Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Um artigo recente – "Olhá bujarda, é a fina flor do entulho" – lançou-me esta dúvida: no sentido de «asneira» «calinada», «dito disparatado», não se escreve com o (bojarda)?

Os meus agradecimentos.

Resposta:

É de facto com o, quando significa «asneira». «calinada», «dito disparatado», conforme o registo e a definição do Dicionário Infopédia e doutras fontes. Está atestado desde o começo do século XIX, no dicionário de Morais (cf. Dicionário Houaiss).

O homófono (para falantes de Portugal) com u, bujarda, significa «martelo com duas cabeças quadradas e revestidas de pontas, utilizado no acabamento de pedras» e será aportuguesamento do francês boucharde, embora nesta adaptação não seja de excluir alguma ação analógica com o j de bojarda por via popular. Tem atestação um século século depois, num dicionário brasileiro de termos técnicos (ibidem).

Pergunta:

Creio que esta é uma boa altura para dissiparem as nossas duvidas relativamente ao uso de «estratego», «estratega» e «estrategista».

Isto porque, numa das vossas respostas, referem que se escreve estratego e não estratega, mas vários dicionários aceitam não só estratega mas também (na Infopédia, até como forma preferencial) «estrategista» (que, numa outra resposta vossa, aparece como forma do Brasil).

A confusão está criada. Pedia-vos que me ajudassem.

E agradeço desde já.

Resposta:

Estratego e estrategista são formas corretas. Quanto a estratega, é forma  discutível.

Começando por estrategista,  é esta uma forma correta.

Quanto a estratego e estratega, ainda não será aqui que se deslinda o caso, que, mesmo assim, não chegará a confusão.

O recomendado em Portugal por autores prescritivistas era  – e por enquanto continua a ser – a forma estratego, que é indiscutivelmente correta, conforme se pode confirmar no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (1940) e no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves. E se recuarmos à transição da monarquia para a República em Portugal, veremos que Gonçalves Viana só considerava estrategista e estratego.

Estratego é, aliás, a única forma que fontes lexicográficas registam como sinónima de estrategista, já que não consignam estratega  – cf. Dicionário Michaelis, o Dicionário Houaiss e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras1.

Assim:

– Acontece que, em Portugal, a partir de época que não é possível aqui precisar, se enraizou a forma estratega, que, por exemplo, a 

Pergunta:

A [minha] questão é colocada porque o denominado Dicionário CUSTOM.DIC do Departamento de Língua Portuguesa tem o termo oleo-hidráulico sem acento [no prefixo], quando, segundo as regras da utilização do hífen, deveria ser acentuado.

Antecipadamente agradecido.

 

Resposta:

O registo mencionado na pergunta está correto, porque oleo- é usado como prefixo (ou melhor, radical), e não se acentuam graficamente – nem mesmo quando são separados por hífen – os prefixos com acento prosódico próprio que se ligam graficamente ao elemento prefixado. Por outras palavras, assim como não se apõe o acento em oleorresinoso, também não é ele escrito sobre o primeiro elemento de oleo-hidráulico. O hífen deste caso deve-se ao facto de o elemento prefixado começar por h (hidráulico).

Esclareça-se que, no quadro da anterior norma ortográfica (1945), este princípio já era aplicado a certos prefixos que só eram seguidos de hífen sob determinada condição. Lê-se nas Bases Analítcas do Acordo Ortográfico de 1945, sobre hiper, inter- e super-:

«5.°) [Emprega-se o hífen em] compostos formados com os prefixos hiper, inter e super, quando o segundo elemento tem vida à parte e começa por h ou por um r que não se liga foneticamente ao r anterior: hiper-humano; inter-helénico, inter-resistente; super-homem, super-requintado

Observa-se nesta passagem que os prefixos hiper-, inter- e super- não passam a ter aposto nenhum acento gráfico antes de hífen, apesar de terem acento tónico na primeira sílaba. Perante estes casos, é de inferir que outros em condições semelhantes, isto é, só seguidos de hífen em contextos especiais, também alinhem pelo mesmo princípio (cf. Acordo Ortográfico de 1990, Base XVI, 1.º). É, portanto, este o caso de oleo-.

No entanto, há prefixos que se escrevem sempre com acento agudo e são sistematicamente seguidos de hífen, de harmonia com outro preceito que  já se encontrava na norma de 1945 e que a norma em vigor não alterou:

...

Pergunta:

Qual a origem da expressão «até mais» (despedida)?

Esta expressão representa um registo linguistico mais formal ou informal?

Obrigado.

Resposta:

Não foi possível colher informação informação sobre a história factual de tal fórmula de despedida, é de supor que tenha por base enunciados como «até nos vermos mais uma vez».

É uma variante de «até mais ver», registada por João Nogueira Santos, em Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006):

«até mais ver: forma de despedida que sugere uma longa separação.»

No entanto, esta fórmula parece hoje ocorrer numa situação de despedida, mesmo que o reencontro não esteja assim tão distante, conforme atesta o Dicionário Houaiss:

(1) «até mais ver: até logo, até a vista.Ex.: <agora parto> <até mais ver>.»

Dado que a fonte deste exemplo é do Brasil, poderia supor-se aqui um brasileirismo, mas não é certo que o seja, porque pode ocorrer também em Portugal:

(2) «Pronto, eu vou andando; até mais  ver (logo nos  tornaremos a ver)» (Énio Ramalho, Dicionário Estrutural,Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Como se lê a palavra Baguim, isto é, em quantas sílabas se divide essa palavra: "ba-guim" ou "ba-gu-im"?

Queria também saber se leva ou não acento gráfico.

Obrigado.

Resposta:

A palavra pronuncia-se sem u audível – pronuncia-se /bɐgĩ/ – e tem duas sílabas: ba.guim.

Note-se que, mesmo que o u tivesse realização fonética – que não tem1 –, a palavra continuaria ter duas sílabas, tal como sucede com pinguim, porque a sequência gu forma uma unidade cujo u se associa à vogal seguinte num ditongo crescente.

Acrescente-se que, do ponto de vista etimológico Baguim (o topónimo completo é Baguim do Monte, no concelho de Gondomar), terá origem na expressão latina medieval «(villa) Baquini»1. Assinale-se, porém, que a forma medieval pode já ser o resultado da alteração fonética de um antropónimo mais antigo, Baculinus, derivado do também antropónimo Baculus, talvez de origem céltica3. Na Galiza, na província de Pontevedra, encontra-se o topónimo Bagüín (concelho de Marín), que parece ter a mesma proveniência.

 

1 É um nome bem conhecido na região do Porto, e pode confirmar-se que o topónimo se articula sem u. Há uma estação de metro com este nome, que serve a localidade em apreço.

2 Cf. José Pedro Machado, Dicionário Onom...