da República Eletrónico)

Pelo contexto de (1) e atendendo a que o prefixo para- sugere as noções de proximidade ou semelhança – cf. o caso de paramédico = « relativo a atividades relacionadas com a medicina» e «que complementa ou auxilia os serviços médicos» (Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora,na Infopédia) –, depreende-se que paradocente significa «relativo a atividades relacionadas com a docência» e «que complementa ou auxilia a docência».

Refira-se que, pelo menos, potencialmente, a palavra pode também ser usada como substantivo, tal como acontece com paramédico (= « indivíduo que exerce a sua profissão no campo da medicina, realizando atividades auxiliares ou complementares às de um médico», idem). Um paradocente, portanto, será também um indivíduo que exerce a sua profissão no campo da docência ou da escola em geral, realizando atividades auxiliares ou complementares às de um professor».