Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Face ao nome de uma série da Netflix sobre xadrez agora em voga, e à divergência quanto à acentuação da palavra, venho solicitar a seguinte informação: deve usar-se o termo "gambito" ou "gâmbito"?

Resposta:

A forma correta é gambito1.

Esta é a denominação de um «ardil, manha usada para derrubar o adversário,num confronto» ou, no xadrez, de um «[...] lance que  consiste em sacrificar um peão para, em troca, causar a perda de uma peça importante do jogador adversário» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa); pode ainda ser sinónimo, na linguagem popular, de perna, que também se diz gâmbia num registo vulgar, próximo ou já dentro do calão.

Gambito terá origem no italiano gambetto, com significado de «rasteira, cambapé», segundo o Dicionário Houaiss. No entanto, a relação entre a palavra portuguesa e a italiana pode não ser direta.

Com efeito, a forma correspondente castelhana, gambito, que é idêntica à portuguesa, ainda que também se filie no referido termo italiano, pode bem ser antes a adaptação de gambittu, forma dialetal da Sicília ou do sul da península da Itália (cf. Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, de Joan Coromines e José Antonio Pascual). Não se exclui, portanto, que gambito tenha entrado no léxico português como empréstimo de um termo castelhano que, por sua vez, era também empréstimo proveniente de terras italianas meridionais, o que se explica pelo domínio catalano-aragonês e mais tarde espanhol sobre essas ...

Pergunta:

Tenho vindo a encontrar a expressão «Fricativa (a) surda a) Variantes: Uvular, Velar, Lateral, Dental, Palatal».

Creio tratar-se de alguma terminologia gramatical que desconheço. Podem ajudar-me?

Já agora e falando a sério, com os 74 anos que tenho, será que devo voltar aos "bancos de escola" para me actualizar?

Grato pela vossa simpatia.

 

N.E. – O consulente adota a ortografia de 1945.

Resposta:

Trata-se da classificação das consoantes no âmbito do estudo da fonética e da fonologia.

É matéria abordada sem grande aprofundamento no ensino não universitário, apesar de muito interessante e útil. Mesmo assim, não constitui grande novidade no currículo básico e secundário, visto que na década de 70 do século passado já fazia parte da descrição dos sons do português (cf. por exemplo, Compêndio de Gramática Portuguesa de Nunes de Figueiredo e Gomes Ferreira,1976).

Quem pretenda atualizar-se nesta área, pode consultar as páginas de A pronúncia do português europeu, um guia em linha, alojado no sítio eletrónico do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. Também pode ajudar a consulta da secção de fonética e fonologia do Dicionário Terminológico (DT).

Segue-se o registo dos termos em questão acompanhados de definições e exemplos (entre barras ou colchetes1, usam-se os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional):

Fricativa: é um termo que define o modo de articulação de uma consoante2; este modo de articulação combina-se com diferentes pontos de articulação para produzir as consoantes de uma língua; em português, há uma série de fricativas surdas – os segmentos /f/, /s/ e /ʃ/, grafados,  f, ç e ch respetivamente, como na mnemónica «faç

Pergunta:

A expressão «resolver o quanto antes» está certa ou é dialecto lisboeta?

 

N.E. – O consulente adota a ortografia de 1945.

Resposta:

A forma indiscutivelmente correta é «quanto antes», locução que encontra registo em dicionários portugueses e brasileiros1. Quanto a «o quanto antes», trata-se de variante discutível, mas aceitável.

A referida variante «o quanto antes» não parece ter origem no chamado dialeto lisboeta. Com efeito, ela já ocorre em meados do século XIX, pelo menos, em textos de escritores brasileiros, como se pode confirmar pelo Corpus do Português de Mark Davies:

(1) «FELÍCIO – É preciso que te resolvas o quanto antes.» (Martins Pena, O Inglês Maquinista, c. 1840)

(2) «AMÁLIA - Devo partir, meu pai, e o quanto antes. Não posso ficar nesta casa e se me obrigarem a isso, morrerei.» (Araújo Porto-Alegre, Os Lobisomens, 1862)

O gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida considera «o quanto antes» locução incorreta (cf. Dicionário de Questões Vernáculas). Contudo, o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (elaborado no Brasil, onde foi publicado em 2004), ao registar quanto, atesta a locução «quanto antes» com ocorrências das duas formas – com e sem artigo defi...

Pergunta:

Depois de muito procurar, tanto no vosso belíssimo site como na Internet em geral, continuo com dúvidas relativamente à forma correcta de palavras muito específicas, respeitando a grafia antes do actual acordo ortográfico.

As palavras são: "oligoelemento" (seria "oligo-elemento" ou já sem hífen?) e "oligo-sacarídeo" / "oligo-sacárido" ou as formas sem hífen e com duplo "s".

Quanto a estas duas últimas, são sinónimos?

Vejo a palavra "oligossacarídeo" escrita frequentemente em artigos online, mas em alguns dicionários apenas encontro "sacárido" e não "sacarídeo" e nunca vi a forma "oligossacárido".

Desde já muitíssimo obrigado pelo tempo e atenção dispensados e pelo vosso excelente trabalho.

 

N.E. – O consulente adota a ortografia de 1945

Resposta:

Nos casos em apreço, não há alteração e, portanto escreve-se oligoelemento e oligossacárido (ou o seu sinónimo oligossacarídeo), tanto ao abrigo da norma ortográfica vigente (o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990), como no quadro da norma ortográfica seguida oficialmente em Portugal entre 1945 e 20091

O filólogo português Rebelo Gonçalves consignou no seu Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) formas como oligossialia2, da qual se infere a legitimidade dos dois ss de oligossacárido. Mas antes da entrada em vigor do AO-90, o Dicionário Houaiss, na sua 1.ª edição (2001), registava oligoelemento e oligossacárido (com oligossacarídeo). Não se trata de uma especificidade brasileira, porque anos antes, em Portugal, José Pedro Machado acolhia no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Lisboa, Círculo de Leitores, 1991) as mesmas grafias3.

Seja como for, ainda que se trate <...

Pergunta:

Qual a origem do nome das refeições e respectiva etimologia? Qual a história de cada nome?

 Obrigado.

Resposta:

De acordo com a informação etimológica do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1.ª edição, 2001), as palavras em questão têm as seguintes etimologias:

pequeno-almoço: decalque da expressão francesa petit-déjeuner (literalmente «pequeno desjejum»)1.

almoço: no galego-português, almorço, evolução do latim vulgar *admŏrdiu-, do latim admordere, «morder ligeiramente, começar a comer».

lanche: aportuguesamento do inglês lunch, redução de luncheon «refeição do meio-dia», que tem origem desconhecida (cf. Online Etymology Dicitionary)

jantar: do latim vulgar jantāre, que em latim clássico era jento, as, āvi, ātum, āre, que significava «almoçar, comer o desjejum», relacionado, portanto, com jejūnus «que está sem comer» (que deu jejum).

Note-se que esta é a atual nomenclatura das refeições no português de Portugal, provavelmente mais corrente no litoral do país, em meio urbano. Contudo, como sinónimo de lanche, ainda se usa merenda, do latim medieval merenda, ae, «refeição que se faz à tarde ou ao cair da noite, jantar, merenda, colação». Além disso, jantar significava (ou ainda pode significar) o atual almoço, enquanto ceia era relativo ao que se diz hoje jantar. Assinale-se que cear e ceia provêm respetivamente de duas palavras latinas: o verbo cēno, as, āvi, ātum, āre, «jantar»; e o nome cēna, ae, «o jantar, ...