Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existem imensos locais a nível nacional que são chamados ora de S. Tiago, ora de Santiago.

Como saber qual o correto?

Resposta:

Recomenda-se Santiago quando se trata de nomes de lugar (topónimos), o que não quer dizer que, por tradição ou por registo oficial, não haja casos em prevaleceu a grafia São Tiago.

A consulta do vocabulário toponímico associado ao Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) faculta uma maioria de entradas simples ou compostas com a forma aglutinada Santiago (28 resultados), enquanto São Tiago, relativa à localidade assim chamada no estado Minas Gerais, no Brasil, conta com uma só ocorrência.

Em Portugal, o critério que define Santiago como forma toponímica indiscutivelmente correta encontra-se no ponto 1, c), da Base XVIII do Acordo Ortográfico de 1990 (sublinhado nosso):

c) Emprega-se o apóstrofo nas ligações das formas santo e santa a nomes do hagiológio [lista de santos], quando importa representar a elisão das vogais finais o e a: Sant'Ana, Sant'Iago, etc. É, pois, correto escrever: Calçada de Sant'Ana. Rua de Sant'Ana; culto de Sant'Iago, Ordem de Sant'Iago. Mas, se as ligações deste género, como é o caso destas mesmas Sant'Ana e Sant'Iago, se tornam perfeitas unidades mórficas, aglutinam-se os dois elementos: Fulano de Santana, ilhéu de Santana, Santana de Parnaíba; Fulano de Santiago, ilha de Santiago, Santiago do Cacém. Em paralelo com a grafia Sant'Ana e congéneres, emprega-se também o apóstrof...

Pergunta:

Gostaria de perguntar se tem conhecimento da correta grafia da palavra "ponte-báscula".

Presumo que esteja certa assim (palavra formada por justaposição com hífen).

Muito obrigado.

Resposta:

Não é forçoso que o composto em referência tenha hífen, mas se este for empregado, não há incorreção. Deve-se, claro está, manter o hífen nesta forma ao longo do mesmo documento.

Observe-se, contudo, que os dicionários gerais atualizados (por exemplo, Infopédia e Priberam) registam báscula e básculo como o mesmo que «ponte levadiça», assim sugerindo ser possível deixar o termo ponte subentendido.

Uma báscula é geralmente «Balança destinada a objetos pesados, geralmente com uma plataforma horizontal.», mas também pode designar uma ponte levadiça (Dicionário Priberam).O termo ponte-báscula (ou simplesmente báscula) aplica-se a uma balança para pesar camiões.

Balança destinada a objetos pesados, geralmente com uma plataforma horizontal.
 

"báscula", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/b%C3%A1scula [consultado em 04-10-2021].
Balança

Pergunta:

No Brasil, o povo, em vez de dizer mobília, António, diz "mobilha", "Antonho", ou seja, palataliza o l e n seguidos de i, assim como o d e t.

Isso se dá também em Portugal? Há livros modernos de autores portugueses que ventilem o tema em causa?

Muito obrigado!

Resposta:

O fenómeno de palatalização de /l/ e /n/ antes de /i/ não é desconhecido dialetalmente no território de Portugal.

Há registos da forma «Santo "Antonho"», e ainda hoje existe o hipocorístico Tonho, com certeza mais frequente no passado (cf. Revista Lusitana, publicada entre 1887 e 1943). Também se tem referido a palatização que ocorre em casos como os de família, que passa a "familha". Estas formas parecem em vias de desaparição por pressão do padrão da pronúncia de Portugal, mas dedicam-se algumas observações, pelo menos, à palatalização de /l/ na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020).

Pergunta:

Considerando que os substantivos epicenos marcam apenas pares de animais, como são classificados, dentro do estudo dos substantivos, os termos que possuem a designação macho e fêmea, mas não são animais, como «tomada macho» e «tomada fêmea»?

Resposta:

Não são epicenos, de facto, porque não se trata de animais1, mas na escrita destas casos é correto o uso de hífen, embora não seja obrigatório: tomada-macho e tomada-fêmea.

A hifenização decorre de um critério que se encontra enunciado no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), nos verbetes relativos a macho e fêmea:

«[A]pós nome de ser inanimado, geralmente peças de encaixe em mecanismos, peças de carpintaria, dobradiças etc., indica a peça que possui uma saliência e que se introduz em outra, com reentrância (colchete-macho).»

 

 1 «Denominam-se EPICENOS os nomes de animais que possuem um só género gramatical para designar um e outro sexo. Assim: a águia; a baleia; a borboleta; a cobra [...]» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 196).

Pergunta:

A palavra mamãe é formada por algum processo de formação? Se sim, qual, por favor?

Agradeço!

Resposta:

A palavra não se enquadra em processos regulares como a derivação e a composição. Relaciona-se antes com processos irregulares como a onomatopeia ou a amálgama, e importa atender que é a forma cuja historicidade se fixou no uso até hoje (lexicalizou-se).

Parece ter origem controversa, como se observa no Dicionário Houaiss:

«origem controversa; onomatopeia da linguagem infantil, cf. mamã; de mãe, com redobro, ou de minha mãe, com redução, ou ainda com base em mamã, com influência de mãe; [...] formas históricas 1813 mamãi, 1858 mamãe.»

 

Cf. Viagem a bordo da palavra «mãe»