Pergunta:
Na explicação sobre os apelidos portugueses [resposta n.º 33455], li a invocação de uma tradição portuguesa que não vi fundamentada em sitio algum que, argumenta o articulista, manda colocar primeiro o(s) apelido(s) maternos e depois os paterno(s), no final. De facto, lá pelos anos 30 do século passado, houve uma lei que, contrariando, precisamente algumas tradições lusas impunha essa regra. Mas foi lei de curta duração.
Quem se dedicar, mesmo como amador, à genealogia verifica que tradicionalmente a utilização de apelidos em Portugal foi sempre muito arbitrária. Há irmãos que possuem apelidos diferentes: uns ficam com o apelido da mãe, outros com o apelido do pai (não raro as filhas ficavam com o apelido da mãe e os filhos com o do pai, mas não era imperativo e as excepções são muitas, o que até faz supor que são regras nalgumas famílias). Não raro se veem apelidos que se "suspendem" por algumas gerações e que depois vêm a ser "recuperados", bem como se transmitirem por via feminina e depois se transmitem por via masculina.
Também é de referir, pelo menos nalgumas zonas da Beira Baixa, a concordância de género entre o apelido e a pessoa que o utiliza. Assim, por exemplo, Leitão-Leitoa, Silveiro-Silveira, Carrasco-Carrasca, Lourenço-Lourença, etc. Registo, para ilustrar, um caso de uma pessoa, do sexo masculino, natural de Caria, Belmonte, que é Silveira, nascido no final do séc. XVII, a filha casa-se numa localidade onde se faz essa concordância de género, sendo, pois, natural que a filha e a neta, sejam Silveira, mas o trisneto passa a ser Silveiro e aí nasce esse apelido Silveiro. Porém, esta concordância de género terá já caído em desuso no século XX.
Há tradições que não "traditam", perdem-se, vão progressivamente caindo em desuso...
Resposta:
Agradeço o reparo e as observações feitas pelo consulente, a quais me permitiram juntar uma retificação e um comentário em nota à resposta em causa.
Gostaria, no entanto, de juntar algumas observações ao que já foi dito sobre este assunto:
– A obrigatoriedade de aos apelidos se seguirem os apelidos paternos ficou consignada, em Portugal, no Código do Registo Civil de 10 de abril de 1928 (art.º 213) e na versão deste código de 1932 (art.º 242) – cf. Nuno Gonçalo Monteiro, "Os nomes de família em Portugal: uma breve perspectiva histórica", Etnográfica, n.º 12(2), 2008, pp. 46. Esta norma não existia nem no Código Civil de 1867 nem no Código do Registo Civil de 1911; e, nas versões que se seguiram aos códigos de 1928 e 1932, desapareceu igualmente tal disposição.
– Se por tradição e tradicional se entende a existência de uma prática muito antiga de colocação dos apelidos maternos e paternos no nome completo, é verdade que não se pode dizer que tal ordem é tradicional. No entanto, não parece descabido falar no enraizamento desta ordem no registo dos nomes completos, pelo menos a partir dos anos 30 do século passado. A atestar que essa ordem ainda hoje é aceite – que, se quisermos, se "naturalizou" e se tornou tradição – é o que se lê na Gramática do Português, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2013 (pág. 1004; sublinhado meu): «[O nome completo] consiste de duas partes: o nome de batismo (também chamado