Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber por que a palavra poesia deve ser grafada com s e não com z.

Obrigado.

Resposta:

Por razões históricas (etimológicas), poesia escreve-se com s, visto que provém de uma palavra latina que já apresentava essa consoante, conforme se anota em várias fontes dicionarísticas, por exemplo, no Dicionário Houaiss:

«lat. poēsis, is "poesia, obra poética, obra em verso" < gr. poíēsis, eōs "criação; fabricação, confecção; obra poética, poema, poesia"; segundo José Pedro Machado [Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa], por intermédio do italiano poesia (1321) "arte e técnica de exprimir em verso uma determinada visão de mundo"»

Pergunta:

Há pouco tempo surgiu a dúvida entre «bago de arroz» ou «grão de arroz». Qual é a forma correta?

Sempre disse «bago de arroz», até existe uma loiça chinesa com essa designação. Soube que os nortenhos dizem «grão de arroz».

Podemos usar as duas?

Muito obrigada!

Resposta:

Podem usar-se as duas formas, independentemente de uma poder constituir forma regional.

Um uso regional não é, por definição, um erro. Mas, no caso em apreço, é duvidoso que «grão de arroz» seja expressão característica do norte de Portugal. Na verdade, «grão de arroz» ocorre, por exemplo, num conhecido fado de 1952, "Grão de arroz", cantado por Amália Rodrigues, com música e letra de José Belo Marques (1898-1987):

(1) «O meu amor é pequenino como um grão de arroz,/É tão discreto que ninguém sabe onde mora.»

Convém registar que Belo Marques não era natural do norte de Portugal, mas, sim, de Leiria, ou seja, do centro do país. Pode ainda supor-se algum contacto mais prolongado do compositor português com os falares setentrionais portugueses, mas, sobre tal possibildiade, são omissas as fontes consultadas a respeito da biografia de Belo Marques.

Talvez a pergunta seja feita na perspetiva de alguém que vive em Lisboa ou mais a sul, condição que pode explicar que se considere Leiria já no norte, muito embora a geografia o desminta. Seja como for, não é certo que «grão de arroz» seja uma expressão nortenha, parecendo muito mais uma alternativa a «bago de arroz».

Observe-se, por último que bago é um nome masculino formado com base em baga, palavra proveniente do latim bacca, ae «fruto miúdo; bola; tudo o que tem ou lembra a forma de uma baga» (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Qual o correto: «associações membro» ou «associações membros»?

Pela regra de países membros achei que a segunda era correta, mas tenho duvida.

Obrigada pelo esclarecimento.

Resposta:

Em princípio, hifeniza-se e pluraliza como Estado-membro e Estado-nação. Assim, tal como se diz e escreve Estados-membros e Estados-nações, também se empregará associações-membros.

Entretanto, convém dizer que o uso de membro parece evoluir no sentido de ganhar cada vez mais uma função adjetival, aproximando-se de palavras como fantasma ou mãe, que, pelo menos, na lexicográfia brasileira (cf. Dicionário Houaiss) são classificados como determinantes específicos1, quando modificam um nome, razão por que são hifenizados (p. ex., conta-fantasma, casa-mãe). Por outras palavras, membro tem atualmente um comportamento que o aproxima de sócio, associado ou participante, que os dicionários registam quer como nomes quer como adjetivos. Nesta perspetiva, não será necessário estritamente necessário membro ter hífen, ainda que se impusesse a flexão no plural de modo a concordar com o nome que modifica: Estado-membro/Estados-membros ~ associação-membro/associações-membros.

1 Mesmo na lexicografia portuguesa – cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa – se regista a função adjetival que o nome fantasma pode ter. Ver também

Pergunta:

Bálcãs x Balcãs. Por que é que, enquanto em Portugal se usa a forma oxítona, no Brasil se usa a forma paroxítona?

Terá sido a escolha brasileira influenciada pela língua inglesa?

Resposta:

Ao que parece, a acentuação corrente em Portugal até há cerca de 70 anos era como a brasileira, isto é, paroxítona.Isto mesmo se infere do que um gramático normativista português, Vasco Botelho de Amaral, observou no seu Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958, p. 476):

«Bálcãs. Em português está vulgarizada a pronúncia com tonicidade no a. A palavra é turca e significa "montanha". Balkans é escrita bárbara.»1

Não é clara razão a que se deve esta acentuação, mas, não sendo plausível que o nome provenha diretamente do turco, do búlgaro ou de outra língua balcânica e pensando em línguas intermediárias, avulta como possível influência o inglês Balkans, com tónica na primeira sílaba (transcrição fonética: /ˈbɔːlkənz/). No Brasil, a grafia Bálcãs é corrente, o que indica que esta pronúncia se manteve (cf. Dicionário Houaiss s. v. balcânico, balcanizar e balcano-), muito embora Balcãs seja a única forma registada pelo Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras2. No português de Portugal, no entanto, acabou por se impor a forma Balcãs, com tónica na sílaba -cãs (cf. Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves),  homóloga das sílabas tónicas do castelhano Balcanes e do italiano Bal...

Pergunta:

Primeiramente agradeço de antecipado a todos vocês deste sítio e desejo saúde para todos nós.

Aqui trago um trecho da Constituição brasileira que me causou confusão:

«XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus".»

A que o texto se refere que está situado no país? Os bens ou o estrangeiro? Há aqui ambiguidade? Se há como ficaria a reescrita para tirar suposta ambiguidade?

Resposta:

Não se vê claramente na frase uma situação de ambiguidade impeditiva da interpretação da passagem enviada. Com efeito, o texto refere-se à sucessão ou transmissão de bens de cidadãos estrangeiros já falecidos.

Acrescente-se que a locução latina de cujus significa «falecido cujos bens estão em inventário», segundo o Dicionário Houaiss. Sobre a sua origem, observa a mesma fonte: «redução da fórmula jurídica latina [Is] de cujus [successione agitur]; is nominativo masculino singular do pronome demonstrativo is, ea, id "aquele", preposição de de ablativo "a respeito de, sobre", cujus genitivo singular do pronome relativo qui, quae, quod "que, quem, o qual", successione ablativo singular de successio, -onis 'sucessão', agitur, 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo passivo de ago, agis, egi, actum, agere "tratar, referir, falar".»

Agradecemos e retribuímos os votos de saúde.