Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Queria saber qual é o termo que se usa em português para designar o inglês crumble, isso é, por uma parte, a cobertura crocante de um doce tipo tarte, com frutas, tradicional de Inglaterra, e por outra (e por extensão) esse mesmo doce.

Muito obrigada.

Resposta:

Não parece haver termo vernáculo estável para crumble, que, aliás, é um conceito relativamente recente – mas cada vez mais popular – no contexto da pastelaria e até genericamente da gastronomia em português. Compreende-se, portanto, que o dicionário monolingue de português da Infopédia registe o próprio anglicismo, sem qualquer adaptação. Além disso, o dicionário inglês-português desta plataforma traduz o termo crumble por si próprio.

Mesmo assim, uma consulta de dicionários em linha e sítios de tradução permite sugerir «crocante de maçã» – cf. Linguee1.

Além disso, se se trata de uma camada crocante, não parece haver impedimento para empregar a palavra crosta; e até poderia criar-se, em referência à camada de bolacha ou de outra origem (pão, frutos secos triturados), expressões como «maçã (assada) com crosta» ou «frutos silvestres com crosta». Acontece que nenhuma destas últimas sugestões tem usos atestados.

1 Note-se, porém, que o uso de crocante (ou crosta) em referência a este doce pode ser discutível, porque o termo pode aplicar-se a outro tipo de doce que tem o mesmo efeito quando mastigado (cf. Priberam).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a grafia correta para os topónimos começados pelo som A-do, pois encontram-se registos com 3 grafias diferentes. Ex. A-do-Mourão, A-das-Lebres, A-dos-Bispos Será: - À-do - A-do - Á-do

Agradeço desde já o vosso trabalho e a ajuda prestada.

Resposta:

Os topónimos formados com «A de/da/de...» escrevem-se sem hífenes.

Vocabulário Toponímico associado ao Vocabulário Ortográfico Comum (VOC, 2017), do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, regista os topónimos com esta estrutura sem hífen e com A de separado (eventualmente com as contrações da ou do):

Assim, os topónimos em questão deverão ter as seguintes grafias:

A do Mourão

A das Lebres

A dos Bispos

A ausência de hífen nestes casos não é de agora, pois já se encontra ilustrada em 1947, no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, e no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) do mesmo autor.

Pergunta:

Em cores originadas de adjetivos compostos apenas o segundo elemento sofre a concordância nominal.

A minha dúvida é se isso se mantém quando vem antecedido da palavra cor, como nos exemplos: "roupa na cor amarelo-esverdeada" / "vermelho-clara" / "azul-escura" etc.

Ou seja, concorda em singular feminino, pois é antecedido da palavra cor, certo?

Ou a cor ficaria invariável: «roupa na cor "amarelo- esverdeado" / "vermelho-claro" / "azul-escuro"» etc?

Resposta:

Fica «cor amarelo-esverdeada», «cor vermelho-clara» e «cor azul-escura».

Com a palavra cor, os adjetivos compostos relativos a cor seguem a regra geral da concordância quanto ao género: só o segundo elemento apresenta a variação, se se tratar de adjetivo que tem flexão nos dois géneros, masculino e feminino.

Sendo assim, assim como se diz «saia vermelho-clara» ou «blusa azul-escura», porque saia e blusa são do género feminino, também se profere «cor vermelho-clara» e «cor azul-escura».

Pergunta:

Estou a ter alguns problemas para distinguir ditongos crescentes.

Poder-me-ão dizer se é uma situação normal, dado que são muito instáveis e que há quem os considere falsos ditongos. (Já vi quem defenda serem falsos ditongos, outros, porém, chamam-lhes falsas esdrúxulas. Não sei qual seria a designação apropriada.).

O problema é, no momento em que tenho de acentuar graficamente as palavras que os incluem, não sei porque tenho de aplicar a regra.

Como posso justificar a acentuação gráfica em palavras como: contrário, mágoa, tábua, nódoa, ténue, árduo, vácuo, polícia, côdea, cárie, aéreo? Ou a sua ausência em: lavandaria ou geometria?

Agradeço desde já a atenção e parabenizo o sítio do Ciberdúvidas e o vosso labor extraordinário. Bem hajam!

Resposta:

Havia quem considerasse que em português só havia ditongos decrescentes, mas há muito que os filólogos e os linguistas assinalavam que havia ditongos crescentes na pronúncia despreocupada e mais rápida.

Os casos de contrário, mágoa, tábua, nódoa, ténue, árduo, vácuo, polícia, côdea, cárie, aéreo podem, portanto, ser vistos de duas maneiras:

A. São acentuadas na antepenúltima sílaba – são esdrúxulas –, porque as sequências vocálicas finais pertencem a duas sílabas átonas diferentes: má.go.a, po.lí.ci.a.

B. São falsas esdrúxulas, porque as sequências vocálicas finais formam um ditongo crescente: má.goa [mágwa]; po.lí.cia [pulisja]. Contudo, têm acento gráfico, como as palavras que terminam em ditongo átono: se se escreve órgão e hóquei, então também escreve mágoa e polícia.

Note que lavandaria e geometria não têm ditongo crescente final, mas, sim, hiato, isto é, ocorre uma sílaba tónica seguida de sílaba átona que se resume a uma vogal: la.van.da.ri.a e ge.o.me.tri.a1.

Agradecemos as palavras de apreço.

 

1 Ou geo.me.tri.a, dado que o hiato existente na sequência eo de geometria também pode ser resolvido como ditongo crescente – [jo].

Pergunta:

A palavra bastante, além de poder classificar-se como adjetivo ou advérbio, pode aínda funcionar como pronome indefinido?

Obrigado.

Resposta:

No quadro da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), de 1959, considera-se que a palavra bastante, como sinónimo de muito, é um pronome indefinido (substantivo e adjetivo)1.

Em Portugal, no contexto não universitário, inclui-se bastante quer entre os quantificadores existenciais (cf. Dicionário Terminológico – DT), cujo termo designativo equivale a pronome indefinido adjetivo (ou adjunto), quer entre os pronomes indefinidos (quando ocorre sem substantivo associado)2, correspondente a pronome indefinido substantivo ou absoluto.

 

1 De acordo com o Dicionário Houaiss (s.v. pronome),  também usam os termos pronome absoluto («pronomes mesmos, quando absolutos») e pronome adjunto («adjetivos, quando adjuntos»).

2 O DT não apresenta bastante nos exemplos de pronomes indefinios, mas infere-se que entre estes deve ser incluído visto tratar-se do «uso pronominal de um quantificador». Na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, bastante é classificável como pronome indefinido absoluto e adjunto – cf. nota anterior.