Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se o adjetivo "obesogénico", por exemplo, «ambiente obesogénico», isto é, ambiente que promove o aumento da obesidade (e.g., ambiente sedentário), pode ser utilizado em língua portuguesa. Trata-se de uma dúvida para uso em artigos científicos e numa tese de doutoramento, com base em outros artigos científicos maioritariamente em língua inglesa, mas também em língua portuguesa, que usam o termo (obesogenic).

Muito obrigada!

Resposta:

Aceita-se e é legítimo o adjetivo em questão.

Trata-se de um termo usado em textos especializados, que já encontrou registo dicionarístico – p. ex. no dicionário da Porto Editora (versão eletrónica - ) –, com o significado de «que causa, promove ou propicia a obesidade» (idem).

Do ponto de vista da sua formação, obesogénico pode ser discutível entre estudiosos mais exigentes com a homogeneidade etimológica dos chamados compostos eruditos, formados por radicais gregos ou latinos, porque associa a um elemento de origem latina, obeso, um elemento de outra proveniência, de origem grega, -génico. Nesta perspetiva, patogénico é um termo bem formado, homogéneo, por juntar dois radicais de origem grega, pato- (do grego clássico páthos, «sofrimento, paixão») e -génico, «relativo à origem, ao desenvolvimento» (que tem por base -genia, elemento que encerra o radical gen-", também do grego, de génos, «raça, tronco, família»). No entanto, há compostos híbridos, que combinam elementos gregos e latinos – basta mencionar bígamo (bi latino + -gamo grego) ou monocultura (mono grego + cultura latino) –, o que legitima a formação de obesogénico.

Pergunta:

Quando me refiro ao desenho de crianças de três, quatro e cinco anos de idade, digo «representação icónica».

Está errado?

Obrigada.

Resposta:

O termo em questão tem uso especializado e está correto.

Ocorre em referência às propostas do psicólogo norte-americano Jerome Bruner (1915-2016), segundo as quais são três os modos de representar o mundo: representação enactiva, representação icónica e representação simbólica. Num artigo intitulado "Bruner e a aprendizagem pela descoberta", disponível no sítio eletrónico do Colégio dos Carvalhos, definem-se os três termos do seguinte modo (mantém-se a ortografia do original, anterior à norma em vigor; texto consultado em 24/01/2019)1:

• O modo de representação "enactivo" consiste em representar coisas mediante a reacção imediata da pessoa. É a representação através da manipulação e acção que ocorre marcadamente nos primeiros anos do indivíduo[, quando] a criança define os acontecimentos pelas acções que evocam. Bruner relacionou-a com a fase sensório-motora de Piaget, na qual ocorre uma fusão entre a acção e a experiência externa.

• O modo de representação icónica consiste em representar coisas mediante uma imagem ou esquema espacial independente da acção. O indivíduo, com o tempo, começa a tornar-se mais autónomo face à acção passando a representar a informação através da organização perceptiva da imaginação, da organização visual e da utilização de imagens, ou seja, já é capaz de representar mentalmente os [o]bjectos apreendidos.

• O modo de representação "simbólica" é aquela que ocorre depois, através das palavras e...

Pergunta:

Como se diz em português? «Resposta/atitude ameaçante» ou «ameaçadora»? «Resposta/atitude intimidante» ou «intimidatória»? «Reagiu de forma insultante» ou «insultuosa»? Ambas as formas são aceitas em cada exemplo?

Obrigado de antemão pela ajuda dispensada.

Resposta:

Apesar de todos os adjetivos em questão estarem corretos, empregam-se preferencialmente os adjetivos ameaçador e insultuoso. As combinações mais correntes são, portanto, «resposta/atitude ameaçadora» e «resposta/atitude insultuosa».

Excetuam-se os adjetivos intimidante e intimidatório, que se combinam de modo semelhante aos nomes em questão, formando sintagmas que não são exatamente sinónimos:

(1) «Resposta/atitude intimidatória» – que tem a intenção de intimidar;

(2) Resposta/atitude intimidante – que intimida.

Pergunta:

Na frase «O João magoou-se», o verbo é transitivo ou intransitivo?

Resposta:

O verbo magoar é geralmente transitivo («o choque/a notícia magoou muito a Joana») e a ocorrência de -se pode ser compreendida por esse comportamento, pelo que que se dirá que «magoou-se» também ilustra o uso transitivo do verbo.

No entanto, numa análise mais aprofundada, observa-se que o pronome reflexo se cancela de alguma forma a transitividade do verbo, razão pela qual certos linguistas consideram que é intransitivo um uso como «o João magoou-se», ou seja, trata-se de um uso próximo do valor inerente de se, conforme se refere no Dicionário Terminológico. Na Gramática da Língua Portuguesa (Caminho, 2003, pp. 841-843) encontra-se este assunto mais desenvolvido.

No contexto do ensino básico e secundário, talvez seja de evitar casos na fronteira entre o se efetivamente reflexo, que decorre da transitividade do verbo (ex. lavar-se), e o se de esquecer-se ou portar-se, casos em que o pronome é considerado meramente como parte da flexão verbal.

Pergunta:

Tenho um colega que documenta a maneira como as pessoas falam em uma vila. Lá, há pessoas que costumam usar «pá pá pá». Elas fazem construções como:

«Encontrei fulana no mercado e ela disse que está muito feliz, que seu filho estuda Medicina, que a namorada dele é linda e "pá-pá-pá".»

Qual seria a melhor maneira de classificar este tipo de construção? Há alguma figura de linguagem que se enquadre nesse caso?

Resposta:

Não conheço um termo preciso que classifique a expressão referida. No entanto, tendo em conta o Dicionário Houaiss (2001), pode considerar-se que é uma expressão imitativa ou onomatopaica (alude aos sons de alguém que fala sem parar, muitas vezes sem se distinguir bem o que é dito), equivalente a blablablá (ou blá-blá-blá), cujo sentido é o de "etc." (et cetera).