Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a designação correta para os habitantes e/ou nativos da localidade da Foz do Arelho (concelho das Caldas da Raínha)?

Resposta:

Em relação aos habitantes/naturais de Foz do Arelho (Caldas da Rainha), usa-se o gentílico fozense, como ilustra em exemplo retirado da imprensa da região:

(1) «Em 2006, o fozense Jaime Umbelino (escritor, linguista, docente e cronista) legou a sua casa à Junta de Freguesia local para que após a sua morte (que aconteceu em 2007) o espaço fosse recuperado e transformado numa casa-museu.» (Gazeta das Caldas, 14/09/2018)

Em relação à localidade de Arelho, no concelho de Óbidos, emprega-se arelhense, como comprova a existência de uma entidade denominada Centro Social Cultural Recreativo Arelhense.

Cf. Lista de gentílicos

Pergunta:

Retorno à consulta feita por mim e respondida em 13/02/2019, para saber qual seria a melhor escolha para a pontuação para o final da frase «Com que então, o maroto do tio Jonas enviava aquele montão de inutilidades sem ao menos apreciá-las completamente(!?)»

Ponto de interrogação ou de exclamação?

Obrigado mais uma vez.

Resposta:

As frases em que ocorre a expressão «com que então» podem exprimir um leque variado de emoções e sentimentos e realizar-se de formas distintas. Esta diversidade é codificada na escrita por diferentes sinais de pontuação, sem que se possa definir uma regra precisa, a não ser a que decorre das convenções usuais.

Assim, tais sequências podem terminar com ponto de interrogação, de modo a identificar uma frase de tipo interrogativo, que, exprimindo surpresa, não tem de ser forçosamente uma pergunta genuína:

(1) «Com que então a tua mãe continuou sempre a dar-se com a Maria Antónia?» (David Mourão Ferreira, "Tal e Qual o que Era", in Gaivotas em Terra, Lisboa, Editorial Presença, 8.ª edição, 1996, pág. 53).

No entanto, também há casos de associação de um ponto de exclamação, também a exprimir surpresa e até censura:

(3) «Com que então, só minha prima é que mereceu uma valsa! » (Machado de Assis, A Chave)

E também se encontram casos que rematam em reticências, sugerindo que mais haveria a dizer como censura trocista ou manifestação de algum desconcerto:

(4) «[...] Às vezes, lá em casa, ponho-me a pensar: o que é que sentirá uma galinha?

– Um galinha? – perguntou o engenheiro.

Pergunta:

Qual a grafia e pronunciação correctas[*]: "hemóstase" ou "hemostase"? Pronuncia-se como metástase?

As referências que encontrei [no dicionário Priberam e no sítio Educalingo] apontam para "hemóstase", mas, tendo em conta a origem da palavra (hemo+stasis), esta acentuação soa-me bizarra. 

[* Manteve-se a grafia correcta, anterior à norma ortográfica em vigor.]

Resposta:

 A forma correta é hemóstase – «ação ou efeito de estancar uma hemorragia» –, do grego haimóstasis, eós 'medicamento para reter o sangue', o que significa que o termo português mantém, do grego, também a acentuação proparoxítona (isto é, esdrúxula).

Mesmo assim, existem oscilações, como observa o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001):

«[...] sendo breve a vogal radical grega, há o pressuposto de que tais compostos devam ser proparoxítonos, mas em verdade muitos deles, por uso, são preferentemente usados como paroxítonos, sobretudo na linguagem médica em geral, havendo, porém, dentro da própria área, esforços em favor da proparoxitonia: algóstase, anástase, antiparástase, antiperístase, apocatástase, apóstase, bacterióstase, catástase, diástase, epístase, halístase, hemóstase, hipóstase, isóstase, mesóstase, metástase, perióstase, perístase, próstase, zigóstase [...].»

De qualquer forma, hemóstase é a forma que há muito se fixou em português, pelo menos, numa perspetiva erudita, fundada na filologia (cf. Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966, de Rebelo Gonçalves, que era um classicista).

Pergunta:

O termo monotético parece fazer parte do vocabulário do português do Brasil, (significando «uma classificação que utiliza apenas um critério diferenciador»1) assim como da língua inglesa (monothetic: "That assumes or is based on a single essential element or idea"2).

Haverá alguma expressão, no português de Portugal, com significado similar?

1 Dicionário Informal, em linha.

2 Oxford English Dictionary, em linha [tradução livre da frase em inglês: «que supõe ou é baseado num único elemento ou ideia essenciais»]

Resposta:

A palavra em questão pode efetivamente ser atestada, com o significado indicado pelo consulente, no português de Portugal, como termo especializado em textos da área das chamadas ciências exatas e experimentais. Exemplo (sublinhado nosso):

(1) «Computacionalmente os   métodos   divisivos são   geralmente   exigentes.   No   caso particular  das  variáveis  serem  binárias, os métodos  divisivos,  conhecidos  por  métodos monotéticos, são computacionalmente mais eficientes.» (António da Costa Fernandes, Análise de conglomerados: comparação de técnicas e uma aplicação a dados de fluxo migratório em Portugal, tese de mestrado, Universidade de Aveiro/Departamento de Matemática, 2017, p. 34)

Noutras áreas de estudo, sem parecer um termo especializado, surge como neologismo usado como sinónimo de monolítico, rígido, inflexível, palavras que se apresentam em alternativa. Exemplo (sublinhado nosso; manteve-se a ortografia do original citado):

(2) «Assim, assumimos que  a  nossa  postura  é  informada  pela  perspectiva  feminista  crítica defendida por Nogueira, Saavedra e Neves (2006) –pautada por um olhar contextualizado, que se  afasta  de  generalizações  abusivas,  homogeneizadoras  e  monotéticas  que  constituem  a perpetuação  de  assimetrias  sociais –informada pela  teoria  crítica,  construccionismo  social  e análise de discurso.» (Sara Isabel Almeida ...

Pergunta:

Recentemente vejo vários filmes serem promovidos como tendo sido «nomeados "a óscares"». Não deveria ser «nomeados para óscares»?

Qual destas frases está correta?

«Os filmes Roma e A Favorita foram nomeados para dez óscares.»

«Os filmes Roma e A Favorita foram nomeados a dez óscares.»

Muito obrigado.

Resposta:

Deve dizer-se «nomeado para (cargo/prémio)», e não «nomeado a (cargo/prémio)».

Em referência a uma pessoa selecionada para ocupar um cargo ou função, receber um prémio ou candidatar-se a um concurso, emprega-se o verbo nomear (e o seu particípio passado, nomeado) de acordo com o esquema «nomear alguém para», salientando a finalidade da nomeação, como se pode confirmar, por exemplo, pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), na entrada nomeado: «Foram três os filmes nomeados para o grande prémio» (ver também o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Texto Editores 2007 e Dicionário Sintático de Verbos Portugueses, Livraria Almedina, 1994).

É igualmente possível falar dos «nomeados dos óscares de Hollywood» (dicionário da ACL), utilizando a preposição de, para subentender a relação entre o referido prémio e a lista de candidatos.

Menos aceitável se torna a expressão «nomeado a dez óscares», uma tentativa de encurtar a sequência mais extensa «nomeado para candidato a óscares». Conclui-se que «nomeado a» resulta da confusão com o uso de candidato, substantivo cuja regência é construída com a preposição a («candidato a»).