Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a forma correta do nome: "Gertrude" ou "Gertrudes"? Ou ambas são aceitáveis?

Obrigado.

Resposta:

A forma fixada pela tradição normativa é Gertrudes, conforme regista o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves. Este mesmo autor refere, como de uso popular, a forma Estrudes, mas não inclui "Gertrude" como eventual variante.

Gertrudes" é igualmente a entrada deste nome próprio no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003), de José Pedro Machado, que lhe dá como origem o francês Gertrude, este, por sua vez, empréstimo do alemão Gertrud, por via alsaciana. O aportuguesamento exibe um -s, que Machado atribui à fonética popular (adição de um segmento no fim da palavra, ou seja, paragoge). Este autor menciona ainda que a variante Estrudes resultará de uma reinterpretação fonética do nome a partir de outra variante "G'trudes". Embora Machado não explique esta relação, é provável que, por queda do e da primeira sílaba (aférese), o segmento g (uma fricativa pré-palatal sonora) tenha ensurdecido por assimilação à consoante t, também surda, fazendo a palavra soar "chtrudes".

Como se disse, é nome de origem alemã, segundo ainda Machado (op. cit.) um composto dos elementos germânicos gari-, ger-, «...

Pergunta:

O é da palavra xibolete pronuncia-se aberto ou fechado?

Resposta:

A palavra xibolete, que significa «gesto ou sinal usado como meio de identificação; senha» e «característica que permite distinguir ou identificar um indivíduo como pertencente (ou não) a determinado grupo» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, disponível na Infopédia), pronuncia-se geralmente com e aberto.1

Este vocábulo tem origem no hebraico shibboleth – na escrita hebraicaשִׁבֹּלֶת –, que significa sobretudo «espiga», mas também «curso de água, torrente». A esta palavra associa-se um episódio incluido no Antigo Testamento, mais precisamente no livro dos Juízes 12, 4-6. Segundo esse relato, o povo de Efraim, derrotado pelo de Guilead, pôs-se em fuga e pretendeu atravessar o rio Jordão, guardado pelos vencedores. Para identificarem os fugitivos, os de Guilead obrigavam quem pretendia franquear o rio a pronunciar shibboleth (som inicial igual ou parecido ao x de xaile). Os efraimitas eram sempre apanhados e executados, porque só conseguiam pronunciar sibboleth (consoante inicial igual ou parecida ao s de seta).

 

1 Apesar de na Infopédia se transcrever a palavra com o símbolo fonético do e fechado – [e] –, a entrada nos dicionár...

Pergunta:

Disseram-me que a relação que se estabelece entre família e pai é de hiperonímia-hiponímia. Ainda assim, pergunto se a relação de holonímia-meronímia também pode ser considerada válida.

Grata.

Resposta:

É erróneo considerar pai como hipónimo de família, porque pai não define um subtipo de família, nem esta é propriamente uma palavra com um significado mais geral. Não há, portanto, uma relação de hierarquia entre as duas palavras que faça de família um termo superordenado (ou hiperónimo) e de pai uma especificação da noção associada a família (hipónimo)1.

A classificação descritivamente adequada ao caso de família e pai é a relação parte-todo, isto é, a relação entre merónimo e holónimo2.  Assim, família denota um todo que inclui a entidade denominada  pai, enquanto pai, definível como «um dos membros de uma família», denota um elemento participante de um todo denominado família. Diz-se, portanto, que família é um holónimo (refere um todo), e pai, um merónimo (refere uma parte de um todo).

Acrescente-se que o verbo ser permite identificar um hipónimo com o seu hiperónimo, mas não um merónimo com o seu holónimo3:

(1) «Um cão é um animal.»

(2) ?«Um pai é uma família.»

Em (1), a definição de cão é identificada com a de animal, que é o termo mais geral (hiperónimo). Contudo, a estranheza de (2) sugere que a definição de pai não corresponde a uma especificação do todo denotado por família4.

As relações parte-todo sã...

Pergunta:

Tenho esta dúvida: os diminutivos dos nomes das pessoas também perdem o acento?

Por exemplo: Álvaro – "Alvarinho" ou "Àlvarinho"? Rúben – "Rubeninho" ou "Rùbeninho"? Tomás – "Tomazinho" ou "Tomàzinho"?

Muito obrigado.

Resposta:

Confirmamos que os nomes em questão perdem o acento gráfico nos diminutivos:

(1) Álvaro – Alvarinho (ou Alvarito, ou, ainda, Alvarozinho

(2) RúbenRubeninho (ou Rubenzinho, ou, ainda, Rubenzito)

(3) TomásTomasinho (com s, como adeusinho, de adeus)

Já se usou acento grave nos diminutivos e outras palavras derivadas de palavras graficamente acentuadas.Era quando o diminutivo de Álvaro tinha a grafia "Àlvarinho" (ou "Àlvarito" ou "Àlvarozinho"), a de Rúben, "Rùbeninho" (ou "Rùbenzinho") e a de Tomás corresponderia a "Tomàsinho" (ou "Tomàsito"). Com a  alteração que remonta a 1973 – há quem lhe chame «a minirreforma ortográfica de 1973» – suprimiu-se o acento gráfico nesses casos. Na norma ortográfica vigente também não se aplica acento a tais diminutivos².

 

¹ Os diminutivos formados com o sufixo -ito/ita mantêm certa vitalidade, como alternativa às formas predominantes, em -inho/inha.

² Cf.  ...

Pergunta:

Sempre considerei que a grafia (e a pronúncia) da palavra nogado deveria ser assim mesmo, ou seja, sem acento e tendo como sílaba tónica a sílaba ga.

Hoje tive ocasião de ver uma reportagem da RTP [1] onde não só se escrevia como se pronunciava "nógado". Em todos os dicionários onde procurei só mencionam nogado, com exceção da Infopedia, que admite as duas formas.

A minha dúvida é se "nógado" é simplesmente uma versão corrompida da palavra original, que ganhou força por via da repetição, ou se existe algo mais que justifique a adoção dessa forma, que me parece estranha e afastada tanto do latim nucatus quanto do francês nougat (havendo até a versão nugá na língua portuguesa).

Muito obrigado pela atenção.

 

[1 O consulente refere-se a um apontamento da RTP sobre um nógado de mais de 60 m, confecionado para assinalar os festejos do Carnaval de 2019 na localidade de Vimieiro, no concelho de Arraiolos (Évora).]

Resposta:

O registo da maioria dos dicionários mais ou menos recentes tem a forma nogado, como denominação de um doce feito com nozes, amêndoas, amendoins ou pinhões e caramelo ou mel. Esta forma soará "nugado".

No entanto, é antiga uma variante – hoje talvez mais alentejana, mas também localizável no Algarve, pelo menos, no nordeste desta região - em que o o de nogado é aberto e, ao que parece, tónico, tornando a palavra esdrúxula (com acento tónico na antepenúltima sílaba). Esta variante não é assim tão recente, pois está atestada há mais de cem anos, por exemplo, na Revista Lusitana, dirigida por J. Leite de Vasconcelos, nos volumes I (1887-1889, p. 262), mais precisamente como palavra esdrúxula usada na aldeia de Rio Frio, nos arredores de Bragança, e no volume X (1907, p. 268), onde aparece no apêndice a um vocabulário alentejano e com uma grafia que, embora indique o timbre aberto do o, não garante que se trate de esdrúxula.

Importa também realçar que nógado denomina um doce que não coincide exatamente com a definição acima indicada, porque consiste em pedacinhos de massa frita envolvida em mel. Justifica-se, portanto, a aceitabilidade desta forma, pelo menos, em referência ao referido doce.

Observe-se ainda que nógado pode ser um cognato do castelhano nuégado: (cf. dicionário da Real Academia Espanhola). Com efeito, não se exclui que seja um empréstimo ou que tenha recebido influência da forma castelhana, como sugere