Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Que artigo definido devemos usar quando nos referimos à plataforma de pagamentos Paypal?

Dizemos: «o Paypal» ou «a Paypal»?

Devemos ter em consideração o facto de se tratar de uma plataforma de pagamentos e dizer «a Paypal», ou, por exemplo, é mais correto dizer «o Paypal» por se tratar de um serviço de pagamentos?

Muito obrigado pela atenção dispensada.

Resposta:

Sobre o assunto, não parece haver uma resposta categórica.

Como bem demonstra o consulente, a realidade que se denomina PayPal1 pode ser vista a partir de palavras de géneros diferentes: plataforma (género feminino), empresa (género feminino), serviço (género masculino) ou até método/tipo (género masculino) – neste último caso, na expressão «método/tipo de pagamento».

Uma pesquisa Google evidencia que o uso de PayPal é claramente maioritário no género masculino: a sequência «o PayPal» ultrapassa os quatro milhões de reultados, enquanto «a PayPal», que inclui a forma de feminino do artigo definido, vai pouco além dos 16 000 resultados. A página em português da própria assim chamada chega ao ponto de fazer referência ao serviço que presta como «o PayPal». Mesmo assim, não é incorreto dizer «a PayPal», quando se tem em mente a empresa e a sua plataforma informática.

Em suma, à partida, não há um critério estritamente linguístico (morfológico) ou uma razão semântico-referencial que permitam definir um dos géneros gramaticais como o mais correto a atribuir ao nome próprio PayPal. Em português, a tendência é associar-lhe o género masculino, tendo em mente as noções associados serviço e método (de pagamento), que são nomes do género masculino. Mas basta perspetivá-lo como nome próprio de realidades denominadas pelas palavras empresa e plataforma, para passar a ter atribuído o género feminino.

 

1 A grafia PayPal é ortograficamente insólita em po...

Pergunta:

Gostaria de saber se a onomástica [«ciência que estuda a etimologia, as transformações e a classificação dos nomes próprios»] pode tratar dos nomes de família, ou se isso faz parte unicamente do domínio da patronímia.

A origem desta dúvida advém de alguma informação contraditória que encontrei a respeito da definição de nome próprio enquanto antropónimo.

Ensinaram-me que o nome próprio se refere unicamente ao nome de batismo (ou prenome). No entanto, no dicionário da Priberam, vejo que a definição do termo antropónimo é «[n]ome próprio de pessoa (ex.: Antónia, Francisco, Pedro, Fernandes, Mendes)» – isto é, segundo o Priberam, os nomes de família (Fernandes, Mendes) também são considerados nomes próprios.

Além disso, na definição de nome próprio no Wikipédia temos: «As pessoas recebem como nome próprio um ou mais prenomes e um ou mais sobrenomes ou apelidos de família.»

Grato pela vossa atenção.

Resposta:

A onomástica abrange o estudo dos nomes de família, incluindo-se nestes últimos os originários de patrónimos (também chamados patronímicos).

Há uma certa sobreposição entre os termos em questão e as respetivas definições. É, pois, natural que se encontrem oscilações terminológicas, que até podem ser contraditórias quando se confrontam diferentes obras e autores, o que se entende dada a estreita relação dos nomes próprios com a realidade, a sua diversidade e as muitas maneiras de a categorizar.

Não obstante, podem aceitar-se as seguintes generalizações:

1. A expressão nome próprio tem dois significados:

– genericamente, «nome que identifica uma única entidade real ou imaginária», definição que recobre os antropónimos (os nomes de pessoas), os topónimos (os nomes dos lugares), os cronónimos (os nomes dos meses e dos dias da semana), entre outros;

– e, em sentido mais restrito, «elemento verdadeiramente individual do nome com que as pessoas são diferenciadas», pelo qual «as pessoas são chamadas por familiares e amigos» ("Composição do nome", in Instituto dos Registos e do Notariado), caso em que também se usa nome de batismo e prenome.

2. O termo antropónimo aplica-se à classe de nomes próprios formada pelos nomes próprios pessoais e os apelidos (nomes de família, ou, no Brasil, sobrenomes), mas também são também antropónimos1:

– As alcunhas (apelidos no Brasil), nomes muitas vezes jocosos ou depreciativos atribuídos a um indivíduo por próximos (...

Pergunta:

Uma vez mais, parabéns pelo vosso trabalho.

Arrestadas segue a norma do verbo/substantivo arresto, ou seja, lê-se com o e aberto?

Obrigado.

Resposta:

Na perspetiva da pronúncia padrão de Portugal, a forma arrestadas contém, em sílaba átona (-rres-), um e que soa como o da preposição de.

Convém assinalar que o nome arresto tem um e aberto (símbolo fonético [ɛ]) em sílaba tónica: em transcrição fonética, [ɐʀˈɛʃtu]1.

O verbo arrestar também apresenta um e aberto sempre que a sílaba -rres- do radical arrest- recebe acento tónico. Por exemplo, no presente do indicativo, «eu arresto» e «ele arresta» têm e aberto tal como acontece com o verbo levar (levo, leva); mas nas formas «nós arrestamos» e «vós arrestais», esse e passa a átono, eleva-se e neutraliza-se, soando como o e de palavras clíticas como de, se, me, te ou lhe – trata-se, portanto, do fenómeno de neutralização das vogais átonas, de acordo com regras características da variedade europeia do português.

No caso de arrestadas, que é uma forma de particípio passado, a pronúncia do e também corresponde a uma vogal alta, tal como acontece as formas arrestamos e arrestais, devido à deslocação do acento tónico.

1 É a descrição mais consensual. No entanto, o Dicionário Priberam atribui-lhe um e fechado.

<i>Portugal</i>, <i>Canadá</i> e <i>Califórnias</i> de aquém-mar
Três notas de toponomástica

A propósito do livro Factos Escondidos da História de Portugal – O que Os Compêndios Não Nos Dizem (Lisboa, Oficina do Livro, 2021), do jornalista José Gomes Ferreira, apresentam-se três comentários à etimologia de três nomes geográficos – Portugal, Canadá e Califórnia. Um texto de Carlos Rocha.

Na imagem, a vista para poente na praia da Califórnia, em Sesimbra (fonte: portal da Câmara Municipal de Sesimbra).

 

 

 

Pergunta:

Lendo a crónica satírica do Comendador Marques de Correia na Revista do semanário Expresso do dia 16 de outubro de 2021, fiquei com a dúvida do correto emprego da forma verbal do verbo dizer nesta frase:

«É certo e confirmado que quem dizer esta oração ao primeiro militante do CDS que encontre num raio de 20 quilómetros (ou de 40 em áreas desertificadas) consegue salvar este partido do extermínio ou da compra por parte do mestre André (Ventura) que apesar das broncas ainda dura.»

Não devia ter ido usado, antes, o futuro do conjuntivo, disser?

Agradecido.

Resposta:

No contexto em questão, a forma correta é de facto disser, forma do futuro do conjuntivo (subjuntivo), que não deve ser confundida com dizer, que é a forma de infinitivo do verbo em apreço.

Depois de quem a introduzir oração (relativa) podem ocorrer tempos do conjuntivo (subjuntivo), mas nunca formas do infinitivo, como é o caso de dizer:

(1) «Quem disser esta oração ao primeiro militante do CDS que encontre num raio de 20 quilómetros (ou de 40 em áreas desertificadas) consegue salvar este partido do extermínio.»

Recorde-se que os verbos irregulares  – caber, dar, dizer, estar, fazer, poder, pôr, saber , ser, ter – têm formas de futuro do conjuntivo que não se confundem com os respetivos infinitivos: couber, der, disser, estiver, fizer, puder, puser, souber, for, tiver. Um processo didático para evitar confusões é considerar que são formas que vão buscar o seu radical (a sequência inicial da forma verbal sem as terminações) à forma de 3.ª pessoa o pretérito perfeito do indicativo sem a terminação -am: couber[am], der[am], disser[am], estiver[am], fizer[am], puder[am], souber[am], for[am], tiver[am].

Sobre o futuro do conjuntivo de dizer e de outros verbos irregulares, consultem-se os Textos Relacionados (ver infra), em especial a resposta "A confusão entre o infinitivo pessoal e o futuro do conjuntivo".