Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «O livro é deles», qual é a classe morfológica de deles?

Pronome possessivo, ou pronome pessoal contraído?

Resposta:

As formas dele(s) e dela(s) não têm uma classe de palavras própria.

São grupos preposicionais constituídos pela preposição de e pelos pronomes tónicos ele(s) e ela(s), ou seja, trata-se de contrações. Sobre estas formas, observa a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 906):

«Na 3. pessoa canónica, os pronomes possessivos são equivalentes a sintagmas preposicionais introduzidos pela preposição de seguida da forma oblíqua do pronome: ou seja, o seu pai é equivalente a o pai dele, a o pai dela, a o pai deles ou a o pai delas

Obs.: Na citação, por «3.ª pessoa canónica» pretende-se referir o possessivo que corresponde aos pronomes pessoais de 3.ª pessoa, cuja forma de sujeito é ele, ela, eles e elas; por «forma oblíqua», entende-se a forma que o pronome pessoal tem depois de preposição; ex.: «por mim» (eu), «em ti» (tu), «sobre ele» (ele – são iguais a forma preposicionada e a de sujeito).

Pergunta:

É correcto dizer «dicotomia de estatutos»?

Resposta:

É correto empregar a expressão em apreço, como se confirma pelo seguinte contexto (sublinhado nosso):

(1) «A par da orientação mundial de despenalização do consumo, observa-se agora a  crescente  implantação  de  uma  nova  tendência,  o  uso  de  Canabis  nos cuidados de Saúde [...]. É esta dicotomia de estatutos sociais, logo jurídicos, que cabe analisar e é sobre ela que  iremos tomar posição.» (Mafalda D'Almeida Matono Saias Figueira, A Canabis Medicinal no Ordenamento Jurídico Português, Faculdade de Direito, Universidade Nova de Lisboa, 2011, pág. 3)

Neste caso como noutros, a palavra significa «divisão em dois, repartição, oposição entre dois» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. dicotomia). Tem origem no grego dikhotomía, «divisão em duas partes iguais», e chegou ao português por via do francês dichotomie, termo empregado em áreas especializadas como a astronomia, a lógica e a botânica (cf. idem e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001).

Pergunta:

É admissível a utilização da palavra “redenominar”, existente em castelhano, mas que não consegui encontrar em nenhum dos dicionários de português que consultei (Houaiss, Priberam e Porto Editora)? Em caso negativo, qual seria o verbo que melhor traduziria, no nosso idioma, o conceito de mudança de nome, ou de atribuição de uma nova denominação?

Muito obrigado.

Resposta:

Os derivados prefixados com re- nem sempre estão dicionarizados, porque a sua formação é intuitivamente acessível, que favorece a sua alta frequência no uso. Nada há, portanto, contra o verbo redenominar, como forma mais económica de dizer «voltar a denominar» ou «alterar a denominação de».

Em alternativa, pode-se também empregar renomear, que significa «dar novo nome» e já tem tradição de registo dicionarístico (cf. Dicionário Houaiss). Usa-se renomear noutra aceção ainda: «nomear (alguém) novamente»; e refira-se o homónimo renomear, «dar renome, fama, celebriade», um derivado de renome, «celebridade, fama, reputação» (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Qual a regência do verbo configurar?

Resposta:

O verbo configurar é transitivo:

(1) Os movimentos tectónicos configuram os continentes.

Mas, além de um complemento direto, o verbo em questão pode também ter associado um outro complemento introduzido pela preposição em ou pela conjunção como:

(2) O oleiro configurou o barro num vaso.

(3) Configuramos o céu como maravilhoso.

Fontes: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) e Dicionário de Verbos Portugueses (2007) da Texto Editora.

Pergunta:

Na leitura de um livro de António Mota surge a expressão: «pensar as vacas». Gostaria de saber o respetivo significado.

Obrigado.

Resposta:

Supomos que quer referir-se ao uso do verbo pensar, um derivado de penso, «ração para gado», tal como ocorre numa frase de um dos livros do escritor português António Mota (Ovil, Baião, 1957):

(1) «Tinha ido pensar a parelha de vacas velhotas que pacatamente ruminavam na corte muito bem estrumada e emoldurada com um incontável número de teias de aranha que caíam do tecto e tapavam todos os buracos.» (António Mota, A terra do anjo azul. 4.ª ed. Vila Nova de Gaia: Edições Gailivro, 2002, 141/142; citado por Carlos Manuel Nogueira e Geice Peres Nunes, "Os romances infantojuvenis [sic] de António Mota", Nau Literária,  vol. 9, n.º 1)

Este verbo, que é homónimo de pensar (=«refletir, imaginar»), tem uso transitivo e significa, portanto, «dar ração ao gado».