Pergunta:
Sou um apaixonado pela linguística, nomeadamente no que diz respeito à língua portuguesa. Nesse âmbito, um dos temas que mais me intriga é o betacismo.
Gostaria de obter um esclarecimento (se possível) sobre um subtema (julgo eu) dentro desse fenómeno:
1) A nossa língua numa determinada fase, “recuperou” o uso da sua componente fonética “v” nas palavras com a letra “v”, contrariamente ao que ocorreu nas restantes línguas da península. Seguem exemplos (português, latim, castelhano): vinho = vinum, vino; veterano = veteranus, veterano; voar = volare, volar, etc.
2) Por outro lado, numa outra (!?) vertente desse fenómeno parece ter havido total conversão do “b” em “v” tanto na sua componente fonética como na escrita. Ex: livro, liber, libro; olvidar, oblitare, olvidar; palavra, parabola, palabra, etc..
Se o primeiro me parece lógico no contexto do dito fenómeno dentro na evolução do latim, como se explica o segundo ponto desse fenómeno (se é que estão relacionados) ?
Provavelmente a questão será absurda, mas se considerarem que merece algum tipo de resposta…
Grato pela atenção.
Resposta:
O betacismo – a vulgarmente chamada «troca do v pelo b», que é característica dos dialetos setentrionais de Portugal – é o resultado da evolução fonética dos casos apresentados na pergunta. Este tópico já foi abordado noutra resposta, mas as questões levantadas são de molde a retomá-lo.
Assim:
(a) o v de vinho, vizinho e voar (como o de velho ou vento) procedem do V latino consonântico – VINU-, VICINU-, VOLARE1 –, o qual deveria soar como o w inglês de wind («vento») ou woman («mulher»);
(b) o v de livro, olvidar e palavra recuam a B latino, consoante oclusiva sonora que sofreu um processo de fricatização, isto é, passou a produzir-se com fricção, geralmente entre vogais – CANTABAT > cantava –, ou entre vogal e consoante líquidas (p. ex. a consoante vibrante r) – LIBRE (de LIBER, A, UM) > livre –, assemelhando-se ao atual v de vencer.
Acontece, portanto, que dois sons diferentes do latim convergiram, no sistema galego-português, num mesmo som, que teria já a articulação labiodental do [v] do português contemporâneo e ou uma articulação bilabial -- transcreve-se com o símbolo [β] --, a que hoje tem geralmente o atual /b/ intervocálico que figura em "abalar"2.
A partir daqui, há duas teses:
Hipótese A. A troca do v pelo b,que é típica dos d...