Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho encontrado o termo "membrezia" e "membresia" em sites portugueses para definir a pertença a um grupo/ clube.

Qual dos termos é mais aceitável, se é que algum? Li a entrada acerca de "membresia" mas não fazia menção a esta outra grafia...

Obrigada.

Resposta:

Por enquanto, membresia, que já tem registo dicionarístico (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), é termo para empregar ainda com alguma cautela, pelo menos, em Portugal.

Há 16 anos já se falava desta palavra e do seu uso no Brasil – cf. Dúvidas Linguísticas, na página do FLiP, 04/08/2005). Trata-se de uma clara adaptação do espanhol americano membresía (com a variante membrecía), castelhanização do inglês membership, termo que, em português, continua  a ser geralmente traduzido de formas variadas, de nomes a construções, em função do contexto: adesão, associação, filiação, afiliação, «ser membro/filiado» – cf. Linguee e resposta anterior aqui.

Em todo o caso, querendo adaptar o castelhano, diga-se que quer membresia quer o não atestado membrezia dão corretamente conta da dualidade originária de membresía/membrecía. A primeira forma tem s, tal como na correspondência entre o português casa e o castelhano casa (se bem que a pronúncia do s português e a do s castelhano tenham diferenças apreciáveis); a segunda, apresenta z, alinhando com palavras portuguesas com z intervocálico que são 

Pergunta:

O que significa a palavra mentidero?

Em que sentido posso empregá-la?

Resposta:

Trata-se do castelhanismo mentidero, que significa «lugar onde se reúnem pessoas para conversar» e «grupo humano ou ambiente em que se comentam alguns aspetos da atualidade» (dicionário da Real Academia das Ciências).

Ocorre também sob o aportuguesamento mentideiro  (Infopédia): «1. lugar donde habitualmente se propagam boatos e mentiras; 2. conjunto de pessoas que falam da vida alheia; soalheiro».

A palavra ocorre, portanto, em referência a grupos de pessoas que se dedicam a divulgar e comentar a vida alheia, muitas vezes, como exercício de maledicência.

Pergunta:

Já li a pergunta "A concordância do verbo doer" e tenho uma pergunta relacionada: tem a palavra dor de ser usada em concordância com o número da parte do corpo que está a doer?

«Dores na costas», mas «dor de cabeça»?

Na minha língua materna seria sempre o plural, porque a região que dói não é bem delineada e praticamente inumerável.

Resposta:

O uso do plural dores não depende sistematicamente da forma gramatical da parte do corpo a que se reporta.

Diz-se: «estou com dores nas costas», «estou com dores de cabeça», «estou com dores de dentes», «estou com/tenho dores de estômago», «sinto dores no peito», no sentido genérico de «ter dor» ou «ter dores». Por outras palavras, dores pode remeter para qualquer parte do corpo, seja esta geralmente denotada por um nome no singular ou por um nome no plural.

Mas também se emprega o singular, para sublinhar uma dor numa situação concreta:

(1) Estou com uma enorme dor de cabeça/de dentes

Este uso pode dispensar o artigo indefinido: «estou com dor de cabeça»

Uma consulta do secção histórica do Corpus do Português, de Mark Davies, mostra que a ocorrência do plural de dor não é concomitante do plural do seu complemento, porque a par  de «dores de costas» se atesta «dor de costas» e «dores de dentes» (11 ocorrências), que inclui o plural dores, associado a outro plural, dentes, e chega a figurar textualmente menos vezes que «dor de dentes» (28 ocorrências).

O uso do plural parece mais frequente em Portugal do que no Brasil. Com efeito, uma consulta do mesmo corpus revela que, enquanto nos textos representativos do português de Portugal têm frequências próximas as sequências «dor de...» (92 vezes) e «dores de...» (82 vezes), nos textos do Brasil desenha-se um claro predomínio de «dor de...» (172 vezes) sobre «dores de...» (39 vezes).

Também o exame da construção «(ter/sentir) dor em(parte do corpo)» no referido corpus – p. ex., «dor na coluna»/«dores na espinha» e «dor nas costas/dores nas costas» – leva a concluir que não há relação entre a pluralização de dor e a do nome anatómico a que se refere.

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da expressão nordestina «vai para baixa da égua».

Que é «baixa da égua»?

Quando começou a ser usada?

Resposta:

Nas fontes consultadas1, não se encontra informação conclusiva sobre a origem factual da expressão.

Embora a informação recolhida na Internet seja pouco fiável, mencione-se a indicação facultada pelo Dicionário Informal e pelo Wikcionário, que confirmam a relação da expressão com o nordeste do Brasil e o seu uso no sentido de «lugar muito distante, para onde não se deseja ir», sobretudo, como imprecação, para afastar alguém cuja presença é importuna. 

O mais que aqui se pode sugerir é ter a expressão origem nalgum topónimo não identificável, relativo a lugar objetiva ou subjetivamente muito afastado.

1 Foram consultados o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o Dicionário Michaelis e o dicionário de Caldas Aulete.

 

N. E. (21/02/2021) – Regista-se a variante «para a baixa da égua», com artigo definido antes de baixa (cf. Dicionário Informal). Como termo descritivo de configuração topográfica, baixa pode significar, segundo o Dicionário Houaiss, «depressão de terreno; baixos», «o fundo de um vale; lugar baixo», «parte do campo que fica submersa pelas chuvas de inverno» (regionalismo do Pará) e «parte menos funda de mar ou de rio» (arcaísmo). Há casos do uso toponímico (toponimização) deste termo em Portugal, quer no continente (Baixa da Ba...

Pergunta:

Em espanhol a expressão saber a gloria indica que uma comida é muito boa ou um facto é muito aprazível.

Como tradução ao português, no dicionário da Infopédia, encontrei a expressão «saber-lhe pela vida».

No caso de se usar, seria correto conjugar o verbo, por exemplo: «sabe-me pela vida»?

Obrigada.

Resposta:

A frase em questão está correta, ou seja, no sentido de «ter sabor», o verbo conjuga-se na 3.ª pessoa (singular ou plural) podendo ter associado um pronome pessoal referente à pessoa que tem a experiência do sabor: «sabe-me/te/lhe/nos/vos/lhes pela vida».

Construídas com saber (= «ter sabor»), registam-se outras expressões que parecem muito mais correntes do que «saber pela vida»1:

– «saber divinamente»: «o jantar estava ótimo e soube-me divinamente»;

– «saber que nem ginjas»2 (popular) = «este petisco sabe que nem ginjas»; «isto sabe-me que nem ginjas»;

– «saber pelas almas»;

– «saber a nozes».

 

1 Consultaram-se o Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), de Orlando Neves, e o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições 70, 1993), de Guilherme Augusto Simões.

2 Regista-se também «saber a gaitas», expressão que Orlando Neves, op. cit.,comenta assim: «No plural, "gaitas" é o nome dado aos orifícios que a lampreia tem debaixo da boca e que, de certo modo, lembram os das flautas ou gaitas. Dizem os apreciadores do ciclóstomo que essa é, precisamente, a sua parte mais saborosa. Porque a expressão já tinha sido utilizada por D. Francisco Manuel de Melo na Feira de Anexins, não colhe a hipótese posta por Pinto de Carvalho (Tinop) no seu livro Lisboa de Outros ...