Em Portugal, na primeira semana de 2022, o jornal Expresso, a cadeia de televisão SIC e outros órgãos de comunicação do grupo Impresa foram eles próprios notícia: os piratas informáticos (hackers) do Lapsus$ apossaram-se dos respetivos sites e exigiram um resgaste (ler aqui). Este tipo de ataques – os ciberataques – têm vindo nos últimos anos a tornar-se mais frequentes, e sempre que ocorrem têm registo nos jornais, na rádio e televisão, quase sempre num discurso recheado de anglicismos.
Ilustrativa desta tendência é, por exemplo, uma notícia do jornal Público em 4 de janeiro, ou entrevista dada ao mesmo jornal, em 8 de janeiro, por Rui Duro, gestor da empresa de cibersegurança Check Point Software,. Ou, ainda, a peça que o Expresso incluiu em 9 de janeiro nas páginas de um site provisório (em consequência do já mencionado assalto). Nestes textos jornalísticos, avultam os termos técnicos em inglês, uns mais enraizados e outros menos difundidos, que a seguir se listam com comentários sobre os seus contextos, os seus significados e os seus equivalentes vernáculos, possíveis ou já com uso efetivo.
– «[...] [S]e se colocamos um backup no ar demasiado cedo podemos apagar as provas do ataque» (Público, 08/01/2021)
No contexto apresentado, o termo backup está por backup copy, o mesmo que «cópia de reserva» (Infopédia). O anglicismo pode igualmente traduzir-se por salvaguarda ou, mais especificamente, «cópia de segurança», «fontes de alimentação de reserva» e «discos de reserva», conforme se propõe no Glossário da Sociedade da Informação (GSI), da Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI).
– Check Point Software (Público, 08/01/2021)
O nome da empresa é uma denominação comercial em inglês e, portanto, dispensa tradução. Mas, numa tradução livre, é equivalente a «programas de ponto de verificação/passagem».
–«Dedicam-se a esgravatar a dark web à procura de formas de entrar e destruir os sistemas informáticos de empresas ou instituições estatais que lhes deem publicidade para o ataque.» (Expresso, 09/01/2022)
No GDSI da APDI, traduz-se dark web (ou dark net) por «web escura», com o significado de «pequena parte dos conteúdos da web profunda, para os quais é necessário introduzir credenciais para aceder ou que foram intencionalmente ocultos da indexação dos motores de busca».
– «Hackers que atacaram SIC e Expresso estiveram vários dias dentro do sistema a planear ataque sequencial» (Público, 04/01/2022)
Hackers já encontra forma vernácula estável em «pirata informático» (cf. Infopédia; ler também "Sobre o aportuguesamento de hacktivismo).
– «Muitas vezes, os atacantes conseguem criar cópias, lookalikes em inglês, para ludibriar as pessoas [...]» (Público, 08/01/2022)
O próprio contexto indica que lookalike é sinónimo de cópia. Isto mesmo confirma o dicionário de inglês-português da Infopédia, que associa igualmente ao termo inglês o significado de «sósia».
– «Há pessoas a trabalhar de computadores pessoais em casa, serviços de terceiros que têm acesso aos sistemas da empresa, e aplicações na cloud» (Público, 08/01/2022); «Estamos com acesso nos painéis de cloud (AWS), entre outros tipos de dispositivos [...]» (Expresso, 09/01/2022)
Cloud é o mesmo que nuvem, termo equivalente com uso estável. Quanto a painéis de cloud (AWS), trata-se de uns painéis de gestão informática alojados na nuvem do Amazon Web Service (WAS).
– «Hoje, vê-se muito phishing, ransomware e esquemas para obter o controlo de máquinas e sistemas alheios para criar criptomoedas. O phishing é dos ataques mais comuns.»
Phishing é termo que, geralmente não se traduz, como se pode concluir do facto de o dicionário de inglês-português da Infopédia traduzir a palavra inglesa por ela mesma. Contudo o GSI da APSDI regista «falsificação da interface» como forma portuguesa equivalente a phishing. Ler "Os anglicismos spearphishing e think tank".
Quanto a ransomware, é anglicismo relativamente recente, que parece ainda não achar solução vernácula, a não ser pela construção de perífrases. Dado que o ransomware constitui um tipo de malware, ou seja, de «software malicioso» (cf. GSI da APSDI) – ou, procurando reforçar a vernacularidade, «aplicação maliciosa» – poderá propor-se, por exemplo, uma expressão descritiva como a que figura no Linguee: «tipo de malware que restringe o acesso ao sistema infectado e cobra um valor de resgate para que o acesso possa ser reestabelecido». De forma mais sintética, numa página de uma conhecido antivírus (Kaspersky), ocorre a expressão «software de extorsão», sem conseguir evitar o anglicismo software. Outra solução, que se arrisca aqui e ainda muito descritia: «aplicação para rapto informático com exigência de resgate».