Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Dada a profusão de sites que se referem a essas pequenas plantas de belas flores coloridas mas de cheiro pouco agradável como cravos túnicos, suponho que sou eu que estou errada.

Sempre os conheci como cravos púnicos, ou seja, «cravos fenícios». No entanto, sendo púnico um termo tão pouco conhecido da maioria dos falantes desta língua, sempre assumi que a troca se devesse a uma maior sensação de familiaridade com a palavra "túnico", provavelmente derivada de túnica.

Estou errada? Será que os meus cravos nunca foram realmente fenícios e foram buscar o nome a uma peça de roupa?

Resposta:

É difícil ser perentório quanto à forma correta do nome em questão.

É possível que túnico esteja em lugar de púnico, mas são tantos os nomes dados à planta, que surgem dificuldades até para saber de que planta se trata realmente – pelo menos, pode ser quer a Tagetes patula1 quer a Tagetes erecta. Além disso, tem vários nomes em português2, havendo variação regional.

Apesar de tudo, uma consulta de páginas da Internet revela que cravo-túnico é a forma corrente. Pode tratar-se de facto de uma analogia com túnica, talvez mais presente no espírito do falante médio. No entanto, também se encontra a denominação cravo-de-tunes, que tanto pode ter motivado um gentílico deturpado ("túnico", em vez dos corretos tunesino ou tunisino)2, como corresponder a uma nova interpretação com base na anterior troca de púnico por "túnico".*

Registe-se, mesmo assim, uma frase retirada de um texto de João Bénard da Costa atesta o uso de cravo-púnico (manteve-se a grafia original):

(1) «O tema de Lark, vestida de arminho ou de prata, trazendo na mão um cravo púnico ou uma rosa da Pérsia.» ("As almas do outro mundo" 05/09/2003, in Público)1

Contudo, no mesmo jornal em que se encontra cravo-púnico, acha-se um artigo publicado anos mais tarde, a abordar o tema das flores comestíveis, no qual se escreve cravo-tunico, identificando com a ...

Pergunta:

Cada vez mais oiço na rádio e na televisão as mais diversas pessoas – jornalistas, comentadores, políticos, até médicos – dizerem "circuíto", "intuíto" e "fortuíto". Pelo andar da carrruagem, o muito vai passar a "muíto" – sabido, como se sabe, como é o rolo compressor da televisão na propagação do erro!...

Pergunto: a que se deve esta onda arrasadora da prolação tradicional do ditongo ui?

Muito obrigado.

Resposta:

As palavras circuito, intuito e fortuito, a que se junta gratuito, têm todas ditongo decrescente ui, ou seja, têm o mesmo ditongo que se produz e ouve no nome próprio Rui ou no nome comum cuidado.

A pronúncia criticada e criticável consiste em articular o referido par vocálico como ditongo crescente1, como se ouve nos casos de ruído, aluimento ou possuir.

Por que razão ocorre esta alteração? Talvez haja alguma interferência (por analogia) da terminação -ito, forma que ocorre como sufixo de diferentes origens e a marcar diferentes valores, em que o i é núcleo de silaba tónica: conflito, meteorito, arenito. Mencione-se também um caso semelhante, o do nome comum e adjetivo fluido (com ditongo decrescente, como em fui), frequentemente confundido com o particípio passado fluído, do verbo fluir (com ditongo crescente, como em suíno): também dando prioridade  a "uí", não raro se ouve «os "fluídos"» em lugar de «os fluidos».

Em todo o caso, não se julgue que a pronúncia em causa constitui novidade no mundo de língua portuguesa. Há dela registo no Brasil, desde há algumas décadas, como atesta um comentário que Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998) dedicou a circuito no Dicionário de Questões Vernáculas (São Paulo, Livraria Ciência e Tecnologia, 1994, 2.ª edição rev...

Pergunta:

Usa-se a expressão «atento o parecer», quando alguém se pretende referir a um parecer que é ponderado ou tomado em consideração no sustento de uma decisão.

Em que género fica o verbo atentar quando o substantivo é feminino? Por exemplo, com informação, ficaria «atento a informação» ou «atenta a informação»?

Resposta:

Tendo em conta que atento significa «levado em consideração; visto, ponderado» (cf. Dicionário Houaiss) e é usado adjetivalmente, deve fazer-se a concordância em género: «atenta a informação».

A fórmula em questão tem a configuração de uma construção participial, comportando-se atento como o particípio passado atendido. Na verdade, seria até de esperar que a fórmula integrasse esta última forma: «Atendido o parecer», «atendida a informação». Contudo, a presença de atento neste caso deve-se ao facto de o verbo atender já ter tido (ou ainda ter) duplo particípio passado: por um lado, a forma regular atendido, e, por outro, a forma irregular atento. Esta possibilidade era mencionada por Vasco Botelho de Amaral, no seu Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958); contudo, atualmente, atento já não figura como forma da conjugação de atender, pelo menos, a avaliar pela sua ausência de dicionários em linha (cf. Dicionário Infopédia e Dicionário Priberam).

Falando ainda de fórmulas, registe-se a inclusão de atento como adjetivo na sequência «atento, venerador e obrigado», a qual já foi muito mais frequente no fecho de cartas (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa).<...

<i>Hostel</i> e o seu plural
Sobre o aportuguesamento de um anglicismo

Durante a crise pandémica da primavera de  2020 em Portugal, o anglicismo hostel foi palavra recorrente na comunicação social por causa da deteção de infetados entre as pessoas confinadas em alguns alojamentos desse tipo. Como faz o aportuguesamento desta palavra? O apontamento a seguir apresentado procura avaliar a sua adaptação ao português, deixando recomendações sobre o seu uso.

Pergunta:

Preciso de encontrar um termo na língua portuguesa que sintetize a ideia de «partilha de casa» e, já que corresidente se apresenta como uma palavra correta, poderia considerar o conceito de "corresidência"?

Encontro esta palavra em estudos de origem brasileira, mas não nos dicionários ou estudos portugueses.

Em caso negativo, que outros se afigurariam mais adequados?

Resposta:

As palavras corresidente e corresidência são possíveis e corretas.

A primeira, corresidente, já tem registo em dicionário, no Dicionário Priberam, com o sentido de «(referido à pessoa) que reside com outrem» e está comentada numa resposta do arquivo do Ciberdúvidas. Observa-se ainda que corresidente surge esporadicamente em listas de resultados de uma pesquisa Google, incluindo ligações para textos científicos com origem em Portugal.

Quanto a corresidência, é este o nome que corresponde a corresidente – tal como residência se relaciona com residente –, mas trata-se de vocábulo que figura ainda muito pouco em resultados de pesquisa na Internet. Pelo adjetivo mencionado, depreende-se que corresidência significa «situação de quem habita com outra pessoa».

De qualquer maneira, sublinhe-se que o facto de estes termos ocorrerem no português do Brasil não é impeditivo de serem usados em Portugal, a não ser que neste último país já sejam correntes termos alternativos, o que, aliás, não se confirma nas fontes consultadas para elaboraçao desta  resposta. O que é possível apurar é que, genericamente, do ponto de vista linguístico, não recai censura nem desaprovação normativas sobre