DÚVIDAS

Hiato e ausência de acento gráfico em rainha

Existe algum argumento real para justificar que rainha, moinho ou buinho não levem acento, mas que o devamos colocar sobre faúlha, suíno ou raízes?

Ou então diga-se claramente que é uma exceção arbitrária que temos de seguir.

Resposta

Trata-se de um preceito com base numa generalização e que terá aparecido pouco antes da reforma de 1911.

Com efeito, nas Bases da Ortografia Portuguesa de 1885Gonçalves VianaVasconcelos Abreu escrevem moínho, com acento agudo, donde se infere que se propunha acentuar também outras palavras terminadas pela sequência de vogal + -inho/a: raínha,buínho, graínha...

Contudo, o mesmo Gonçalves Viana, em 1904, na sua Ortografia nacional; simplificação e uniformização sistemática das ortografias portuguesas, invoca o argumento da raridade da ocorrência de ditongos antes de nh quando propõe o seguinte preceito (p. 191):

«Sam tão raros, porém, os vocábulos em que [...] "i" ou [...] "u" formem ditongo com a vogal precedente, se depois dêles há uma consoante,diferente do "s", pertencente á mesma sílaba, ou a nasal "nh", ainda que inicial da sílaba seguinte, que a simplicidade nos aconselha a que os deixemos sem acentuação gráfica em tal situação; exemplos: "raiz", "boiz", "sair", "adail", "ainda", "Coimbra", "buinho","moinho", "rainha", "paul", "ruim","maunça", etc.»

Gonçalves Viana volta ao mesmo critério em 1909, no seu Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Lingua Portuguesa conforme A Ortografia Nacional do mesmo autor (pp. XXVIII/XXIX):

«XX—Advirto ainda que a desunião de i, com relaçâo ao a que o precede, é a usual em sílaba fechada por consoante que não seja s, e que, portanto, palavras como sair, raiz, eqüivalem a sair, raiz, e só terão de receber acento quando o r ou z formarem sílaba com a vogal seguinte, saíres, raízes. Outro tanto acontece com i antes de nh, como em rainha, moinho, que se pronunciam rainha, moinho, em três sílabas, das quais a segunda é a predominante, sem que seja preciso marcá-la, como tal, com o acento, por ser facto geral.»

Mesmo assim, no "Formulário Ortográfico conforme o plano de regularização e simplificação da escrita portuguesa", associado ao Relatório (...) para fixar as bases da ortografia (...), publicado no Diário do Governo, n.º 213, 12/09/1911, lê-se:

«Quando a segunda de duas vogais consecutivas seja i ou u, que não forme ditongo com a vogal precedente, marcar-se há com o acento agudo, se fôr tónica; ex.: saí, saída, faísca, saúde, balaústre, raízes, baú(s). Se fôr átona pode assinalar-se com o acento grave; ex.: saìmento, faìscar, saùdar, enraìzado, abaùlado. É lícito dispensar-se o agudo se a consoante seguinte não fôr s; ex.: ainda, raiz, sair, contanto que não inicie outra sílaba. Podem, portanto, escrever-se Coimbra, raiz, sair, sem acento, mas exigem-no saída, saíra, saúde, raízes, ataúde, etc.»

Como o texto é omisso sobre nh, seria de esperar que se considerasse o dígrafo uma consoante que inicia sílaba, e,portanto, moinho, rainha ou buinho teriam acento agudo, não se alinhando com os casos de Coimbra, raiz, sair.

Porém, não é o que se verifica na 2.ª edição do Vocabulário Ortográfico que Gonçalves Viana publicou em 1913 e que retoma o disposto em 1909. Também no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa de 1940 ("Normas da escrita portuguesa", p. XLIII) se continuou a incluir o nh no referido preceito, assim como no Vocabulário Ortográfico Resumido da Língua Portuguesa de 1947, decorrente do chamado Acordo Ortográfico de 1945.

acordo atualmente em vigor não altera esta situação.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa