Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É mais correto o uso de «programa de mentoria» ou «programa de mentorado»?

E quanto à pessoa que beneficia de um programa desse género, deve designar-se por mentorado ou mentorando?

 

Resposta:

Os dois termos estão em uso e, do ponto de vista linguístico, estão ambos bem formados. No entanto, é mentoria que encontra registo nos dicionários consultados, no sentido genérico de «orientação»:

«cargo ou função de mentor» (Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa – DACL)

«1. Cargo ou função de mentor. 2. Relação entre o mentor e a pessoa guiada ou aconselhada por ele.» (Dicionário Priberam)

«1. sistema em que uma pessoa mais velha e experiente (mentor) orienta e encaminha outra mais jovem e com menos experiência; 2. conjunto das funções exercidas por um mentor; 3. [por extensão] orientação; aconselhamento» (Infopédia)

1. Cargo ou função de mentor.

2. Relação entre

Pergunta:

Professor Pasquale insiste que a loja de doces é doçaria no idioma português!

Mas por que não será "doceria", já que a palavra doce não tem ç (cê cedilha), nem a de verdade?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

O sufixo tradicional é -aria mesmo quando se associa a substantivos terminados em -e.

Por exemplo, de peixe vem peixaria. Do mesmo modo se obtém doçaria, de doce. O ç é necessário para manter o som [s] antes de a (caso contrário, ler-se-ia "do[k]aria").

Contudo, dicionários brasileiros e portugueses registam a variante doceria, ao que parece, típica do Brasil, país onde é mais corrente o sufixo -eria em formas como bilheteria, charcuteria, lavanderia, loteria ou sorveteria (cf. Dicionário Houaiss, Michaelisdicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Priberam).

 

N. E. (12/07/2024) – Esclareça-se que a forma doceria é característica do Brasil e está correta. Em Portugal, a forma usada tem o prefixo tradicional: doçaria.

Pergunta:

Sobre Beersheva, temos uma versão portuguesa estabilizada do nome desta cidade no sul de Israel?

Obrigado

Resposta:

Existe Bersabé, forma registada no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçaves, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e na Infopédia (se bem que, neste caso, a forma Bersabé figure não no dicionário de toponímia, mas no dicionário bilingue inglês-português).

Note-se, porém, que no Brasil se regista a forma Bersabeia (ver Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Gostaria de saber se os nomes dos povos indígenas devem ser escritos com letra inicial maiúscula atualmente.

Numa oração como «Os Mayos ou Yoremes são um grupo indígena que habitava perto dos vales mexicanos do rio Mayo e do rio Fuertes», podemos considerar correto o uso da inicial maiúscula?

Além disso, conserva-se o nome original em espanhol, algo que, acredito, é correto.

Muito obrigada e parabéns pelo trabalho.

Resposta:

Os nomes dos povos indígenas são um caso muito especial do ponto de vista ortográfico.

Com efeito, além da norma ortográfica geral, existe a "Convenção para a Grafia dos Nomes Tribais" (CGNT), que foi estabelecida na 1ª Reunião Brasileira de Antropologia (Rio de Janeiro, novembro de 1953) e que determina que os substantivos se escrevam com inicial maiúscula e que estes e os adjetivos sejam invariáveis. Exemplo: os Apinayé, os Borôro, a cerâmica kadiwéu (cf. Dicionário Houaiss s.v. etnônimo).

Para os povos indígenas do território brasileiro, pode consultar-se o Dicionário Houaiss, que apresenta os nomes registados quer de acordo com a ortografia geral quer em conformidade com a CGNT. Contudo, torna-se mais discutível aceitar as formas de nomes de povos indígenas que vivem nos territórios de outros Estados, sobretudo quando se trata, como é o caso de "Mayos" e "Yoremes", de formas espanholas, que não seguem nem a ortografia do português nem os critérios da CGNT.

Sendo assim, apesar de opção por formas invariáveis Mayo e Yoreme, com maiúscula inicial se forem substantivos, nada obsta ao aportuguesamento desses nomes, os quais, no entanto, não parecem ter registo nos dicionários mais antigos ou atualizados. Apesar de tudo, podem sugerir-se as seguintes formas: "maios" e "ioremes".

É de notar que em Portugal, no quadro da ortografia geral, é possível escrever os etnónimos com maiúscula inicial quando se refere um grupo étnico ou uma nação no seu: «Os Tupinambás». No Brasil, ao que sabemos, mantém-se um preceito que já vem do Formulário Ortográfico de 1943, o de esc...

Pergunta:

Queria perguntar se se pronuncia a letra R que vai depois das letras S, N ou L como R forte, da maneira espanhola ou não.

Por exemplo a palavra honrar – [onrrar], no lugar de [onrar].

Obrigado.

Resposta:

Depois de l, n ou s, o r pronuncia-se como vibrante múltipla, equivalente ao rr de terra, como acontece, quanto ao modo de articulação, em espanhol: palrar, honrar, Israel.

Note-se, porém, que o ponto de articulação dessa vibrante múltipla em português é atualmente diferente do r forte espanhol. Com efeito, o rr espanhol é uma consoante vibrante apical, cujo símbolo fonético é [r]. Não obstante, entre grande parte dos falantes de português contemporâneo, o r forte é uma consoante fricativa uvular múltipla, cujo símbolo fonético é [R], muito semelhante ao r do francês.

Entre vogais, o r português é geralmente1 idêntico ao do espanhol, ou seja, é uma vibrante apical simples, cujo símbolo fonético é [ɾ]: cara.

 

1 Há exceções, sendo a mais conhecida a do chamado "r caipira", que é uma consoante vibrante simples retroflexa. Em Portugal, ao que parece, entre falantes mais jovens, nota-se igualmente uma tendência para este r fraco ser articulado como retroflexo.