Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

[Pergunto] se a expressão «condição sine qua non» (ou seu plural «condições sine quibus non»), cuja tradução (não literal) seria «condição indispensável», [será] um pleonasmo chique, pois uma CONDIÇÃO para algo acontecer seria, por natureza, uma circunstância indispensável a tal acontecimento.

[...] Eu não [poderei] classificar a expressão em referência (aprioristicamente) como pleonasmo, pois a palavra condição possui diversas acepções que não remetem à circunstância de indispensável. Perfeito.

A dúvida que persiste é que, numa das acepções, abaixo transcrita, a palavra condição teria o sentido de «indispensáve»l, no dicionário da Infopédia, [...]: «3 – situação ou facto indispensável; cláusula; imposição; exigência.»

Portanto, [...] pergunto: o uso da expressão «condição sine qua non» especificamente no sentido supracitado, no qual a circunstância de indispensável aparece subjacente tanto à palavra condição, quanto ao restante daquela expressão (o trecho sine qua non), configuraria, portanto, pleonasmo?

Pela própria razão ora esboçada, entendo que sim. Estaria certo?

Agradeço a atenção, reiterando os parabéns ao Ciberdúvidas, pelos relevantes serviços prestados ao debate científico!

Resposta:

É discutível que «condição sine qua non» constitua um erro por pleonasmo.

Ao substantivo condição não é globalmente inerente a noção de indispensabilidade. É certo que o dicionário da Infopédia lhe atribui a aceção referida pelo consulente («situação ou facto indispensável; cláusula; imposição; exigência»); e o Dicionário Houaiss confirma-a com outra formulação, quando enumera os sentidos deste vocábulo: «antecedente necessário, ou parte dele, sem o qual um evento não ocorre». Sendo assim, dizer ou escrever «condição indispensável» ou, como é o caso em discussão, «condição sine qua non», seria incorrer em redundância. Contudo, dada a polissemia da palavra condição, impõe-se muitas vezes associar-lhe modificadores que indiquem precisamente o que se quer dizer com a palavra; e, sendo assim, a locução latina «sine qua non», empregada como modificador, contribui para a sua especificação semântica.

Pergunta:

Segundo todos os dicionários, a palavra alcateia tem origem árabe, com o significado de «rebanho, bando»1.

Será possível saber-se quando, como e por que razão é que este significado, por extensão semântica, evoluiu para «bando ou grupo de lobos»?

Muito obrigado. 

1 No Dicionário Houaiss, lê-se: «ár. al-qaṭīḤ ‘manada, rebanho’, der. do v. qaṭaḤ ‘dividir, separar parte do todo’.» O Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, de Adalberto Alves, regista: de الـقـطـيـع (al-qaṭîʿ), «o bando», «o rebanho». O Dicionário Infopédia em linha diz-nos: «Do árabe al-qatai'â, «"ebanho".»

Resposta:

Sabe-se que a palavra alcateia, como bem assinala o consulente, tem origem árabe, mas não parece que a sua história semântica tenha tido atenção, de molde a compreender o trânsito do significado de «manada, rebanho», que seria o associado ao étimo árabe, ao sentido com que hoje o vocábulo se usa em português.

Há, pois, consenso quanto ao étimo de alcateia: tudo indica que se trata da palavra árabe indicada pelos autores mencionados pelo consulente, com diferentes transcrições. Muito provavelmente foi transmitida em contexto dialetal, andalusi, ou seja, no árabe dialetal hispano-árabe (de Al-Andalus), conforme propõe outro autor, o espanhol Federico Corriente, no seu Diccionario de Arabismos y Voces Afines en Iberromance (Madrid, Editorial Gredos, 2003): alcateia (ou alcatea em registos mais antigos) remontará à forma andalusi qaṭíʕ, do árabe clássico qaṭīʕ, que significa «rebanho».

Curiosamente, o arabismo alcateia parece apenas registar-se em português1, pois Corriente não refere forma equivalente com a mesma etimologia (cognato) que tenha história e uso em espanhol, catalão ou qualquer outra modalidade linguística ibero-românica. Observe-se, porém, que Arnald Steiger (Contri...

Pergunta:

Há uma freguesia pertencente ao concelho de Braga, cujo nome é Maximinos. Há pessoas que dizem "maksiminos" e outras "massiminos". Como não sei a origem do nome, não sei qual a fonética correta.

Resposta:

Tendo em conta que a pronúncia tradicional de Maximino é com o x a soar como ss, "Massimino", como acontece com máximo (= "mássimo") – consulte-se o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves –, é totalmente legítimo pronunciar o topónimo Maximinos como "Massiminos". A pronúncia com [ks], não sendo incorreta, talvez constitua o resultado de uma leitura hipercorreta da ortografia.

Quanto à origem deste topónimo, que é o de uma antiga freguesia da cidade de Braga (S. Pedro de Maximinos), há quem considere1 que evoluiu de uma «alusão a pessoas do local com o nome, ou o apelido, Maximino». No entanto, o historiador e toponimista Aníbal de Almeida Fernandes (1917-2002) rejeitava2 esta hipótese (bastante vaga, de resto), defendendo que Maximinos é o resultado da interferência erudita ou eclesiástica num topónimo que, na Idade Média, nas Inquirições de 1220, se atesta sob as formas Meiximios, Meximios, Meiximinos, Me(i)ximinhos, as quais indiciam uma evolução mais consentânea com os fenómenos de evolução fonética ocorridos na tran...

O termo <i>abléfaro</i>
Pálpebras "à grega"

Num programa com popularidade em Portugal – o concurso Joker  na RTP1 –, concorrentes e certamente muito público foram surpreendidos por uma palavra: abléfaro. Sabe-se que é um termo especializado, usado na área da Medicina, mas qual será o seu significado?

Pergunta:

Na introdução da vossa página inicial refere-se que este serviço é gracioso.

Creio contudo que deveria ser dito gratuito em vez de gracioso.



Resposta:

Está correto o uso de gracioso no contexto em causa.

Os registos dicionarísticos deste adjetivo apresentam-no como sinónimo de gratuito, pelo menos, desde 1789:

«Gracioso, adj. Que não custa dinheiro, gratuito [...].» (António de Morais e Silva, Diccionario da lingua portugueza, 1798)

Este registo é confirmado mais tarde por Frei Domingos Vieira, no seu Thesouro da Lingua Portugueza (1871): «[gracioso] Que é de graça, gratuito, que não custa dinheiro. – Serviços graciosos.»

Note-se ainda que gracioso é uma forma sintética, equivalente à locução adverbial «de graça» (como em «ser de graça»).

A expressão «serviço gracioso» tem, portanto, uso já centenário, com mais de 140 anos.