Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia e significado dos nomes Basseiros e Baceiros.

Resposta:

Baceiros, topónimo que se localiza no concelho de Fafe1, parece derivar de um vocábulo não atestado, um suposto baço, que significaria «sarça».

Nas fontes consultadas2, não se encontra atestação de baço com o referido significado, mas este é o da proposta etimológica do historiador Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa.Exame a um Dicionário, 1999), que pressupõe uma palavra com essa forma existente no vocabulário rural e entretanto perdida, que viria do latim bateu-, «sarça», fitónimo (nome botânico) que, entanto, não se acha atestado.

Mesmo assim, pode supor-se que baceiro terá surgido como termo apelativo de um lugar que se salientava do contexto natural ou agrícola pela existência e/ou abundância de baços. O plural Baceiros sugere que o topónimo terá surgido como designação de várias concentrações desta hipotética planta.

Mas outras hipóteses não são de descartar: por exemplo, a de Baceiros (e Baceiro) derivar de baço, «opaco», em alusão talvez a alguma característica do terreno, que hoje não se afigura evidente ("baço", por falta de exposição ao sol?).

Acrescente-se que o topónimo aparece escrito também com ssBasseiros. Não obstante, atendendo a que em documentos da Idade Média se atesta Bazeiros, segue-se o critério de transpor este z medieval como ç, fazendo com que Baceiro constitua a forma escrita mais consistente do ponto de vista ortográfico.

 

1 Além desta localidade, registam-se outras com a forma Baceiro, bem como, com o mesmo nome, um afluente do

Pergunta:

Quais são o significado e a origem da expressão «o caminho das pedras»? O significado popularizado no âmbito, por exemplo, do marketing digital é o de que se trata da melhor forma de conseguir um determinado resultado; aquele caminho que só os mais experientes têm etc.

É original esse significado?

Muito obrigado.

Resposta:

A expressão «caminho das pedras» está atestada em dicionários elaborados e publicados no Brasil:

«c. das pedras Uso: jocoso. meio pelo qual se pode chegar com mais rapidez, proveito ou vantagem, a um lugar ou a um objetivo desejado, e que supostamente só é conhecido pelos mais experientes ou espertos» (Dicionário Houaiss)

«Caminho das pedras, coloq: maneira ou meio pelo qual se pode chegar, mais rápido e eficientemente, a um lugar, objetivo ou a uma solução de problema e que, supostamente, é conhecido apenas pelos mais espertos ou experimentados: “Assim, além de orientação, este livro dá algumas dicas certeiras, ensinando o caminho das pedras para diversas situações”» (Michaelis).

A expressão também consta da entrada de caminho no Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (2003).

Para além das fontes consultadas, que são omissas quanto à motivação desta expressão, não foi possível encontrar outras que esclarecessem cabalmente a sua génese.

Pergunta:

Clítico (segundo o dicionário Priberam):

«Diz-se de ou palavra que forma uma unidade fonética com a palavra a que está ligada.»

Podiam dar-me exemplos de clíticos que não fossem pronomes?

Resposta:

Preposições como de e por, ou os artigos definidos (o/a) são também clíticos.Contudo, geralmente na descrição gramatical do português reserva-se o termo clítico para denotar os pronomes pessoais átonos (me, te, o/a, se, lhe, nos, vos, os/as, lhes).Trata-se de palavras sem acento próprio, que formam unidades acentuais com as palavras que têm acento próprio: «de casa» (= "decása"), «por casa» (= "purcása"), «a casa» (= "acása"), etc.

Esta definição pode ser reforçada, por exemplo, pela Gramática do Português – vol. III (Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, p. 3425):

«Algumas palavras que pertencem a classes de natureza funcional não são portadoras de acento. As palavras inacentuadas chamam-se clíticos. Os clíticos, sendo palavras morfológica e sintaticamente autónomas, são integradas na palavra fonológica que os segue (proclíticos) ou que os antecede (enclíticos).

A ausência de acento em certas palavras é uma propriedade idiossincrática. Em português, são inacentuados os pronomes pessoais nas formas de complemento direto (me, te, o, a, se, nos, vos, os, as) e de complemento indireto (me, te, lhe, nos, vos, lhes); os artigos definidos e indefinidos; algumas preposições (a, com, de, em, para, por) e algumas conjunções (e, mas, que, ou, porque, como, se).

Apenas os pronomes pessoais se podem juntar à palavra fonológica à sua esquerda, em configuração de ênclise (amo-te).»

Pergunta:

Como poderíamos fazer o diminutivo de jornalista?

Li jornalistinha, mas soa-me francamente mal...

Aproveito para vos agradecer o facto de estarem a responder-nos também nesta fase de confinamento.

Resposta:

 A forma jornalistinha não é impossível, visto que existe pijaminha1, que é diminutivo de pijama, nome masculino com índice temático em -a.

Contudo, o que a descrição linguística regista são os chamados diminutivos "z-avaliativos" (-zinho, -zito) para estes casos:

(1) atletazinho, turistazinho, dentistazinho2

Sendo assim, é preferível jornalistazinho ou jornalistazito.

Note-se que, apesar de jornalista ser um nome comum de dois, visto que a mesma forma denota os dois géneros («o/a jornalista), a adjunção de -zinho acarreta a marcação da variação de género no diminutivo: «um jornalistazinho»/«uma jornalistazinha».

 

1 Ver Alina Villalva, "Sobre a formação dos chamados diminutivos no Português Europeu", in Textos Seleccionados, XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Porto, APL, 2010, p. 792.

2 Cf. Graça Rio-Torto et al.,

Pergunta:

«Em que país moram vocês?»

«De que fruta será que gostam mais?»

«Por que motivo?»

Essas são frases interrogativas muito naturais na língua portuguesa. Mas vejo aqui no Brasil o que sendo trocado por qual, mesmo quando não há propriamente ideia optativa, assim:

«Em qual país moram vocês?»

«De qual fruta será que gostam mais?»

«Por qual motivo?»

Está correto o uso de qual nessas frases? Usa-se em Portugal?

Resposta:

 O uso de qual, tal como se ilustra na pergunta, não é impossível em Portugal, mas não nas mesmas condições:

(1) Qual (é) o país em que moram vocês?

(2) Qual (é/será) a fruta de gostam mais?

(3) Qual (é) o motivo?

Em todas as frases, é possível omitir o verbo ser conforme o uso correto de Portugal.

Que, no Brasil e em Portugal, qual nem sempre se usa da mesma maneira é constatação assinalada na Gramática do Português (vol. III, Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, p. 2542), onde se lê:

«No português do Brasil, é mais comum do que em português europeu a ocorrência de qual em construções não partitivas[1], à semelhança de que (cf. qual livro você comprou?); em português europeu, qual tende a ocorrer mais frequentemente em contextos particulares: (a) quando a interrogativa é um fragmento frásico (cf. iB)); (b) quando tem a função de sujeito do verbo ser em orações copulativas cuja resposta é uma oração copulativa identificadora [...], como em (ii) ; ou (c) combinando-se com um nome explícito, quando o constituinte interrogativo ocorre em posição pós-verbal, como em (iii):

(i)   A –Traz-me aí os livros!
      B – Quais livros?

(ii) a. Qual foi o livro que compraste?
    b. Quais são os teus escritores preferidos?

(iii) O teu pai deu-te qual livro?»

 

1 O uso partitivo de