Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Devemos escrever «roçaste no meu casaco», ou «roçaste o meu casaco»?

Resposta:

O verbo roçar , na aceção de «tocar ao de leve alguém ou alguma coisa», ocorre em duas construções:

a) com complemento direto:«Os lábios dele roçavam os meus» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, 2001, s. v. roçar);

b) com um complemento oblíquo (isto é, um complemento introduzido por preposição): «O gato roçou nas minhas pernas» (idem, ibidem).

Outros exemplos, colhidos na literatura do século XIX:

(1) «O seu braço roçava o ombro do pároco: Amaro sentia o cheiro da água-de-colônia que ela usava com exagero.» (Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro, 1875)

(ii) «Não foi, não! Este burel que há tantos anos me roça no corpo, estes cilícios que mo desfazem, os jejuns, as vigílias, as orações nada obtiveram ainda de Deus» (Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, 1846; note-se que o me tem valor de posse em relação «corpo», pelo que não faz parte da sintaxe do verbo).

O verbo em apreço pode ainda ser usado reflexivamente e, nesse ca...

Pergunta:

Na frase «O livro é deles», qual é a classe morfológica de deles?

Pronome possessivo, ou pronome pessoal contraído?

Resposta:

As formas dele(s) e dela(s) não têm uma classe de palavras própria.

São grupos preposicionais constituídos pela preposição de e pelos pronomes tónicos ele(s) e ela(s), ou seja, trata-se de contrações. Sobre estas formas, observa a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 906):

«Na 3. pessoa canónica, os pronomes possessivos são equivalentes a sintagmas preposicionais introduzidos pela preposição de seguida da forma oblíqua do pronome: ou seja, o seu pai é equivalente a o pai dele, a o pai dela, a o pai deles ou a o pai delas

Obs.: Na citação, por «3.ª pessoa canónica» pretende-se referir o possessivo que corresponde aos pronomes pessoais de 3.ª pessoa, cuja forma de sujeito é ele, ela, eles e elas; por «forma oblíqua», entende-se a forma que o pronome pessoal tem depois de preposição; ex.: «por mim» (eu), «em ti» (tu), «sobre ele» (ele – são iguais a forma preposicionada e a de sujeito).

Pergunta:

É correcto dizer «dicotomia de estatutos»?

Resposta:

É correto empregar a expressão em apreço, como se confirma pelo seguinte contexto (sublinhado nosso):

(1) «A par da orientação mundial de despenalização do consumo, observa-se agora a  crescente  implantação  de  uma  nova  tendência,  o  uso  de  Canabis  nos cuidados de Saúde [...]. É esta dicotomia de estatutos sociais, logo jurídicos, que cabe analisar e é sobre ela que  iremos tomar posição.» (Mafalda D'Almeida Matono Saias Figueira, A Canabis Medicinal no Ordenamento Jurídico Português, Faculdade de Direito, Universidade Nova de Lisboa, 2011, pág. 3)

Neste caso como noutros, a palavra significa «divisão em dois, repartição, oposição entre dois» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. dicotomia). Tem origem no grego dikhotomía, «divisão em duas partes iguais», e chegou ao português por via do francês dichotomie, termo empregado em áreas especializadas como a astronomia, a lógica e a botânica (cf. idem e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001).

Pergunta:

É admissível a utilização da palavra “redenominar”, existente em castelhano, mas que não consegui encontrar em nenhum dos dicionários de português que consultei (Houaiss, Priberam e Porto Editora)? Em caso negativo, qual seria o verbo que melhor traduziria, no nosso idioma, o conceito de mudança de nome, ou de atribuição de uma nova denominação?

Muito obrigado.

Resposta:

Os derivados prefixados com re- nem sempre estão dicionarizados, porque a sua formação é intuitivamente acessível, que favorece a sua alta frequência no uso. Nada há, portanto, contra o verbo redenominar, como forma mais económica de dizer «voltar a denominar» ou «alterar a denominação de».

Em alternativa, pode-se também empregar renomear, que significa «dar novo nome» e já tem tradição de registo dicionarístico (cf. Dicionário Houaiss). Usa-se renomear noutra aceção ainda: «nomear (alguém) novamente»; e refira-se o homónimo renomear, «dar renome, fama, celebriade», um derivado de renome, «celebridade, fama, reputação» (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Qual a regência do verbo configurar?

Resposta:

O verbo configurar é transitivo:

(1) Os movimentos tectónicos configuram os continentes.

Mas, além de um complemento direto, o verbo em questão pode também ter associado um outro complemento introduzido pela preposição em ou pela conjunção como:

(2) O oleiro configurou o barro num vaso.

(3) Configuramos o céu como maravilhoso.

Fontes: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) e Dicionário de Verbos Portugueses (2007) da Texto Editora.