Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se podemos colocar vírgula a seguir a um complemento direto, quando este inicia a frase, como por exemplo na seguinte frase: «O livro, deu-lhe ele.»

E poderá acontecer o mesmo com o complemento indireto?

Muito obrigada.

Resposta:

Entre as fontes disponíveis, total ou parcialmente dedicadas à pontuação1, não se encontraram indicações precisas sobre o uso da vírgula em situações como as descritas na pergunta. Estas configuram as chamadas construções de topicalização, isto é, estruturas resultantes da deslocação de constituintes frásicos da sua posição canónica2 para o começo da frase.

No entanto, mais recentemente, o emprego de vírgula com estas construções é mencionado numa breve observação na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 404, nota 6):

«O estatuto periférico destas posições é assinalado na escrita através de uma vírgula ou, em certos casos, de reticências; na oralidade, as expressões que ocupam estas posições apresentam-se sempre demarcadas entoacional ou ritmicamente do resto frase.»

Conjugando a descrição desta prática com o exame de vários exemplos da escrita de frases na ordem indireta ou com constituintes topicalizados, é possível inferir um conjunto de recomendações – não se trata de regras nem de normas estritas – sobre o uso da vírgula na situação em causa. Assim:

I- Com o complemento direto deslocado para o começo da frase (topicalizado), a vírgula não é obrigatória, quando há inversão do sujeito:

(1) «O livro deu-lhe ele.»3

II- A vírgula torna-se necessária em situações em que o complemento direto topicalizado é seguido pelo sujeito ou retomado por um pronome:

(2) «O livro, ele deu-lhe...

Pergunta:

O “caso” em questão data do ano passado, mas parece-me ter grande importância no actual contexto de perversão da língua portuguesa: a escrita com o Acordo Ortográfico de 1990 e a ortoépia com o “lisboetismo” (permitam-me o barbarismo).

Um consultante solicitou ao Ciberdúvidas qual a leitura correcta do ditongo /ei/. A resposta de um tal Carlos Rocha (a 14/12/18) é de antologia! Diz o senhor Rocha :

“ … feira, maneira e deixei, soam () como "fâirâ", "mânâirâ" e "dâixâi"… !

O senhor Rocha deve considerar que Portugal é o Terreiro do Paço… A pronúncia a que se refere não corresponde à realidade da maior parte das regiões do país. É, sem dúvida, a mais propagada pelos principais meios de comunicação nacionais – rádios e televisões – cujas sedes se situam invariavelmente em Lisboa. O ditongo /ei/, em galaico-português, pronuncia-se como /ei/ : Oliveira (não Olivâirâ"), peixeira (não pâixâirâ")… Talvez o senhor Rocha considere que deve pronunciar-se frio como “friu” e rio como “riu”.

A ortoépia das diversas regiões do país merecem respeito, mas a origem da língua portuguesa é nortenha, e por mais capital que seja Lisboa, o sotaque que tanto divulgam não é uma regra para todos. Recorde o senhor Rocha (e também a Ciberdúvidas que o publica), que Portugal não se limita – por enquanto – à área da Grande Lisboa.

Resposta:

Da resposta em causa não se pode concluir que há menosprezo em relação aos dialetos do norte de Portugal – nem, já agora, pelos dialetos do sul e das ilhas, esquecidos na crítica que me é dirigida –, porque identificar e descrever um padrão de pronúncia não equivale a censurar ou a rejeitar outras realizações fonéticas. Se assim fosse, então, muito difícil seria elaborar estudos de dialetologia, os quais frequentemente se apoiam no contraste entre norma e os diferentes tipos de variação de uma língua, de que são parte os chamados falares regionais.

Esclareça-se igualmente que classificar outras pronúncias como não normativas não é consequência da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90). Pensá-lo é incorrer numa confusão, porque as modalidades consideradas regionais têm sido identificadas em áreas de funcionamento estritamente linguístico, como sejam a fonologia/fonética, a prosódia, o léxico, a morfologia ou a sintaxe. Se tem cabimento acusar o AO 90 de ignorar a diversidade regional da língua, convém perceber que essa exclusão não é de agora. Com efeito, trata-se de uma atitude que não só é antiga, como também se tem mantido inerente à normativização da língua, a qual, geralmente, passa por uma seleção de variadas formas de entre as que se desenvolveram e fixaram entre comunidade regionais, grupos sociais e situações de comunicação.

Quanto ao lisboetismo supostamente militante e perversamente invasivo subjacente à resposta em causa, talvez o consulente queira evocar as chamadas atitudes linguísticas, que podem traduzir-se na valorização arbitrária (positiva ou negativa) de usos e subsistemas linguísticos. A fixação da norma não é incompatível com a variação sempre existente num sistema linguístico; e tem sido graças à atividade de descrever es...

Pergunta:

Como pronunciar a palavra gaivotinha: com o aberto ou fechado? Porquê?

Obrigada.

Resposta:

Em Portugal, muitos falantes pronunciarão gaivotinha com [u] – "gaivutinha" –, mas é também numeroso o grupo que articula a palavra com o aberto – gaivotinha. São legítimas ambas as maneiras de pronunciar.

Considerando a pronúncia padrão, baseada nos dialetos e socioletos do eixo Lisboa-Coimbra, será de esperar que o o passe a u, por causa da regra geral de redução das vogais átonas, tão característica do português de Portugal. Por outras palavras, assim como o aberto de sol se reduz a [u] na palavra derivada solar (soa "sular"), porque passou a estar em posição átona, também o o de gaivota, que é tónico, se torna [u] no derivado gaivotinha, porque, neste último caso, a sílaba -vo- deixa de receber acento tónico (a palavra pronuncia-se "gaivutinha", sendo ti a sílaba tónica).

No entanto, em Portugal, os diminutivos sufixados por -inho podem revelar outra tendência, geralmente identificada com os dialetos setentrionais, pela qual não se reduz a vogal tónica da chamada palavra primitiva na derivação. Nesse caso, gaivota, que tem o aberto na sílaba -vo-, tem a mesma vogal aberta no diminutivo gaivotinha,que se pronuncia "gaivòtinha", com "o" aberto, mesmo em posição átona. Outros casos semelhantes se registam: copinho, que na pronúncia padrão tem o aproximadamente pronunciável como o [u] de suar – "cupinho" –, pode ocorrer também com o aberto, com o mesmo timbre que tem em copo.

Pergunta:

Como se escreve a posição em que um atleta registou numa prova: «8.º da geral» ou «8ª à geral»?

Grato

Resposta:

A forma mais correta é «8.ª da geral».

A expressão subentendida pelos usos em questão é a seguinte: «8.ª posição da classificação geral». Encontramos frequentemente esta construção nas notícias sobre competições desportivas

(1) «O português José Gonçalves terminou a corrida na 14.ª posição da classificação geral [...]» ("Froome vence etapa final e torna-se líder do Giro", A Bola, 25/05/2018)

Pergunta:

Gostaria de saber qual o gentílico para a capital do Camboja, Phnom Penh, e para a capital do Vietnã, Hanói.

Desde já, agradeço.

Resposta:

Não existem formas com uso frequente ou estabilizado, mas, teoricamente, os gentílicos em questão poderão ter as formas penome-penense e hanoiense, que ainda não encontraram registo nem em dicionários nem em vocabulários ortográficos. Nestes casos, não querendo arriscar neologismos, podem empregar-se em alternativa as perífrases «os habitantes/naturais de Pnom Pene/Hanói».

Convém esclarecer que, para o nome da capital do Camboja, mais conhecido na sua forma internacional Phnom Penh, o Vocabulário Toponímico do Vocabulário Ortográfico Comum (Instituto Internacional da Língua Portuguesa), fixa a forma Penome Pene. Outros aportuguesamentos estão disponíveis: o Código de Redação do português na União Europeia estabelece a forma portuguesa Pnom Pene; também se encontra outra adaptação, mais antiga, proposta pelo Dicionário Enciclopédico Lello (1977) – Pnom Penh.

Acrescente-se que o país cuja capital é a cidade de Hanói tem, em português, duas formas: Vi...