Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O verbo vidrar, com o significado de «ficar encantado, apaixonado ou muito interessado», é apenas aceite como português do Brasil?

Resposta:

Aceita-se o emprego de vidrar no sentido de «ficar encantado» também em Portugal, mas no registo informal: 

(1) «Quando se viram, ficaram vidrados um no outro.»

Entre dicionários produzidos em Portugal, refira-se que o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa classifica este uso como um brasileirismo, mas, sobre a sua relação com o português do Brasil, são omissos quer o dicionário de português da Infopédia quer o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Neste último, atribui-se a vidrar, entre outras aceções, a de «ficar completamente encantado por alguém ou por alguma coisa; ficar preso pela atenção, pelo instinto, pelo sentimento», à qual se associam as seguintes abonações:

(2) «Vidrou na rapariga mal a viu.»

(3) O rapaz vidrara naquele programa de televisão.»

Em textos literários, parece escassa ou muito recente a ocorrência de vidrar com este significado, como sugere a ausência de exemplos no Corpus do Português de Mark Davies. No entanto, tanto em textos portugueses como brasileiros, contam-se várias ocorrências de «olhos vidrados», expressão que, no entanto, tem diferente significado: «olhos embaciados, a que falta transparência» e, por extensão de significado, «olhos inexpressivos».

Pergunta:

Numa conversa entre colegas, uma afirmou: «e ele foi para a mesa com o barruço na cabeça.»

Perguntei-lhe: «"barruço" ou "garruço?"»

«Sim, eu digo barruço!»

Qual a forma correta, ou podem ser consideradas as duas?

Obrigada pela atenção dispensada.

Resposta:

Ambas as formas são possíveis, e não se exclui a hipótese de terem divergido da mesma palavra.

O dicionário Priberam regista as duas palavras: garruço e barruço; e o mesmo faz a Infopédia (cf. aqui e aqui). Nota-se, porém, que, nas referidas fontes, enquanto barruço tem como sinónimo barrete, a forma garruço é apresentada como sinónima de carapuço. Mas não é impossível que as duas formas possam ter os dois significados ao mesmo tempo, até porque a diferença entre barrete e carapuço (ou carapuça) pode não ser relevante em muitas situações.

Dito isto, convém assinalar que a consulta de outras fontes poderá sugerir que garruço e garruça são formas mais antigas que barruço. Com efeito, a Revista Lusitana (vols. II, 249; XI, 157; e XII, 313) e o Dicionário de Regionalismos de Leite de Vasconcelos permitem saber que, entre 1890 e meados do século XX, se usavam os termos garruço e garruça nos distritos de Viseu (Penedono), da Guarda (Atalaia e Celorico da Beira) e de Castelo Branco (Aldeia de Santa Margarida, no concelho de Idanha-a-Nova). Contudo, as mesmas fontes não atestam barruço, o que deixará pensar  que esta for...

Pergunta:

Acerca do nome da jovem ativista sueca Greta Thunberg, qual será a melhor maneira de o pronunciar? O Thunberg lê-se "tumbergue"?

Resposta:

A mesma pergunta já foi feita no contexto do uso do castelhano, e a resposta, dada recentemente pela Fundéu BBVA, inclui num registo áudio do nome Greta Thunberg sem transcrição fonética. No entanto, o artigo que a Wikipédia dedica a esta ativista sueca faculta tal transcrição acompanhada de um registo sonoro que não parece evidenciar as mesmas características do áudio da Fundéu:  [²ɡreːta ²tʉːnbærj]1. Sem pretender entrar nas complexidades e subtilezas da fonologia e da fonética suecas, pode considerar-se que, para falantes de português, este nome aproximadamente como "grêta tunbér(i)"2.

Acrescente-se, para os preciosistas, que o e de Greta é, em sueco, uma vogal longa semelhante a um e fechado, mas sem se confundir com ele. Quanto a Thunberg, não é apelido fácil de pronunciar, pelo menos para a maioria dos falantes de português: se a grafia th não coloca problemas porque se parece ao som de t em tudo, já o u lembra o u francês ou o u do dialeto de S. Miguel e de outras regiões de Portugal; quanto ao g final, assemelha-se este ao i de iate., mas nem sempre é claramente audível (daí os parênteses a ladear a vogal na transcrição acima proposta).

 

1 Na transcrição o algarismo em expoente indica um dos tipos de 

Pergunta:

Como se pronuncia Vancouver em Portugal?

Resposta:

O nome da cidade canadiana de Vancouver pode ser pronunciado [vɐ̃'kuvɛr] ou [vɐ̃'kuvɐr] no português de Portugal1, portanto, num aportuguesamento fonético que procura aproximar-se da prolação da palavra em inglês: [vanˈkuːvə] (transcrição do Lexico.com da Oxford University Press).

Contudo, há registo de um aportuguesamento gráfico e fonético – Vancôver –, que está consignado no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves e se articula como se lê: [vɐ̃'kovɛr].

1 No Brasil, [vɐ̃'kuver], com a pronúncia da nasal e do /r/ final a variar consoante a região (comunicação pessoal do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).

Pergunta:

Qual é a génese do termo ror?

Vi em alguns dicionários que estaria ligado a horror. Essa informação está correta?

Resposta:

O Dicionário Houaisso descreve ror como «forma aferética de horror», informação confirmada pelo Dicionário Etimologico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado e pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. A palavra ror significa «grande porção de coisas ou de pessoas; quantidade» (Dicionário Houaiss) e usa-se como marcador de quantificação sob a forma «um ror de...», equivalente a «um monte de...»: «a Guilhermina comprou um ror de coisas no supermercado».

Observe-se que uma forma aferética é um forma resultante de um proceso de aférese, isto é, de um processo fonológico que consiste na supressão de um segmento fónico em posição inicial de palavra. Exemplos: estar> "tar" (coloquial), espera > "pera" (coloquial, como em "pera aí").