Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de indagar acerca da origem e significado do provérbio «vencer a língua é mais que vencer arraiais».

Descobri-o num velhinho rifoneiro português e não encontro nenhuma referência.

Obrigada

Resposta:

É um provérbio que figura em Adagios, proverbios, rifãos e anexins da lingua portugueza tirados dos melhores authores nacionaes, e recopilados por ordem alphabetica, uma recolha do impressor-livreiro Francisco Rolland publicada em Lisboa, em 1780.

Não foi aqui possível identificar a origem precisa do provérbio, mas, quanto ao significado, é plausível a seguinte paráfrase: «refutar uma argumentação ou uma acusação, que são feitas verbalmente, com hostilidade, é mais importante do que a vitória no combate físico contra um inimigo.»

Pergunta:

Recentemente encontrei o seguinte fragmento numa revista portuguesa: «Indo um pouco mais além, cabe destacar os interessados responder afirmativamente às questões 2 e 4.»

Gostaria de saber se não seria redundante o uso de «mais além» nesse contexto.

No Brasil, parece-me que poderia ser mais comum "Indo um pouco além" para adicionar uma informação ao que se disse antes, mas não tenho certeza.

Muito obrigada pela ajuda sempre inestimável.

Resposta:

A associação de mais a além não é redundante.

A expressão resultante – «mais além» – pode justificar-se de duas maneiras:

a) na situação de comunicação já se referiu um afastamento –«além» – que é ultrapassado por novo afastamento: «aqui cresce um pinheiro, ali um jacarandá, além uma roseira e mais além um carvalho»;

b) como expressão enfática: «o assunto é vastíssimo e podemos ir mais além do que já foi dito».

Há exemplos de «mais além» na literatura portuguesa do século XX (cf. Corpus do Português):

(1) «Seguia-se, depois, o canavial, recreio da boca, quando lhe apetecia um sumo adocicado, e, mais além, quatro pés de macacheira e alguns de mandioca, cultivados por entretenimento, pois a agricultura não era ali motivo de atracção.» (Ferreira de Castro, A Selva, 1935)

(2) «Os farolins acendiam-se lentamente: aqui um, mais além outro.» (João Gaspar Simões, Uma História de Província: Vida Conjugal, 1936)

(3) «O sol alumiou aqui, desapareceu, espraiou-se mais além, refulgiu no cobre duma lamparina, fez brilhar poeiras em suspensão, sumiu-se.» (Mário de Carvalho, Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, 1994)

Note-se que «mais além» também ocorre em textos literários brasileiros:

(iv) «O capinzal mais além onde ele ficava de castigo vigiando as galinhas para que não viessem pisar no coradouro os lençóis que alvejavam ao sol.» (Rachel de Queiroz, Dora, Doralina, 1975)

(v) «Mais além havia outra ponte, esta ligando Santo Antônio ao bairro da Boa Vista, que se formava sobre mangues aterrados.» (Gilvan Lemos, Espaço Terrestre, 1993)

Cumprimentos,

Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Pergunta:

Porque se diz «um amigo para o inverno»?

Resposta:

A expressão «amigo para o inverno» usa-se em referência à «pessoa que complica quando quer ajudar» (Dicionário das Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões)1. Há também registo de «amigo para o inverno» como o mesmo que «amigo por interesse» (Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Pesília de Melim Teixeira).

 A expressão ocorre como título do romance Um Amigo para o Inverno (Casa das Letras, 2013), do escritor português José Carlos Barros, que dá conta do significado ligeiramente diferente que lhe é dado na região do Barroso:

«A expressão que dá nome ao meu romance (Um Amigo para o Inverno) ouvia-a ao meu avô (no Barroso, em contexto rural, portanto) no sentido de “olha este, agora que não há nada para fazer é que aparece, que belo amigo…” Ou seja: a expressão refere-se aos supostos amigos que apenas nos visitam no Inverno, quando nos campos quase não há nada para fazer; amigos, portanto, que aparecem para beber um copo à lareira, para conversar, para jogar uma suecada – mas que ninguém vê quando se agradeceria ajuda nas actividades agrícolas. São amigos bons para o Inverno, em que não há nada para fazer, não quando se precisaria deles.»2

1 A expres...

Pergunta:

Há algum tempo que não ouço uma expressão que costumava ouvir, mas nunca a vi escrita e não entendo nem a origem da expressão nem se ela se refere à cor ou ao gentílico.

Diz-se que uma pessoa muito célebre é «mais conhecida que o cão russo» ou «ruço»?

Obrigada,

Resposta:

Nas fontes aqui disponíveis, não se encontrou registo da expressão em apreço. Não foi, assim, possível esclarecer se a forma correta é com russo ou ruço.

Mesmo assim, comparando com outras expressões, como «doutor da mula ruça», é bem provável que seja ruço a forma certa.

Acrescente-se que se atestam expressões que querem dizer o mesmo, como é o caso de «mais conhecido que o Chico da Arruda».

Pergunta:

Bom dia! Gostaria de saber se os vocábulos "simultaneamente" e "futuramente" são advérbios de tempo. Muito obrigado! Mário Seara

Resposta:

São advérbios de tempo.

Simultaneamente é formalmente um advérbio de modo, mas semanticamente é um advérbio de tempo. Futuramente é caso igual, forma-se como advérbio de modo, mas é advérbio de tempo.