Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A minha dúvida é sobre estas duas expressões (i) "faltar respeito" (ii) "faltar com respeito".

Oiço mais, aqui em Bissau, o uso da primeira frase, mas nos filmes, escrituras ou telenovelas portuguesa, oiço só a segunda.

Então, pergunto qual dessas é correta.

Resposta:

A expressão correta – na medida em que tem mais tradição e está dicionarizada – é «faltar ao respeito a alguém», que significa «ser descortês, indelicado, incoveniente com pessoa de idade, posição ou autoridade superior»1. No Brasil, aceita-se também «faltar com o respeito», que é, observe-se, a forma mais frequente da expressão entre falantes deste país.

Fora deste usos mais correntes entre falantes portugueses, há, como revela a pergunta, outros mais circunscritos e talvez menos estáveis, que, por enquanto, só se justificam na comunicação mais informal.

 

1 Forma e significados registados por António Nogueira Santos em Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas I - Português (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006).

2 Cf. Maria Helena de Moura Neves, Guia de Usos do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003, p. 340; ver também Sérgio Rodrigues, "O certo é 'faltar ao respeito' ou 'faltar com o respeito'?", Veja,  12/02/2017.

<i>Moio</i> e <i>xarém</i> a concurso
Variação e história da língua em modo televisivo

Para lá das questões de norma linguística, nem sempre tratada com o cuidado devido, os programas de televisão podem também deixar escapar muitas formas que, afinal, são também parte da história da língua. Um texto que assinala duas formas de uso popular – "moio", em vez da forma correta moo (de moer), e xerém/xarém – um tanto disfarçadas no meio da excitação de um concurso televisivo com grande audiência. 

Pergunta:

Estou com uma dúvida que me tem inquietado. Na ficha de trabalho de um manual, a propósito da obra Auto da Barca do Inferno [de Gil Vicente], surgiu a palavra solar («fidalgo de solar») identificada como extensão semântica (solar – relativo ao sol /solar – terreno onde se eleva a casa de uma família nobre ou pessoa nobre). Será possível aceitar extensão semântica e também derivada por sufixação?

Resposta:

Não se trata de um caso de extensão semântica, mas, sim, de derivação sufixal. Com efeito, solar, que é vocábulo homónimo de solar («relativo ao sol»), deriva de solo (a base de derivação é o radical sol-) e aplica-se a uma casa fidalga ou ao que é relativo a famílias fidalgas.

Assim se explica que solarengo signifique tradicionalmente «aquilo que é relativo a solar, casa fidalga». O uso de solarengo em lugar de soalheiro – uso muito discutível, se não mesmo incorreto – vem da confusão de solar («casa fidalga») com solar («relativo ao sol»).

Pergunta:

Têm-me surgido cada vez mais dúvidas no âmbito dos processos de formação de palavras por derivação.

Por exemplo: infeliz é uma palavra derivada por prefixação; felizmente é uma palavra derivada por sufixação. E infelizmente? É derivada por sufixação (infeliz+-mente) ou por prefixação e sufixação (in-+feliz+-mente)? O Dicionário Terminológico apresenta a derivação por prefixação ou por sufixação e a parassíntese surge como o único caso em que são adicionados prefixos e sufixos...

Obrigada.

Resposta:

A palavra infelizmente deve ser analisada como derivada em duas fases sucessivas, como se descreve a seguir:

«No caso [de infelizmente], não se trata de um só processo de formação de palavras. O prefixo in- agrega-se a felizmente. O sufixo -ment(e) agrega-se a infeliz. Ou, de outra forma possível, o sufixo -ment(e) agrega-se a feliz, o prefixo in- agrega-se a felizmente. Ou seja, existem as palavras constituídas somente pelo afixo da esquerda e pelo afixo da direita. Para que exista o lexema infelizmente, não é necessário que à base feliz se juntem obrigatoriamente e em simultâneo in e -ment(e). Em infelizmente não há circunfixação, mas sucessivas afixações (feliz > infeliz > infelizmente; feliz > felizmente > infelizmente).» (Graça Rio-Torto et al. Gramática Derivacional do Português, 2016, p. 107).

Não se trata, portanto, de um derivado parassintético. Também não se pode afirmar que infelizmente é palavra derivada simultaneamente por prefixação e derivação; se o fosse, teria de ser parassintética como entontecer, e não o é. Há gramáticas que falam em palavras derivadas por prefixação e sufixação, mas estes geralmente são sempre casos de palavras cuja derivação se faz não simultaneamente, mas, sim, em fases sucessivas.

Pergunta:

É muito comum ler-se, nomeadamente em textos literários, «a meu lado» em vez de «ao meu lado». Pergunta: «a meu lado» é correto, ou trata-se de um erro já muito enraizado na nossa língua?

Muito obrigado pelo vosso trabalho excelente!

Resposta:

Não se trata de erro, mas sim do uso do possessivo sem artigo definido. Em muitas expressões fixas, como é o caso, o possessivo ocorre sem artigo definido: «em meu nome», «em minha casa», «a meu favor».

Isto mesmo é confirmado pelo filólogo e linguista francês Paul Teyssier (1915-2002) no seu Manual de Língua Portuguesa (Portugal-Brasil) (Coimbra Editora, 1989, pp. 135/136):

«Até ao século XIX, os escritores portugueses podem empregar o adjetivo possessivo com ou sem artigo. Lê-se, por exemplo, em António Vieira (século XVIII):

"Apascenta minha ovelhas" [...]

"Apascenta meus carneiros" [...].

Hoje há certos casos em que nunca se emprega o artigo:

– Com os substantivos no vocativo, por exemplo, Não, minha senhora [...].

– Em certas fórmulas cristalizadas, por exemplo Vossa Excelência, Nosso Senhor [...].

– Num grande número de locuções que se vão aprendendo com a prática, por exemplo:

em seu nome    a meu pedido   em nosso favor   por sua causa   a meu ver [...]»