Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na leitura de um livro de António Mota surge a expressão: «pensar as vacas». Gostaria de saber o respetivo significado.

Obrigado.

Resposta:

Supomos que quer referir-se ao uso do verbo pensar, um derivado de penso, «ração para gado», tal como ocorre numa frase de um dos livros do escritor português António Mota (Ovil, Baião, 1957):

(1) «Tinha ido pensar a parelha de vacas velhotas que pacatamente ruminavam na corte muito bem estrumada e emoldurada com um incontável número de teias de aranha que caíam do tecto e tapavam todos os buracos.» (António Mota, A terra do anjo azul. 4.ª ed. Vila Nova de Gaia: Edições Gailivro, 2002, 141/142; citado por Carlos Manuel Nogueira e Geice Peres Nunes, "Os romances infantojuvenis [sic] de António Mota", Nau Literária,  vol. 9, n.º 1)

Este verbo, que é homónimo de pensar (=«refletir, imaginar»), tem uso transitivo e significa, portanto, «dar ração ao gado».

Pergunta:

Gostaria de saber qual a etimologia do nome Gonçalo, já que há várias "teorias" a circular na Internet e não sei em qual acreditar.

Obrigado!

Resposta:

É um antropónimo de origem talvez parcialmente germânica – provavelmente do gótico –, formado por gunthi, gundja ou gundi (= «combate») e um outro de forma e etimologia controversas – saluus ou salvus –, que Leite de Vasconcelos (Antroponímia Portuguesa, 1928, p. 30) hesitava entre atribuir ao latim ou relacioná-lo também ao germânico.

As formas medievais deste nome oscilam o radical Gundisalv- e o radical Gunsal(v)- (ver Dicionário Onomástico Etimológico de José Pedro Machado). O apelido Gonçalves corresponde a um patronímico formado a partir do segundo radical, na variante Gunsalv-.

Pergunta:

Na frase «O mundo, como destas amostras se pode concluir, não promete soberbas felicidades», como se classifica a oração que está entre vírgulas?

Resposta:

A oração em questão parece uma oração comparativa, e, no quadro da terminologia aplicada em Portugal ao ensino não universitário – a do Dicionário Terminológico –, é esta a classificação possível.

No entanto, em estudos mais aprofundados, considera-se que se trata de uma oração subordinada adverbial conformativa, isto é, uma oração que envolve «epistemicamente o falante ou o ouvinte relativamente ao conteúdo da oração principal, ou [é usada] pelo falante para atribuir esse conteúdo a uma determinada fonte» (E. B. Paiva Raposo et al. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 2028); ou seja, trata-se de uma oração que condiciona o valor de verdade do conteúdo de todo o enunciado. Este tipo de orações também é referido em obras muito menos recentes, como acontece com na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, 1984, p. 604), de Celso Cunha e Lindley Cintra.

Observe-se, por último, que, no ensino básico ou secundário de Portugal, o exemplo em discussão não será o mais adequado para o estudo das orações comparativas. 

Pergunta:

As palavras francês, vendaval e garagem são palavras derivadas?

Resposta:

A palavra francês deriva do radical de França, ou seja, franc-, que ocorre, por exemplo, em franco, na aceção de «nome de povo da Germânia que invadiu o Norte da Gália».

Contudo, os outros dois casos não são palavras derivadas, mas, sim, empréstimos provenientes do francês:

vendaval – «[do] francês vent d'aval 'vento de baixo, vento da costa', por oposição a vent d'amont 'vento do nascente; vento do interior' [...]»  (Dicionário Houaiss, 2001).

garagem – «[do] francês garage (1802) 'ação de fazer os barcos entrarem em uma doca', (1865) 'ação de fazer os vagões de trem entrarem em uma estação', (1891) 'galpão de veículos, garagem'» (idem; as datas são relativas a atestações dos significados da palavra).

Pergunta:

Diz-se esmaiar-se, ou desmaiar-se?

Obrigado.

Resposta:

Na norma-padrão do português, diz-se desmaiar. A forma esmaiar também tem registo nos dicionários, mas é uma variante pouco ou nada usada atualmente (cf. Corpus do Português de Mike Davies). Esta, com origem no latim *exmagāre 'perder as forças', é mais antiga que desmaiar, forma que terá surgido por reinterpretação de es- como o prefixo des-1.

Note-se que o verbo, na aceção de «perder os sentidos», é geralmente usado intransitivamente e sem o pronome se: «ele desmaiou». No entanto, pode ter associado um pronome reflexo, quando significa «perder a cor» (cf. J. Malaca Casteleiro, Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Texto Editores, 2007, s. v. desmaiar).

1 Cf. 1.ª edição (2001) do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (desenvolveram-se as abreviaturas). A etimologia proposta por esta fonte é algo contraditória, porque filia esmaiar no francês, ao mesmo que a considera forma vulgar do português: «[Do] francês antigo esmaïer 'espantar-se, desfalecer', do latim *exmagāre 'perder as forças', derivado do germânico magan 'ter força, poder'; de mesma origem, ocorrem em português [a] forma erudita esmagar e a vulgar esmaiar, que, por permuta do prefixo, se tornou desmaiar [...].»