Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há muita gente que tem dificuldade em empregar o verbo haver no sentido de «existir». Não é raro, antes pelo contrário, ler-se, sobretudo nas redes sociais, «Inaugurado "a" 5 anos», ou «li o livro "à" muito tempo».

Ora, tenho verificado que alguns escreventes, na dúvida, optam por substituir haver por fazer, tal como os brasileiros. Por exemplo, «inaugurado faz 5 anos», ou «li o livro faz muito tempo».

A minha pergunta é: está correcto este emprego do verbo fazer?

 

O consulente segue a norma ortográfica de 45.

Resposta:

A construção temporal com faz , relativa ao tempo decorrido, é correta e encontra-se atestada em várias fontes, incluindo dicionários elaborados em Portugal, como se pode verificar  pelos seguintes exemplos:

(1) «Faz um mês que ele chegou» (Mário Vilela, Dicionário do Português Básico, Porto, Edições Asa, 1991, s. v. fazer).

(2) «Faz duas horas que estou aqui à espera» (Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001, s.v. fazer).

(3) «Já faz um ano que não o vejo» (J. Malaca Casteleiro, Dicionário Gramatical de Verbos, Lisboa, Texto Editores, 2007, s.v. fazer).

Trata-se de uma construção equivalente à construção com – «há um mês/duas horas/um ano» –, embora seja mais corrente no Brasil1 do que em Portugal. Convém, aliás, acrescentar que há falantes de Portugal que só aceitam frases como (1) desde que nelas ocorra «um advérbio ou locução adverbial que introduz o momento de referência»2. Por outras palavras, tais falantes preferirão «faz hoje um mês que ele chegou»3.

Este uso parece decorrer de uma diferença entre a locução introduzida por («há um mês») e a introduzida por faz («faz um mês»): com , o momento de referência é o tempo da enunciação, isto é, o tempo em que o falante produz o enunciado (ex.: «o Pedro casou-se com a Joana há...

Pergunta:

Não é a primeira vez que me interrogo sobre a origem deste raro e curioso topónimo: "Candam".

Ao que sei, existem apenas duas povoações com este nome, uma na Beira Alta, em pleno concelho de Oliveira do Hospital, e outra nas circunvizinhanças de Águeda.

Gostaria de obter mais algumas informações, se assim for possível, acerca da etimologia de "Candam", e igualmente o porquê da grafia "-am" nestas duas circunstâncias.

Muito agradeço, desde logo, a vossa atenção.

Resposta:

A forma "Candam" configura uma resistência antiga à grafia contemporânea do topónimo, que só poderá ser Candão, visto que -am só ocorre na escrita das formas verbais, desde a Reforma Ortográfica de 1911.

Trata-se de um topónimo cuja sequência inicial (ou radical) – cand- – ocorre com alguma frequência no ângulo NW da Península, englobando as Astúrias (Cándanu)1, as regiões de tradição leonesa, a Galiza (Candán)2 e o território português até ao Mondego e ao Sistema Central. Este elemento parece ter origem pré-romana, embora o latim candidus, «branco», não lhe seja estranho, que faz supor que se trata de elemento de origem indo-europeia. O seu significado terá passado por certa variação e evolução semântica -- de «pedra,rocha» e «areia» a «branco» --, pelo que a toponímia permite avaliar (cf. Fernando Cabeza Quiles, Toponimia de Galicia, 2008, p. 144/145).

O historiador A. Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário, 1999) não refere diretamente Candão, mas comenta Canda (nos concelhos de Melgaço e Ribeira de Pena) e Candeeira" (nos concelhos de Anadia, Cinfães, Ponte de Lima, Redondo,V. N. Famalicão, Vouzela e na Galiza) , aos quais associa Candal e Candosa, que interpreta como originários de palavras referentes a terrenos rochosos. Para este autor, teria havido em tempos recuados um vocábulo nominal e/ou adjetival com a forma *candano. É plausível propor que Candão se filie ne...

Pergunta:

Gostaria de saber, por favor, se a expressão «por baixo dos panos» está registada em Portugal. E, já agora, aproveito para perguntar se existe algum livro recomendável para a consulta de expressões deste género e dos seus fundamentos (algumas expressões são menos intuitivas).

Muito obrigado.

Resposta:

A forma «por baixo do pano» – «por baixo dos panos» será simples variante – tem registo como subentrada de pano no Dicionário Houaiss com o significado de «de maneira oculta; às escondidas».

Entre dicionários elaborados em Portugal, encontra-se registo da expressão «por baixo do pano» (s.v. pano) no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e no dicionário de expressões idiomáticas do António Nogueira Santos. Não figura no Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, no qual, no entanto, se recolhe «por baixo da capa» e «por baixo da mesa», com sentido semelhante.

Além das fontes mencionadas, não foi aqui possível identificar uma obra sobre expressões idiomáticas que abranja as diferentes variedades do português contemporâneo.

 

Pergunta:

Estou a tentar adaptar um livro da variante brasileira do português para o português de Portugal. É realmente um desafio, porque parecem dois idiomas distintos...

Será que me podem ajudar a resolver uma expressão?

Trata-se de uma pessoa que entrou num movimento que acabou por não singrar (o movimento). A autora diz-nos que «o movimento não resultou e a pessoa x DEIXOU QUIETO».

O que significa «deixar quieto», neste contexto?

Já agora, conhecem algum bom instrumento para resolver este tipo de problemas de adaptação?

Muito obrigado.

Resposta:

Nos dicionários e glossários impressos a que temos acesso, não encontramos registo de «deixou quieto» como expressão idiomática. Contudo, uma pesquisa Google permite apurar que se trata efetivamente de um uso idiomático brasileiro.

Com efeito, em páginas brasileiras, cuja linguagem anda longe de formal, é possível detetar «deixou quieto», interpretável como «deixou passar/não reagiu (a gestos ou palavras, eventualmente desagradáveis):

(i) «Barreiros não deixou quieto e voltou a responder o cantor, a quem chamou de canalha.» (Folha de S. Paulo, 24/12/2020 )

(ii) «Atriz de 38 anos não deixou quieto os comentários sobre a imagem.» (R7, 23/06/2016)

(iii) «Não sendo correspondida em ímpeto e audácia, deixou quieto.» ("Crime carnal", Piauí, março 2010)

Num dicionário de expressões populares e calão do Brasil ("gírias") – Dicionário Popular1 –, há dois registos, um mais fonético do que o outro:

«DEIXA QUÉTO = deixa pra lá, esquece.»

«DEIXAR QUIETO = deixar passar, deixar pra lá, não considerar.»

É,portanto, plausível que «deixar quieto» também possa ter significado mais alargado, como sinónimo de «deixar cair (no esquecimento)», «esquecer», «não voltar a  tocar no assunto». O caso em apreço – ««o movimento não resultou, e ...

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra manualidade existe.

Obrigada.

Resposta:

A palavra está dicionarizada, por exemplo, na Infopédia (Porto Editora):

«manualidade ma.nu.a.li.da.de [mɐnwaliˈdad(ə)] nome feminino 1. qualidade ou condição de manual 2. habilidade no uso das mãos; destreza manual 3. obra ou trabalho executado com as mãos»

Note-se, porém, que no mesmo sentido de «trabalhos manuais (em contexto escolar)», expressão corrente em Portugal, o uso de manualidades parece configurar um castelhanismo – o espanhol manualidades, –, uso eventualmente condenável do ponto de vista normativo mais estrito.