Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de saber qual o significado do verbo gabiar, na minha zona é fazer valas para plantar bacelo ou outras árvores novas, mas como só encontrei a conjugação do verbo sem significado.

Obrigado

Resposta:

Gabiar é o mesmo que gavear, um transmontanismo que significa «plantar bacelo», conforme já registava Cândido de Figueiredo, no seu Nôvo Diccionário da Língua Portuguesa, em 1899.

A forma gabiar tem como nome correspondente gábia, do qual deve ter derivado. Gábia é, segundo a fonte já citada, «escavação em volta da videira, para a estrumar ou para fazer mergulhia. (Colhido no Mogadouro)», atribuindo-se-lhe origem castelhana, gavia.

Assinale-se aqui o registo da forma gávea no Dicionário Houaiss como termo da marinha, com uma série de aceções:

«1    nome específico do mastaréu que espiga imediatamente acima do mastro grande
2    nome específico da verga que cruza no mastaréu de gávea grande
3    nome específico da vela redonda que pende da verga de gávea do mastro grande
4    design. genérica para as velas redondas (nos navios de três mastros, de vante para ré: velacho, gata, gávea), que pendem das vergas de mesmo nome
5    design. genérica dos mastaréus e vergas (nos navios de três mastros, de vante para ré: do velacho, da gávea e da gata), que espigam logo acima dos mastros reais.»

Observe-se que, em dialetos setentrionais portugueses, gávea pode soar como gábia. Não é descabido supor que o transmontanismo em questão e o termo náutico podem historicamente ter divergido da mesma palavra, conforme informação etimol...

Pergunta:

A palavra coitado vem de coito ou de coita?

Resposta:

Coitado vem do particípio passado de coitar «desgraçar, magoar» e está atestado desde os séculos XIII (coitado, cuitado) e XIV (cuytado).

Coitar (coitar e coytar nos documentos medievais) vem do occitano antigo (ou provençal) coitar, cochar , com o mesmo significado que o verbo (galego-)português, procedendo provavelmente do latim vulgar *coctare (forma conjetural), derivado de coctus, correspondente ao latim clássico coactus, particípio passado de cogĕre, «obrigar, forçar». Coita é um derivado regressivo (ou derivado não afixal) de coitar.

São palavras que não têm que ver com coito, «cópula sexual», vocábulo com origem em coĭtus, -ūs, usado no mesmo sentido e derivado de coīre, «juntar-se carnalmente».

Fontes: J.Coromines e J. A. Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e HispánicoDicionário Houaiss; J. P. Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Nós tempos que correm é muito frequente falar em vacinas e na sua utilização. É quase regra referir que a "vacina foi aplicada" quando, no meu ponto de vista, a vacina foi administrada ou inoculada ou injectada...

Os comprimidos também são tomados ou administrados e não aplicados como um autocolante.

Qual a terminologia correcta?

 

Pergunta escrita de acordo com a norma ortográfica de 1945.

Resposta:

Aceita-se, porque aplicar se emprega com tratamento, remédio e palavras que entrem nos campos lexicais da medicina e dos tratamentos médicos:

(i) «A cortisona foi descoberta por Tadeus Reichstein, de Basileia, na Suíça, e começou por ser aplicada no tratamento da artrite reumatóide por Philip Hench (1896-1965) e Edward Kendall (1886-1972), nos EUA» (Corpus do Português).

Pergunta:

Queria saber se uma expressão que eu vejo muito é especificamente de Moçambique ou é um erro ou dito.

A expressão combina as palavras de e na.

Aqui está um exemplo: «depois de na segunda-feira».

Sei que isso é estranho no Brasil, mas já achei alguns artigos de português europeu que usam (raramente) a expressão também.

Resposta:

Em Portugal, como no Brasil, trata-se de uma construção errada.

Se a intenção for referir um momento posterior a uma segunda-feira, a construção usada não inclui na:

(1) Só voltamos depois da/de segunda-feira.

Contudo, em certos contextos pode ocorrer «de, na segunda-feira», mas com vírgula:

(2) Depois de, na segunda-feira, ter visitado Madrid, sigo agora para Barcelona.

Pergunta:

Qual seria a melhor tradução para o termo chafing dish?

Procurando inicialmente em catálogos e fornecedores parece haver um certo consenso de que o termo utilizado é réchaud, mas tenho algumas reservas em utilizar a palavra quando esta não aparece no dicionário. Pelo levantamento de respostas entre amigos, as mais populares foram réchaud, «banho-maria» e até mesmo chafing dish.

Um aspeto curioso é que muita gente mencionou um «outro termo na ponta da língua» do qual ninguém se foi capaz de lembrar. O dicionário também refere rescaldeiro, mas esse termo nunca foi utilizado quando mostrei as imagens. Embora nem sempre a sabedoria popular seja a correta, o facto de ninguém em hotelaria ter ouvido este termo apenas aprofunda as minhas dúvidas.

Algum esclarecimento?

Antecipadamente grata pela vossa resposta

Resposta:

O termo mais corrente para traduzir o anglicismo chafing dish é outro estrangeirismo, réchaud, que provém do francês e significa, conforme definição do glossário da  Associação da Hotelaria de Portugal, «fogareiro portátil para manter aquecidos os alimentos, preparar fondues ou para cozer alimentos à frente do cliente».

O termo inglês chafing dish é traduzido como «caçarola com fonte de calor para conservar coisas quentes» no dicionário inglês-português da Infopédia. Observe-se, todavia, que  o Dicionário Houaiss  e o Dicionário Michaelis consignam o galicismo réchaud, e o primeiro dentre eles regista o seu aportuguesamento fonético e gráfico sob as formas rechô e rechó. Esta última forma, rechó,