Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

* Aportuguesamento da marca registada X-ACTO®

Por simples análise à palavra x-acto [ɛks-aktou], fica evidente que a corruptela X-ATO, tanto em forma escrita como fonética, e outras semelhantes da marca X-ACTO® [ɛks-æktou] resulta[m] do afastamento erróneo do dífono [cs] representado pela letra xis na sua primeira sílaba x-, cuja pronúncia [ɛks] é completamente desarticulada mediante a sua substituição pela forma escrita xis, que é o nome da própria letra. Na sequência fonética x-acto [ɛks-æktou], a articulação do xis é insuprível pelo seu próprio nome, na medida em que o xis aqui não é uma figuração ou adjectivo de incógnita ou unidade desconhecida, mas o xis do alfabeto latino pronunciável pelo dífono [cs] com o apoio vocálico [ɛ].

* Origem e formação da marca registada X-ACTO®

Ao decompor-se a marca X-ACTO®, pronunciada em inglês [ɛks-æktou], fica demonstrado que a sílaba inicial X- originalmente é uma corruptela criada de propósito (ainda no início dos anos 1930) com o adjectivo castelhano exacto, que se pronuncia [ɛks-aktou] para se chegar à escrita truncada X-ACTO, porém mantendo sempre a mesma pronúncia [ɛks-aktou]; e para esse fim a vogal e- foi suprimida no início da primeira sílaba ex- na sequência fonética do adjectivo em castelhano exacto, cuja grafia, por acaso, então em 1930, era igual à grafia de igual adjectivo em português, e articulado de modo quase igual. Aliás, a supressão da vogal e inicial não dificulta o reconhecimento do adjectivo exacto [ɛks-aktou], quer seja pronunciado em castelhano, quer seja em português, ou ainda em inglês [ɛk...

Resposta:

Agradece-se ao consulente a extensa exposição sobre o uso do nome comercial X-Acto em Portugal. Pode concordar-se com ela em muitos pontos, sobretudo quanto aos que permitem ajuizar que x-ato não será a melhor grafia para a palavra em questão. Observe-se, porém, que é possível e até legítimo escrever xisato (ou xis-ato) apenas atendendo à fonética popularizada entre falantes de Portugal. Trata-se, é certo, de uma forma popular, que se confinará ao registo informal, se outro termo não houver para nomear a ferramenta em apreço.

Este caso encontra algum paralelo noutro exemplo, o de peclise um aportuguesamento fonético e nada criterioso da expressão francesa pied à coulisse –, que, embora registado em alguns dicionários, tem associada à respetiva entrada a indicação de uso que a relega para o registo informal. Assim, pode achar-se (ou acha-se mesmo) que paquímetro constituirá o termo mais adequado, como termo técnico de formação erudita, em princípio, de consagração normativa menos discutível, e, talvez por isso, sem o estigma de iliteracia que rodeia a génese de peclise. Com x-ato, acontece, no entanto, pelo menos, em Portugal, que a alternativa lexical existente, constituída pelas palavras estilete e bisturi, não parece ter uso tão extenso ou tão saliente, situação indicativa de que, no fim de contas, o caso de peclise não trará grande ajuda.

Por outro lado, a grafia x-ato, como atualização de x-acto no quadro da norma ortográfica em vigor, não parece corresponder ...

Pergunta:

Gramáticos há que rechaçam a expressão «outro que não», dando-lhe como alternativa «outro que» (nunca «outro que não eu», mas «outro que eu», a título de exemplo).

Qual a explicação de tal?

Resposta:

A construção «outro que não...» está correta.

A estrutura em questão foi rejeitada por certos puristas, como Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998), que a considerava «canhestra tradução de "other than that" [que] anda a aparecer em jornais» (Dicionário de Questões Vernáculas, São Paulo, Livraria Ciência e Tecnologia Editora, 1994); e, com efeito, os exemplos que Mendes de Almeida censurava acusavam sinais de má tradução.

Contudo, é duvidoso que a sequência «outro que não...» seja, por si só, um anglicismo sintático, dado que a construção ocorre, afinal, em textos de escritores portugueses e brasileiros dos séculos XIX e XX, a respeito dos quais não se afigura provável existir uma especial relação com a língua inglesa (exemplos retirados do Corpus de Português, de Mark Davies):

(1) «"O rebanho parecia ser o mesmo, lá isso.. Agora o pastor é que podia ser outro que não a Rosária."» (Trindade Coelho, "Idílio rústico" in Os meus amores: Contos e baladas, 1891)

(2) «Sobre a nomeação recaiu em outro que não o seu candidato. » (Machado de Assis, Epistolário)

(3) «[...] concluiu Lima Ventura, que a ideia de homenagens a outros que não a si próprio não era de molde a entusiasmar.» (Júlio Dantas, Abelhas Doiradas, 1912)

(4) «O pior era quando o faziam subir, e apareciam outros que não o Travancas.» (José Régio,

Pergunta:

[Sobre a expressão «boca do metro»] tenho uma dúvida:  é «boca do metro» ou «entrada do metro»?

Acho que a segunda opção é correta, mas também tenho encontrado a primeira opção  na  Internet. Qual é a  correta?

Resposta:

Em Portugal, as expressões mais correntes são «entrada do metro» ou «saída do metro» – consoante a perspetiva. Note-se, porém, que «à boca do metro» é locução legítima, com algum tom informal, que pode igualmente ocorrer, como se atesta em textos jornalísticos e até literários:

(1) «Cerca de 25% dos universitários que arrendam casas através da J.M.Simões escolhem T1 em condomínios onde a renda atinge os mil euros, situados "à boca" do metro.» (Jornal de Notícias, 29/09/2008).

(2) «Para Maria, esta estação, que é grande, ganha vida nas horas de ponta, visto que tem terminais de autocarros à boca do metro.» (ESCS Magazine, 6/012/2015)

(3) «Passaram as nove e as nove e meia, as dez e as dez e meia, as onze horas da manhã, com o sol a entrar toldado na boca do metro.» (Lídia Jorge, Notícia da Cidade Silvestre, Publicações Dom Quixote, 1994)

Pergunta:

Acabo de ler a atualização do dia, e chama-me a atenção a questão de capitão/capitã. Custa-me a acreditar que para traduzir o título de um filme, Captain Marvel, fosse preciso consultar as Forças Armadas, para ter a certeza de que não existe em nenhum ramo delas uma "capitã", e não usar a língua, e a linguagem, para precisamente chamar a atenção para essa ausência, na língua e na realidade, como fez o Brasil....

Resposta:

Em Portugal, apesar de se usar capitã no âmbito desportivo, emprega-se capitão quando se faz referência à hierarquia militar. No Brasil, a situação não será muito diferente, mas os media parecem favorecer capitã, em referência quer a uma desportista quer a uma mulher militar.

É certo que, no domínio do desporto, capitã constitui a palavra que ocorre em Portugal para designar a chefe de uma equipa:

(1) «As seleções nacionais de futsal feminina e masculina estiveram juntas em Rio Maior e a capitã da Equipa das Quinas, Ana Azevedo, não quis deixar [de ter] a oportunidade de perceber a experiência do capitão que levantou o troféu de campeão da Europa há um ano, Ricardinho. ("De capitã para capitão", notícia da Federação Portuguesa de Futebol)

(2) «A equipa de futebol feminino do Benfica apresentou-se oficialmente à Comunicação Social, esta quarta-feira, na sala de Imprensa do Estádio da Luz. O vice-presidente Fernando Tavares, o treinador, João Marques, e Sílvia Rebelo, uma das capitãs de equipa, foram os porta-vozes da ambição que alimenta este grupo de trabalho.» ("Futebol feminino apresenta-se com títulos no horizonte", notícia do sítio eletrónico do Sport Lisboa e Benfica)

No entanto, na hierarquia militar, os postos têm, como já dissemos noutras ocasiões (ver Textos Relacionados), denominações que provêm de nomes masculinos ...

Pergunta:

É o correto o termo "sartaginense" em vez de sertaginense?

Resposta:

Como gentílico correspondente ao topónimo Sertã (Castelo Branco), a palavra correta é sertaginense, conforme o registo fixado em vocabulários ortográficos, como o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves, e noutro tipo de obras, como Topónimos e Gentílicos (Porto, Editora Educação Nacional, 1941, p. 211), de I. Xavier Fernandes, com o título. Sertanense e sertainho são também vocábulos legítimos para fazer referência aos naturais ou residentes da Sertã.

Quanto à forma "sartaginense", não aceite pela norma, deve observar-se, no entanto, que não é ela destituída de sentido, quando se pensa nas atestações medievais (séculos XII e XIII) do nome medieval da Sertã: Sartagine e Sartaginis (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, s. v. Sertã). No século XV, a vila é mencionada como Sartãe (idem, ibidem). Justifica-se, portanto, que "sartaginense" não seja forma censurável, atendendo ao facto de manter o a que se documenta na primeira sílaba das formas medievais.

Sobre a origem do topónimo Sertã, parece a J...