Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de saber se o verbo temperar também se pode referir a temperatura, ou seja ter como sinónimo amornar. Por exemplo, posso dizer: «vou temperar a água para tomar banho»?

Grata.

Resposta:

Na aceção de «tornar morno, tépido; mornar, amornar», empregam-se o verbo temperar e um seu sinónimo destemperar:

Dicionário Aulete (versão eletrónica): «temperar [...] 3. Misturar para chegar a um meio termo [td. : Temperou a água do banho, tornando-a mais morna] »

Dicionário Houaiss: «destemperar [...] 4 alterar a temperatura de um líquido, adicionando-lhe outro líquido; Ex.: destemperar água fervente».

Pergunta:

No plural de avesso, que é avessos, pronuncia-se a sílaba tónica -ves- com e aberto (é) ou com e fechado (ê)?

Eu sei que avesso se pronuncia com e fechado (ê). E no feminino, portanto avessa e avessas? Pronunciam-se as sílabas tónicas com e aberto (é) ou com e fechado (ê)?

 

Resposta:

Recomenda-se o timbre fechado da vogal e no adjetivo avesso e em todas as suas variações, quer no feminIno (avessa), quer no plural (avessos e avessas). Contudo, na locução adverbial «às avessas» o e soa aberto, como indicam as transcrições fonéticas1 o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), do Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua Portuguesa) e do do dicionário de português da Infopédia: [ɐˈvɛsɐʃ] (o símbolo ɛ marca o chamado «é aberto»). Note-se que em «às avessas» ocorre a forma avessas, que não é propriamente o feminino do plural do adjetivo avesso; na verdade, segundo as fontes mencionadas, avessas é nome feminino, usado, segundo os dicionários da ACL e da Infopédia, na aceção de «coisas contrárias».

Obs.: No Brasil, há variação. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras atribui, em indicação de pronúncia, o e fechado à forma avessas da locução «às avessas». Contudo, um artigo do blogue DicionarioeGramatica.com (em 24/08/2017) mostra de forma fundada que a prolação com e aberto é também corrente: «Na prática observa-se que falantes do Rio de Janeiro, de São Paulo e dos estados da região Sul pronunciam “às avêssas“, enquanto ...

Pergunta:

«Petro [de Luanda][Primeiro] ´"D'Agosto" vão "duelar" esta tarde» – ouvi há dias numa rádio angolana, por regra sempre muito inventiva no léxico usado. Em Portugal, no chamado futebolês, usa-se muito o substantivo duelo. Por exemplo: no jogo tal, a equipa Y ganhou (ou perdeu) os principais duelos individuais. Alguém das minhas relações duvidou do acerto do uso do verbo, embora eu tenha opinião contrária: duelo + ar = duelar.

Estou certo ou errado?

Muito obrigado.

Resposta:

Duelar é um verbo legítimo – i.e., é palavra bem formada – no sentido de «combater». Trata-se de um verbo que é resultado da derivação ou conversão do substantivo duelo, por adjunção da terminação de infinitivo (-ar).

Duelar já tem registo dicionarístico. Por exemplo, o Dicionário Houaiss regista o verbo duelar com as seguintes aceções:

«verbo transitivo indireto e intransitivo 1 combater (duas pessoas) à mão armada, segundo regras específicas, por desafio, motivo de honra etc. Ex.: <duelou com o adversário até matá-lo> <com espadas, os mosqueteiros duelavam por profissão> transitivo indireto e intransitivo;2 Derivação: sentido figurado. confrontar (idéias, forças etc.); bater-se Ex.: <duelaram diversas vezes no tribunal> <os pilotos duelavam pela primeira e segunda posições>»

Esta definição é também confirmada pela versão eletrónica do dicionário de Caldas Aulete:

«duelar 2 v. intr. e pr. || travar duelo: Outra lenda faz os dois encontrarem-se na sombra... e se duelarem. ( Afrânio Peixoto, Maias e Estevas, p. 307, ed. 1940.) F. Duelo.»

A forma duelar pode também ser um adjetivo, com o significado de «relativo a duelo».

Pergunta:

O imperativo do verbo redarguir, na segunda pessoa do plural, não deveria ser «redarguí vós», em vez de «redargui vós» como vejo no Dicionário Priberam? E quantas sílabas teria redarguí? Três ou quatro sílabas, uma vez que não se deve separar vogais que formem ditongo com o u de gu- ou qu-?

Grato pela atenção.

Resposta:

A forma redarguí está efetivamente correta, e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista-a na versão que aplica o Acordo Ortográfico de 1990. É na versão do mesmo dicionário que segue o Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) que se escreve redargui, que está também correta, mas no quadro dessa norma mais antiga. O dicionário em causa tem, portanto duas versões disponíveis, facto de que talvez nem sempre se apercebam os seus utilizadores.

Quanto ao seu número de sílabas de redarguí, a palavra tem três sílabas – re.dar.guí –, visto que se considera que, na sequência gu, o u é uma semivogal que forma com i um ditongo crescente, como o que se articula em ruído.

Recorde-se que, geralmente, o u das sequências gráficas qu e gu não se pronuncia antes de e ou i: quente, quinto, guerra, guiar). Há, não obstante, vários casos em que esse u é articulado como semivogal: frequente, aquífero, aguentar, pinguim.

Importa também observar que, em redarguir, como em arguir, verbos em que o u tem realização fonética, esta vogal associada a i tem resultados diferentes: o ditongo ui – o que se ouve em Rui. – como acontece...

Pergunta:

Encontrei a informação de que certos substantivos formam o plural com a mudança de timbre.

Corpo (ô) – corpos (ó), forno (ô) – fornos (ó) etc.

E gostava de saber se o mesmo fenómeno acontece também com a letra e na sílaba tónica.

Mês – meses, vez vezes.

O «e fechado» no singular abre-se no plural?

Obrigada pela resposta.

Resposta:

A regra não se aplica aos nomes e adjetivos que tenham e fechado no radical, o que significa que a vogal se mantém fechada mesmo no plural: são os casos mencionados na pergunta – mês/meses, vez/vezes – e outros – cotovelo/cotovelos, modelo/modelos, pelo/pelos (cobertura da pele), selo/selos, termo/termos.

Vale a pena registar, porém, o facto curioso de, entre nomes de lugar (topónimos), se dar alternância no grau de abertura vocálica do antigo sufixo -elo. Temos, por exemplo, Fornelo, com e fechado (cf. Mindelo, Portuzelo), mas Fornelos, com e aberto (cf. Carcavelos, Massarelos). Casos como o deste par parecem raros e, repita-se, estarão limitados à toponímia.